Pub.
AtualidadeOpinião

Cabo-verdianos em Itália assinalam hoje o 50° aniversário do assassínio de Amílcar Cabral

Pub.

Os cabo-verdianos residentes em Itália assinalam esta sexta-feira, 20 de Janeiro, o 50° aniversário do assassínio de Amílcar Cabral com várias actividades na Universidade Luiss de Roma. Trata-se de uma organização conjunta da associação NCC-CCN (Network Cultural Cabo Verde/Cape Verdean Cultural Network) e Tabanka Onlus e contará, de entre outros, com a presença da viúva Ana Maria Cabral e do embaixador de Cabo Verde naquele país, Jorge Figueiredo Gonçalves.

O acto contará com a presença de personalidades relevantes, com destaque para o professor de Marketing & Digital Marco Francesco Mazzú, do vice-director África MAECI Fabrizio Labasso e do vice-presidente da Associação Le Réseau Mehret Tewoldé. Estão previstos intervenções de Ana Cabral, que apresentará os cumprimentos de boas-vindas, do antropólogo Francesco Marrocu, da historiadora Ana Coutinho, do filosofo e jornalista Filomeno Lopes, do professor da Universidade de Maputo Severino Ngoenha, com mediação da jornalista Alícia Araújo. 

Publicidade
Programa de celebração dos 50 anos do assassinato de A. Cabral em Roma

Do programa consta ainda uma performance sobre Cabral de Jorge Canifa e, ao longo de todo o evento, serão projectados fotografias de Amílcar Cabral da autoria de Bruna Polimeni, que foram gentilmente cedidos pela Fondazione Leilo e Lisli Basso. 

Por: Maria de Lourdes Jesus

Publicidade

A Diáspora a homenagear Amílcar Cabral

A presença da comunidade cabo-verdiana em Itália atingiu, em 1972, um número significativo de raparigas a trabalhar em casa de famílias italianas. No livro dos Dez Anos da Independência de Cabo Verde conta-se aproximadamente entre 3.500 a 4.000.

Publicidade

A corrente migratória aumentou consideravelmente graças ao aumento da procura de trabalhadoras domésticas. Em 1973 já se falava de cerca 5.000 raparigas, sobretudo na cidade de Roma. Infelizmente, nessa altura a grande maioria da nossa comunidade desconhecia totalmente a figura de Amílcar Cabral e a luta de libertação para a independência de Guiné – Bissau eCabo Verde.

Uma boa parte nem queriam ouvir falar da Independência de Portugal e tão pouco atribuir ao governo colonial a responsabilidade da pobreza e do analfabetismo que obrigou os cabo-verdianos a emigrar à procura duma vida melhor no estrangeiro. Havia no entanto um grupo muito restrito de cabo-verdianos cheios de entusiasmo e com uma certa consciência política. Estes passavam os dias livres (quinta-feira e domingo à tarde) nas zonas onde se encontrava a comunidade para distribuir panfletos que continham informações sobre o andamento da luta de libertação e sobre Amílcar Cabral. Quase sempre as mesmas pessoas que distribuíam, recolhiam os panfletos deitados de propósito no chão. 

Havia até quem brigava e lhes atirava o panfleto na cara. Um dos pontos mais críticos e difícil de aceitar era a ligação entre Cabo Verde e Guiné-Bissau, considerados por muitos um atentado à própria identidade cultural do arquipélago. A comunidade não estava ainda preparada e sentia-se em parte ameaçada nos seus pontos de referência cultural estáveis.

Era esse o contexto emque se vivia, quando no dia 20 de Janeiro 1973, os meios de comunicação transmitiram a trágica notícia do assassinato de Amílcar Cabral. Boa parte da nossa comunidade ficou surpreendida ao tomar conhecimento da morte de Amílcar Cabral, através das famílias onde trabalhavam. A linguagem utilizada, o timbre de voz  deixava claro a tendência política dessas famílias. Algumas delas transmitiam a notícia da trágica morte de Cabral com muita satisfação por ter sido finalmente eliminado “o terrorista”. Mas havia também cabo-verdianas que trabalhavam nas famílias de um certo nível cultural, com tendência política de centro esquerda a favor da luta de libertação dos povos, que reagiram com indignação ànotícia do assassínio de Cabral. 

A mesma reação é compartilhadacom uma parte mais sensível da Itália, composta por intelectuais, ativistas, anti colonialistas unidos na luta pela liberdade e os direitos dos povos. Era a parte da Itália que sempre esteve na primeira linha no apoio à luta de liberação. Com o assassinato de Cabral, intensificaram-se as manifestações de solidariedade a favor dos cinco países na luta contra o colonialismo português e para a instauração duma sociedade livre e independente. 

A história da Itália com os movimentos de libertação teve início dos anos 1970, altura em que foram realizados dois grandes eventos em Itália. O primeiro foi a Conferência de Solidariedade com os Povos das Colónias Portuguesas, que se aconteceu em Roma de 27 a 29 de Junho e contou com a presença de 177 organizações políticas, sindicais e religiosas em representação de 64 países. Entre os organizadores da conferência destaca-se a figura da Dina Forti. O segundo grande evento realizou-se no Vaticano, no dia 1 de Julho do mesmo ano, numa audiência privada com o Papa Paolo VI à três líderes Áfricanos: Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos. 

O encontro revelou-se crucial para sensibilizar, reforçar a credibilidade e a razão da luta pela independência na opinião pública.Foi um duro golpe ao governo português, um regime autoritário apoiado por uma boa parte da hierarquia católica, segundo Marcella Glisenti, figura proeminente na organização da audiência papal. A repercussão a nível internacional desta audiência com os três líderes foi uma grande vitória em termos de reconhecimento definitivo da luta pela independência dos povos africanos.

Logo a seguir ao sucesso dos dois eventos em Roma, Cabral intensifica os contactos com os meios diplomáticos e a comunicação social para dar a conhecer e sensibilizar a opinião pública perante o progresso da luta de libertação em Guiné-Bissau. É nesta fase que entra em cena a histórica fotógrafa italiana Bruna Polimeni, que tinha conhecido Cabral em 1969 na Conferência de Khartum e, em 1970, na Conferência de Roma. Nessa ocasião foi decidido a visita-missão da fotografia para documentar a organização social nas zonas libertadas da Guine2 Bissau. 

A excepcional documentação histórica de Bruna Polimeni, resultado das várias viagens nas zonas libertadas durante e após os anos 1970, encontra-se atualmente no arquivo histórico da Fundação Lelio e Lisli Basso, um dos organizadores da Conferência Internacional de Solidariedade para com os Povos das Colónias Portuguesas.

Mas, para os os cabo-verdianos em Itália, é só a partir do dia 5 de Julho de 1975 que se apresentou a primeira oportunidade de conhecer uma parte da nossa história da luta de libertação através das fotografias de Bruna Polimeni, principalmente nas exposições organizadas pelas Festas da Independência e na comemoração do Herói Nacional Amílcar Cabral. As primeiras comemorações foram organizadas pela Associação Cabo-verdiana e continuou através da associação das Mulheres Cabo-verdianas em Itália. 

Desde o ano 2005, a associação Tabanka Onlus instituiu o prémio Amílcar Cabral para celebrar esta data, um reconhecimento anual à pessoas e entidades que contribuíram na luta pela paz e pela imagem positiva do continente africano. Os primeiros premiados foram a fotógrafa Bruna Polimeni, Dina Forti, Fondazione Lelio e Lelis Basso, e MOLIS (Movimento Liberazione e Sviluppo), estas duas últimas entidades envolvidas na luta de Libertação para a Independência das Colónias portuguesas.

Livro Poesia “Rosa Negra”

Em 2014, foi fundada a NCC-CCN (Network Cultural Cabo Verde/Cape Verdean Cultural Network). Esta associação comemora o dia 20 de Janeiro, atribuindo todos os anos um bolsa de estudo intitulado “Amílcar Cabral”, aos jovens estudantes da Guiné-Bissau e de Cabo Verde que vivem em Itália. Publicou em 2019 “Rosa Negra”, um livro de poesias de Amílcar Cabral traduzidos em Italiano.

Seguindo a tradição esta sexta-feira, dia 20 de Janeiro, a NCC-CCN e a Tabanka Onlus assinalam o 50° Aniversário do assassínio de Amílcar Cabral, com este evento na Universidade Luiss de Roma.

Mostrar mais

Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo