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Cooperação acadêmica na Lusofonia: desafios entre Brasil e Cabo Verde

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Nesta reflexão objetivo delinear algumas questões sobre o tema das trocas acadêmicas e culturais entre Brasil e Cabo Verde. Uma hipótese de investigação especulativa que me move é saber o que ainda nos impede de haver mais intercâmbio acadêmico, a despeito de nossas semelhanças culturais, naquilo que estes pontos comuns têm de positivo e de negativo, práticas colaborativas no âmbito da produção das ciências, em especial nas Ciências Sociais e Humanas. O método aqui é o do ensaio, meditações compartilhadas com o público leitor.

Um retrato cultural

Dado que seja consente haver proximidades culturais entre Brasil e Cabo Verde, reconhecemos que também há diferenças, pelo que produz uma diversidade muito desejada pelo campo da pesquisa acadêmica, sobretudo das Ciências Sociais e Humanas. Por haver pontos comuns, podemos intercambiar aqueles que não são, e com isto propiciar uma troca cultural que possa ser assente na troca cooperativa, ambos os lados se enriquece neste modo de intercâmbio. Esta ideia de uma relação cooperativa já foi objeto das meditações de Agostinho da Silva (1906 – 1994), o educador filósofo luso-brasileiro, que por aqui protagonizou uma atuação como professor/educador muito particular entre os anos de 1947 e 1969. No seu tempo nos provocava reflexivamente no sentido de uma cooperação cultural da lusofonia, contra, portanto, a qualquer ideia de centralidade imperial. Calcada na soberania das múltiplas comunidades que possuem a identidade cultural na língua comum.

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Agostinho da Silva é uma figura emblemática desta aproximação e colaboração acadêmica, pois já almejavam uma cooperação cultural entre as várias regiões de expressão linguística lusófona. Em resumo, da fundação do Centro de Estudos África Oriente – CEAO, hoje vinculado à Universidade Federal da Bahia – UFBA, aos rascunhos conceituais que iriam inspirar um dia o que seria a Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa-CPLP, e até mais recente a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira- UNILA, são todos exemplos de ideais a congregar esta vasta diversidade cultural que há na lusofonia. A lusofonia não é redutível a uma de suas partes, mas é esta teia complexa de culturas, que pode ser expressa numa língua, ela mesma já com nuances regionais.

Num caso em particular da lusofonia, Cabo Verde e Brasil, pessoalmente foi encantador o intenso contato que mantive entre 2020-22, colaborando com dois projetos de pesquisa acadêmica e noutro de construção de um projeto de uma Instituição de Ensino Superior em Cabo Verde. Experiências que em mim foram muito férteis do ponto de vista da criação reflexiva. Pelo que mantive contato não só com colegas professores em Cabo Verde, mas com a encantadora poesia cabo-verdiana, que se exprime ainda mais plena quando musicada na forma de morna. Inspirando-me até mesmo algumas meditações em torno do poema Força de Cretcheu de Eugénio Tavares, ou Ponto de Luz de Sara Tavares. Ou nos temas universais da migração humana na poesia Terra Djenti de Zézé di Nha Reinalda.

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Portanto, neste retrato cultural, não é de hoje que se almeja que esta aproximação é bem-vinda e possa acontecer numa multiplicidade que se articulada pode gerar dividendos culturais para todos, sem jamais se pasteurizar, mas a cada vez ser mais criativa e por isto, ofertar mais instrumentos culturais para suas respectivas comunidades se beneficiarem deste capital.

Uma apreciação da foto

Apesar de podermos verificar, neste esquema/esboço de que o tema do intercâmbio cultural já foi aventado na história acadêmica ou como é profícua a ideia de uma aproximação pela poesia cabo-verdiana e a cultura brasileira, parece-nos que ainda não temos um intercâmbio robusto entre as culturas da lusofonia, e particularmente entre Brasil e Cabo Verde. Ademais, como pude verificar a partir da colaboração na comissão organizadora de um encontro acadêmico no âmbito da CPLP, o mesmo pode ser estendido aos demais países desta comunidade. Temos poucos intercâmbios, ainda que ele exista; e todos sentimos que poderia ser muito maior.

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Problematizar estas ausências é uma tarefa complexa, pois parece ser mais fácil apartar-nos do que nos unir. A olhar para a dinâmica interna do próprio Brasil, de onde falo com uma certa comodidade de conhecimento e de direito, lembro que a chamada “fuga de cérebro” é um tema igualmente complexo. Para alguns analistas não seria nem mesmo fuga, mas uma espécie de roubo de cérebros, por países mais avantajados nos aspectos econômicos. Com certa frequência o tema aparece aqui na mídia brasileira, em especial ligado naqueles programas em que a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) financia mestrado e ou doutorados no exterior, pelo que o pesquisador depois não volta para o país. Ademais, agências tais como Fulbrigt-USA, Ford Fundation-USA, USAID, etc., parecem funcionar como verdadeiras agências de cooptação da inteligência dos territórios em benefícios dos territórios em que tem suas sedes. Sempre temos conhecidos que migraram academicamente por estar agências. Ademais, o exercício meditativo sobre a decolonidade nos exige um árduo exame pessoal de elaboração dos nossos modos de como estabelecemos relações interpessoais e, por consequência, interculturais. Exame que nós é muito caro na Lusofonia e só muito recente tem sido ensaiado na academia.

Para além de pensar ou discutir sobre os temas mais sensíveis sobre o intercâmbio entre Brasil e Cabo Verde, notamos rapidamente que ele é amplo e está presente deste lado do Atlântico com outras regiões, não sendo algo situado apenas no âmbito da CPLP ou neste caso em tela. Como “a pedra no meio do caminho” a que alude o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, o tema da decoloniadade está no meio de dois caminhos. O primeiro e mais fundamental, entre mim e o outro mais imediato, colegas, familiares, etc. E no segundo caminho, este outro mais afastado, ainda que familiar pela língua e cultura, mas que já se articula noutra nacionalidade. Esta pedra metafórica não pode ser contornada para seguirmos, neste caso em particular, só poderemos seguir quando dissolvermos ela pela elaboração psíquica/cultural. Do contrário, corremos o risco de na tentativa de fazer intercâmbio acadêmico, promovemos a migração acadêmica numa chave neocolonial.

Este é um desafio, mas não o único. Mesmo já existindo um dado intercâmbio, ele ainda se mostra muito tímido. Com isto não conseguimos romper a barreira do anonimato e pavimentar uma ampla via de trocas. Ainda temos receios e vários pontos desta possiblidade  ficam sem uma visitação necessária para que o fluxo de estudantes, professores/pesquisadores sejam algo assente em relações costuradas de modo maduro pelos agentes em causa. Diria, ficamos mais acuados, receosos, e com certa frequência indignado com as possíveis relações paternalista/colonial desta ou daquela parte. Sempre estamos à volta com nossos fantasmas, que só serão elaborados se pudermos falar deles entre nós.

Como podemos construir novos quadros

Numa apreciação construída deste contato bem pessoal com a cultura de Cabo Verde, penso que os meios virtuais vieram para colaborar em muito com esta aproximação. Quando temos acesso dos indicativos sobre oferta de acesso a internet, tanto em Cabo Verde, quanto no Brasil, assiste-se uma melhora muito oportuna para que possamos crer nesta via a mediar nossa comunicação. Ainda que seja complexo o acesso a internet, temos notado sua popularização. Cabo Verde neste sentido tem os melhores índices da sua região. No Brasil temos também ampliado este acesso, ainda que de modo muito desigual, concentrando melhoras extraordinárias em algumas regiões, mas noutras em atraso.

Na perspectiva positiva da internet, apesar da tragédia geral que foi a pandemia Covid-19, oportunizou que pudéssemos dar início a muitos projetos online, que se mostraram criativos e produtivos. No meu caso em particular, foi extraordinário as trocas que foram oportunizadas pela mediação online com a cultura cabo-verdiana. E neste sentido, se o tema das disponibilidades financeiras poderia no passado ser um destes fatores a dificultar transpor as grandes distâncias, como também a retirada das pessoas do engajamento nas respectivas comunidades, o mundo virtual parece permitir, pela primeira vez, que possamos fazer trocas culturais acadêmicas de uma forma nunca imaginada. A partir de nossa comunidade, relacionar-se com outras comunidades.

Podemos manter nosso engajamento em nossas comunidades, não descapitalizando estes territórios dos saberes necessários para suas mais variadas dinâmicas. E ao mesmo tempo, manter o diálogo mais universal com outros centros acadêmicos. Gerando os mais variados fluxos de capitais culturais (Bourdieu) que serão aplicados nas respectivas comunidades do investigador/pesquisador.

Ideias finais

Neste modesto exercício compartilhado, creio que meu objetivo foi justamente expor que nossos pontos em comum podem ser a força capaz de congregar nossas diferenças, num todo mais complexo, mais amplo, e mais criativo para todos. E que a internet é este ponto estratégico e instrumental que nunca havíamos alcançado enquanto criação coletiva da humanidade. Pelo que sermos de vanguarda hoje será aproveitar estes recursos para o intercâmbio acadêmico. Estes meios devem ser considerados como “meios”. Sobre a intencionalidade humana que o dispõe. Culpar o online como sendo de qualidade menor do que o “presencial”, é um erro simplista. Se existem projetos universitários de péssima qualidade, pelo que temos muitos aqui no Brasil, é omitir que o problema não é o meio, mas a intenção comercial que subjaz tais projetos. Que sempre se mostram em pílulas douradas a esconder que o interesse mais crasso deles tem sido do de fazer “escala e lucros”. O problema está numa dada intensão, não nos meios. Pelo que por estes meios é possível sim uma aproximação qualificada entre Brasil e Cabo Verde no que diz respeito à colaboração acadêmica.

Por fim, por vezes ficamos numa conversa de superfície, em que denotamos o gigantismo do Brasil em detrimentos a outros territórios, em particular às belas ilhas cabo-verdianas. Contudo, sem risco de erros, no aspecto da cultura poética em particular, assunto que me é caro na sua imbricação com o poetizar-filosofar enquanto a mais original contribuição da filosofia em expressão lusófona, não receio em dizer que o repositório poético cabo-verdiano dialetiza/dialoga em mesma ordem de grandeza com o restante da lusofonia. Pelo que neste domínio, a falta de um vivo intercâmbio escasseia em muito a riqueza desta cultural global que é a lusofonia.

Cídio Lopes de Almeida 

Doutorando em Ciências das Religiões

Pesquisador FAPES/Brasil

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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