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Como combater o flagelo das substâncias psicoativas

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Por: Frei Silvino Benneti

Gosto da palavra emergência que expressa a gravidade do momento. Acho que podemos comparar esta situação à crise ambiental. Se não aceitamos mudar as estruturas e os comportamentos a raça humana desaparece do planeta. Caso não reconhecemos a necessidade de mudar a nossa forma de pensar o desenvolvimento, a felicidade, a realização da pessoa, a nossa sociedade pode desmoronar.

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A explosão da violência juvenil dos últimos anos não deve ser vista como um problema da juventude, mas como um indicador de percursos culturais, sociais e políticos errados, capazes de desmantelar a pessoa e torná-la  incapaz de escolher o seu bem. Não temos de procurar nos jovens as soluções dessa crise, mas nos adultos. Não esqueçamos que os adultos de hoje são os jovens de ontem mas, hoje, tem nas suas mãos a gestão da sociedade. Não podemos sequer pensar que os adultos se desresponsabilizam e deixam as coisas nas mãos dos jovens como, às vezes, alguém é tentado a fazer. Os jovens, ricos de conhecimentos e talentos, necessitam do acompanhamento do adulto com experiência de vida para percorrer o seu caminho; e o adulto necessita considerar o olhar crítico do jovem para não sentar na vida e perder o sentido dela.

A droga, por quanto monstruosa e espantosa, não é o problema, mas consequência dos problemas. Tem de ser analisada a partir das relações que se desenvolvem na família, no lugar de trabalho, na escola, nos eventos sociais, nas campanhas eleitorais, nas compras de fim de semana no supermercado, no balcão de serviço das instituições porque, em qualquer âmbito, a pessoa, mistério a si mesma, é envolvida em positivo ou em negativo, com repercussões na sua interioridade, das quais desconhecemos a evolução.

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Como é possível que a droga, destruidora, à vista de todos, do físico e da psique, consiga continuar a atrair jovens para o seu consumo?!  Uma resposta é que a vida que um jovem tem á sua frente não seja atrativa.

 Já nos perguntamos se a nossa vida é atraciva? A descida da natalidade em Cabo Verde é vista como uma devida regulamentação, mas há quem diga que para meter filhos no mundo é preciso coragem. Será que essa descida continuará aproximando-se ao zero como está acontecendo na Europa? 

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Nos últimos anos em Cabo Verde aumentaram os suicídios e a violência doméstica. Nos outros países a violência doméstica regista agora assassínios dos filhos pelos os pais. Mesmo nos países do norte Europa – organizados, educados, eficientes, onde não existe desemprego – há o problema do alcoolismo, da droga e da violência doméstica. Não podemos iludir-nos que não aconteça entre nós o que está acontecendo nos outros países porque esta era globalizada é uma forma de pensar que leva  todos para o mesmo caminho.

Uma cabo-verdiana emigrante no norte Europa  dizia-me que ali há tudo, mas não há felicidade. Temos de recuperar a palavra felicidade, acreditar nela e pô-la no nosso horizonte.  Não temos de confundi-la nem com educação, organização e sobretudo com aumento de dinheiro. A felicidade vem duma relação amigável com as pessoas à nossa volta, mesmo se deseducadas e desorganizadas, e evitando de criar barreiras que possam excluí-las do nosso dia-a-dia. Temos, portanto, de aceitar, por ser lei escrita no profundo do coração do homem, que a procura da minha felicidade realiza-se quando os outros são felizes.

Estes não são conceitos duma filosofia do fazer o bem ou mandamentos duma religião. Estes podem ser conceitos base dum programa político elaborado a partir da natureza humana com o fim de construir uma sociedade à medida do homem e da mulher. As falhas dadas pela não consideração desses conceitos, nos Estados Unidos, justificou a Bin Laden a criação do seu terrorismo.

Esse programa político entende o desenvolvimento não como aumento da circulação de dinheiro, mas como melhoria das relações entre as pessoas.

Entende que a economia não é uma estratégia para fazer dinheiro, mas uma inteligência que organiza uma sociedade inclusiva e que, antes de tudo, não confunde o bem-estar com a riqueza.

A empresa não mede o seu sucesso a partir do lucro, mas a partir da sua capacidade de criar trabalho. O trabalho deve satisfazer por si a quem trabalha e não a partir do vencimento. A relação entre  empreendedor e trabalhador não deve pôr em segundo lugar os princípios da  relação entre pessoas.    

A escola deve ajudar os jovens a desenvolver as próprias capacidades e jeitos e não orientar para os cursos mais remunerados no mercado do momento.

A governação deve aceitar que a educação não passa só para a instrução formal, mas também pela educação informal e que estas correspondem a 70% da “educação” do indivíduo.

Um político, ao tornar-se governante, deve crescer em consciência do bem comum e não pode continuar a medir as suas acções a partir de interesses eleitorais. Um militante político, ao constatar que a luta partidária divide a população deve reconhecer o fracasso do seu trabalho.

A pobreza não é uma dimensão da qual temos de fugir porque foi escola de vida dos nossos avos e é na “pobreza” que mais facilmente reconhecemos a importância da relação com o outro.

Se queremos que os filhos da nossa sociedade não se deixem atrair para bens falsos e ilusórios temos nós também deixar de iludir-nos com estratégias de mercado global, grandes investidores estrangeiros, turismo de alta classe, cruzeiro que trazem milhares de pessoas, mas estruturar esta sociedade nos valores humanos aceitando de crescer, com sacrifício nesses mesmos valores.

E o primeiro valor humano é acreditar na gente de Cabo Verde e em Cabo Verde. Acabou o tempo de copiar os programas de desenvolvimento dos outros países.

Valorizemos os nossos pescadores que nos permitem comer o peixe todos os dias. Façamos formações, promovamos novos intermediários de mercado, insistindo até que possam chegar a ganhar melhor sem ter de subir o preço ao consumidor. Promovamos os nossos agricultores preferindo o seu produto em relação ao que vem da importação, profissionalizando-os e recuperando a cultura que respeita e ama a natureza como no tempo dos nossos avós. Temos de tornar satisfatório e atrativo o trabalho do pescador e agricultor tanto quanto o do acompanhador turístico e o de quem elabora software.

Promovendo a pesca e a agricultura abrimos oportunidades de trabalho para os filhos de pescadores e agricultores e imediatamente beneficiamos parte da sociedade que vive na marginalização.

Acreditemos nos recursos de Cabo Verde. O vento e o sol são energias à nossa disposição. Do mar podemos ter água dessalinizada e fazer agricultura na fértil terra vulcânica capaz de produzir em todas as ilhas. Podemos chegar a dizer, dentro de não muito tempo,  que a nossa  segurança alimentar é superior à da Suíça.

Acreditemos também e esforcemos para que cada ilha possa dar trabalho a quem quer que viva na sua ilha de origem. Falando com os jovens de Planalto Norte de Santo Antão percebo que querem viver no Planalto. Mas acontece que, à procura de trabalho, os de Planalto Norte deslocam-se a Porto Novo, os de Porto Novo vão para São Vicente, os de São Vicente “dão expediente” para irem a Praia e os da Praia correm para Boa Vista e Sal. Algo não funciona nessa procura de trabalho. Talvez alguém lhes disse que “es terra ca ta da nada”. Desta forma as pessoas desenraízam-se e fragilizam-se e podem cair no stress e perder a orientação da vida contribuindo para uma sociedade desequilibrada. O trabalho tem de ser a serviço do homem, não o contrário.

Muitos são os recursos de Cabo Verde não suficientemente valorizados. Sei que há um italiano que periodicamente vai a Santo Antão recolher plantas que depois utiliza na sua ervanária na Itália. As ervanárias de cá trazem produtos de fora. Em São Vicente há qualquer coisa e também na Praia, mas há um património ainda inexplorado. 

Eu levei moringa em pó ao meu cunhado e ele curou a psoríase para a qual gastou dinheiro em mil remédios sem efeito. Há dias descobri o sabão de pulgueira e tirou-me umas manchas que há anos tinha nos braços. Com as folhas da pulgueira se fazem produtos para a pele e com as sementes se faz óleo combustível. Um hectare cultivado de pulgueira daria uma tonelada e meia de óleo combustível. A pulgueira pode ser cultivada perto das praias pedregosas e ventosas e requer muito pouca água. Pela grandeza da natureza, a humilde semente duma planta torna-se, ainda uma vez, alternativa ao produto da imensa indústria petrolífera.  Sobre a pulgueira há um estudo de um jovem de Santiago e duma jovem de Santo Antão.

Se reconhecemos que estamos em emergência é urgente começar a pensar diferente, tirando dos nossos olhos o brilhar dos mosaicos lúcidos e das luzes coloridas. Precisamos de uma cultura que possa recriar o ser humano que sabe que deve encontrar a sua verdadeira segurança na relação com as pessoas e não numa conta bancária. Esta é a verdadeira forma com a qual podemos combater os momentos de perdição da nossa juventude

 Em Cabo Verde vive-se a dimensão de uma grande família alargada. Aqui é fácil encontrar com um primeiro ministro e acontece descobrir laços familiares com um desconhecido e espantoso delinquente. Essa dimensão de família alargada nos permite facilidade de relações e oferece, mais facilmente que nos grandes países, pistas para a compreensão de fenómenos sociais e dos comportamentos individuais. A gestão da nossa sociedade deve ter em conta essa dimensão de família alargada.

Nos anos 90 uma doutoranda espanhola passou em São Vicente a recolher elementos para a construção de uma cultura da paz. Perdi o seu nome, mas nós podemos manter a percepção que Cabo Verde possa traçar caminhos úteis ao desenvolvimento do seu e de outros países.

Fórum, 21.07.2022, Emergência de uma frente comum para enfrentar e vencer as crises

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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