Por: Maria de Lourdes Jesus
A 9 de Março de 2020, a Itália refugiou-se no lock down para proteger-se da pandemia que ameaçava seriamente a existência de toda a população. As vítimas da epidemia estavam sobretudo nos hospitais e nos lares de idosos em todas as regiões, principalmente no norte da Itália, onde o primeiro paciente foi identificado na cidade de Codogno.
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Durante este período, morreram muitas pessoas e muitas delas na solidão e no desespero, longe dos seus familiares que, não só foram proibidos de visitar e ficar perto dos enfermos para apoio psicológico e afectivo, mas também foram impedidos de realizar um funeral tradicional, com familiares e amigos, e acompanhar o seu ente querido para a sua ultima morada. Muita gente morreu apenas na companhia da equipe médica, uma heroica equipe, que lutava ao extremo para poder salvar o maior número possível de pacientes. A nível da comunidade cabo-verdiana, só tivemos alguns casos de contágio e parece que uma só pessoa morreu.
Nessa primeira fase do lock down só era permitido sair à rua para comprar o indispensável. Estavam abertos apenas os serviços de supermercados, farmácias, quiosques para comprar o jornal e postos de gasolina. O controle era bastante rígido e, na verdade, a maioria das pessoas respeitava as proibições, pois estava ciente do perigo que corria toda população.
Logo que atelevisão começou a falar do lock down, parte da população entrou em pânico e aí começou a corrida aos supermercados para a compra de produtos alimentícios. Em algumas cidades, havia longas filas nos supermercados e mercearias e cada pessoa comprava o máximo que pudesse entrar nos carrinhos. Era impressionante ver esses carrinhos superlotados e a longa fila até chegar à caixa dos supermercados.Compravam de tudo, mas acima de tudo produtos alimentícios.
As coisas acalmaram-se quando a população se apercebeu que os supermercados não iam fechar e os produtos não faltariam nos mercados.
Foi esse também um período de forte identidade nacional: vimos muitas bandeiras italianas nas varandas e janelas das casas a abanarem. Mas, um dos pontos mais altos, atingido pela solidariedade, foram as várias mensagens de encorajamento e carinho escritas nos panos expostos nas janelas e nas varandas das casas com recomendações e frases carinhosas como “fica em casa”, “vai ficar tudo bem”.
O isolamento e o número assustador de mortes têm levado as pessoas a perceberem o quão frágeis somos e como em tão pouco tempo podemos ser aniquilados por um inimigo invisível. As pessoas desamparadas e impotentes perante o inimigo invisível olhavam para o futuro com pouca esperança, pois a vacina ainda não tinha sido encontrada.
A população sentia-se unida porque todos compartilhavam o mesmo destino e, no momento de desespero, veio à tona a parte mais bela enobre que nos une a este povo: a Solidariedade. Uma palavra cheia de sentimento e gestos gentis que os cabo-verdianos bem conhecem, pois constitui um elemento importante da nossa identidade.
A população reagiu muito bem na tentativa de neutralizar a pandemia. A casa transformou-se num palco da vida quotidiana, graças à Internet. A escola estava fechada, mas as aulas e o estudo eram feitos em casa com a professora, em conexão via Internet.
Os pais mais jovens,tiveram que atualizar o conhecimento tecnológico para poderem acompanhar os filhos nas aulas de didáctica à distância com a professora. Boa parte da população, inclusivo cabo-verdianos, exerceram a própria profissão em casa, com a introdução do sistema Smart working. Pelo que parece, esse sistema veio para ficar.
O meio tecnológico mais eficaz para a transmissão dessas mensagens foram sem dúvida as redes sociais. Crianças que escreviam e recitavam poesias, grupos musicais ou cantores que se organizavam via Internet para divertir as pessoas, de modo a que ninguém se sentisse sozinho e abandonado. Actores e actrizes de renome recitando poesias e lendo livros da literatura clássica, grandes cozinheiros apresentando os pratos da melhor gastronomia italiana.
Os cabo-verdianos, pertencendo às duas culturas, gozavam do privilégio de passar duma receita gastronómica para outra, com grande chalace. Aqui estão as vantagens e a riqueza de pertencer a mais culturas. A família italiana traz à mesa os pratos típicos da cozinha tradicional, enquanto a Cabo-verdiana vai mais longe, pois prepara muito bem os pratos italianos, podendo no dia seguinte trazer à mesa um prato da cozinha tradicional cabo-verdiana ou preparar, no mesmo dia, pratos de ambos os países.
O mesmo vale para jogos, músicas, danças, leituras. A presença dos Cabo-verdianos nas redes sociais e, principalmente nas páginas do Face book, acelerou e atingiu o expoente máximo no período da expansão do Covid-19.
Apesar de muitos aspectos negativos, as redes sociais representam um instrumento formidável para comunicar e conectar entre amigos, família e ter conhecimento do que se vai passando por esse mundo fora e tudo em tempo real. Durante o período do isolamento, a comunidade teve todo o tempo necessário para comunicar, brincar com os filhos, inserir post e vídeos, mostrar os fabulosos pratos da culinária italiana e cabo-verdiana, organizar danças, o que muitos faziam em casa com os seus filhos, brincadeiras com crianças, fábulas, ginástica, cuidar do jardim e da horta, fazer bordados, escrever poesias e dedicar-se à pintura. Tempo para tudo. Também para cuidar do espaço reservado à pregação para alimentar a nossa parte espiritual e também para apoiar e confortar as pessoas que estavam sozinhas em casa.
A Comunidade também ficou muito atenta aos decretos governamentais sobre os apoios económicos do governo às famílias e ao fundo do desemprego e vários outros subsídios. Para as pessoas com dificuldade a preencherem os formulários, o Embaixador disponibilizou uma pessoa competente na matéria, para oferecer esse serviço à comunidade.
Esse cenário, que acabei de descrever, faz parte da luta travada pela população italiana e cabo-verdiana e por outros cidadãos que vivem neste país para contrastar, combater a depressão, a melancolia, o futuro que a epidemia ameaçava quotidianamente.
A difusão da epidemia na Itália está ainda bastante grave. Após o isolamento, muitas pessoas, principalmente os jovens, não seguiram as regras estabelecidas para evitar serem contagiados. Além disso, a variante inglesa tem uma maior rapidez na difusão e os hospitais estão a ter dificuldades para internar mais pessoas infetadas pela Covid, e sobretudo na terapia intensiva.
Face a essa situação, o governo decidiu tomar medidas mais restritivas. Assim, entrámos novamente no segundo block down, no dia 15 de Março, com um índice de 23.000 pessoas contagiadas nesse dia, 341 mortos que contribuíram para um total de mais de 100.000 pessoas que morreram desde o início da pandemia, inclusivo 80 enfermeiros e 340 médicos. Números catastróficos.
A categoria acima de 80 anos representa a maior percentagem de óbitos (60%) desde o início da epidemia. A pandemia está também sufocando a economia deste país. A Itália tem hoje cerca de 5 milhões de pessoas que vivem na extrema pobreza e com um número muito elevado de desempregadosà espera do fundo de desemprego que ultimamente tem chegado com muito atraso. Embora não tenhamos conhecimento do número de cabo-verdianos que se encontram nesta situação, sabemos que há compatriotas que perderam o emprego e que vivem uma situação difícil. O mais importante agora é esperar, como disse o governo italiano, que toda a população seja vacinada até o final do verão. Será a vacina a nossa salvação e também do mundo inteiro.
Esse artigo foi escrito afim de compartilhar com a populaçao italiana a profunda dor pela perda de mais de 100.000 filhos deste país, à causa de Covid. O dia 18 de Março foi proclamado “Giornata Nazionale in memoria delle vittime del Covid.” Una giornata triste e di speranza” como disse o Primeiro Ministro Mario Draghi.
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O artigo poderia terminar aqui, embora a entrevista ao epidemiologista seja muito útil para Cabo Verde neste momento.
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Vamos ver agora qual é a situação da campanha de vacinação?Segundo o Epidemiológico Dr. Piero Borgia, a situação é a seguinte:
Os primeiros a serem vacinados foram os profissionais da saúde. A vacinação está em curso para os idosos superior a 80 anos, a polícia e o corpo docente das escolas. Seguir-se-ão pacientes frágeis, aqueles com patologias de alto risco e ao mesmo tempo, com base na disponibilidade de vacinas, iniciar-se-ão vacinas para as várias faixas etárias: primeiro dos 70 aos 79 anos, depois dos 60 aos 69. Por fim, a vacinação começará para pessoas com menos de 60 anos. Os tempos não são previsíveis no momento, porém no verão grande parte da população estará vacinada.
Mas, pergunto eu: qual è a eficácia das vacinas, pois as pessoas não têm muita confiança. Segundo o Dr. Borgia, as vacinas são praticamente todas equivalentes e todas têm proteção absoluta contra doenças graves e morte. Ou seja, alguém como o AstraZeneca pode ser menos eficaz na proteção contra infecções, mas tão eficaz quanto os outros.
A variante inglesa do vírus é coberta por todas as vacinas. Para as outras variantes há alguma dúvida, temos dados por enquanto apenas na Johnson & Johnson que parece ser bastante protetora mesmo contra a variante brasileira. A vacina AstraZeneca é melhor que a Pfizer e a Moderna pela facilidade de manuseio e, portanto, pela possibilidade de ser devidamente armazenada.
As pessoas estão começando a não confiar sobretudo na vacina AstraZeneca, qual a sua opinião? A vacina AstraZeneca é eficaz. Eu faria de olhos fechados.
Os efeitos colaterais ou as últimas notícias de pessoas falecidas precisam de ser verificados. No momento não há certos elementos, no entanto, mesmo que houvesse uma conexão, esses são eventos muito raros. Se recusarmos a vacinação por isso, nunca devemos entrar no carro porque o risco de morrer de acidente é muito maior do que de morrer com a vacina. Na Inglaterra, 11 milhões de pessoas receberam AstraZeneca e ninguém morreu.
Qual é a taxa de sucesso e a duração das vacinas. Moderna e Pfizer têm 90 – 94% de sucesso na proteção contra infecções, Astra Zeneca 65 – 70%. Todos os três são 100% bem-sucedidos na prevenção de mortes ou doenças graves.
A Johnson & Johnson tem valores semelhantes e tem a vantagem de ser administrada em dose única, logo estará disponível também na Itália. A duração da proteção é desconhecida. Teremos que esperar e ver quanto tempo o nível de anticorpos permanece alto e, portanto, capaz de prevenir a doença.
Isso é tudo o que pode ser dito hoje. Devemos sempre lembrar que estamos diante de um fenómeno novo e, portanto, as coisas podem mudar com o tempo.