Por: António Santos
As Forças Armadas de Cabo Verde são um pilar essencial da defesa nacional e constituem a estrutura do Estado que garante a defesa militar da República e, por isso, devem estar acima de qualquer suspeição, porque “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.
Como todos os bons provérbios, este tem um suporte histórico. Refere-se à segunda mulher de Júlio César, Pompeia, de quem ele se divorciou por suspeitar que ela o traíra, mesmo sem ter provas. Também como todos os provérbios, esta frase é vaga e imprecisa e por isso pode-se aplicar a muitos casos. Por exemplo, ultimamente em Cabo Verde, usa-se este provérbio para criticar a decisão do Governo cabo-verdiano de rescindir o contrato com a Sevanair, que possibilitava a troca do antigo avião Dornier 228 da Guarda Costeira por dois aviões CASA.
Este negócio, acertado com a Sevenair em 2018 e com o parecer favorável de um militar cabo-verdiano, lesava economicamente o Estado da República de Cabo Verde e deixava as Forças Armadas de Cabo Verde (FACV) mal vista aos olhos de todos.
|O recente anúncio do Governo cabo-verdiano de que já não vai trocar o antigo avião Dornier 228 da Guarda Costeira por dois aviões CASA, optando pela sua venda e compra de outro aparelho, peca por tardio.
De facto, esse acordo já implicou vultuosos custos financeiros ao Estado cabo-verdiano que deslocou, para cursos de formação, quadros e um grupo técnico para preparar o regresso de uns aviões (autênticos cascos).
A alteração no negócio foi anunciada pelo vice-primeiro-ministro, Olavo Correia. “Era uma opção que estava sobre a mesa que nunca foi concretizada (troca do avião por dois CASA). Houve uma intenção, mas que não foi concretizada”, afirmou Olavo Correia na Assembleia da República, surpreendendo o administrador do grupo Sevenair, Alexandre Alves, que, mesmo assim, “mantém o interesse em colaborar com o Governo de Cabo Verde, da forma que este o entender, seja na aquisição da sua aeronave Dornier, na ajuda técnica na aquisição de uma nova aeronave, na formação de técnicos qualificados, ou mesmo numa eventual parceria para aquisição e operação dessa aeronave, no que poderia ser uma parceria público-privada”.
|Provavelmente nunca iremos conhecer, com certeza, os contornos deste negócio entre a empresa portuguesa e o Estado cabo-verdiano, mas podemos investigar.
Temos um Ministério Público para investigar as relações passadas. Temos a Assembleia da República para nos seus inquéritos avaliar a ética. E temos os media para revelar informação e fazer censura pública e moral nos espaços de opinião. Se nada se achar, então o provérbio é injusto e tem um efeito corrosivo. Achar que todos à nossa volta parecem ser ladrões ou corruptos, independentemente de serem ou não, torna impossível a cooperação e confiança necessária para viver em sociedade.
As FACV precisam de uma parceria militar para aquisição de um avião para a Guarda Costeira. Todavia, em vez de saír no mercado a procura de aeronaves comerciais, Cabo Verde poderia apelar à cooperação militar internacional, nomeadamente com Portugal, que poderiam apoiar, técnica e financeiramente, a aquisição de uma aeronave para a Guarda Costeira.
Mas, para isso, o Governo tem de ser assertivo e definir um projeto de raiz militar para as FACV, até porque não há dinheiro nas FACV para sustentar uma aviação comercial, que tem como objectivo o lucro ( o que não é o caso das FACV) e também tem custos elevados.
A aviação militar e comercial tem fins completamente diferentes. É altura, dos governantes decidirem um projeto com Cabeça , Tronco e Membro sem cair nos pareceres de Conveniências.
Neste caso, o parecer da mulher de César tem a ver com aquilo que o governo cabo-verdiano espera do futuro da Guarda Costeira. Ele afeta o presente pelo simples facto de Cabo Verde ter um enorme espaço territorial a patrulhar. Ao Governo não basta ser, mas tem de parecer, porque ele tem de nos convencer da sua transparência em todo este negócio.
Por tudo isto: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.