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A sangria de Augusto

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Por: Helena Ales Pereira

Dois dias depois do Dia Mundial da Terra, e um mês após o Dia das Florestas, assinalado a 21 de março, a homenagem que a Câmara Municipal de São Vicente faz é cortar mais duas árvores no centro da cidade.

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Sabemos que os partidos de direita têm alguma dificuldade em entender conceitos como propriedade pública (bens de uso comunitário), mas cuidar desses bens, como é obrigação das câmaras municipais, não significa que elas sejam suas donas e que podem decidir livremente sobre o destino dos mesmos. Qualquer decisão camarária deve ser comunicada em edital e, neste caso, o mesmo edital deveria ter sido afixado nas árvores a comunicar o momento do abate e a razão de tal decisão. Mas isso implica muito trabalho e sobretudo chatices. E ninguém quer isso, não é senhor presidente? Porque depois os cidadãos (“povo” talvez seja uma palavra muito forte para si) podem lembrar-se de se unir para defender as árvores, pode até apresentar uma previdência cautelar para impedir o abate e toda a gente sabe que uma população que exerce o seu direito ao contraditório pode trazer muita confusão. O ideal é que se mantenham quietos e calados.

O ideal, também, parece ser despojar a cidade da sua mancha verde porque afinal os interesses particulares são mais importantes do que o interesse geral e se uma árvore incomoda uma pessoa, o que é que interessa se, na realidade, ela serve toda uma cidade?

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E se o perigo é a possível queda de uma árvore, existem duas soluções diretas que a podem evitar: a primeira é evitar fazer podas descontroladas e por pessoal não especializado; o resultado está à vista: troncos que mal têm tempo para crescer em largura, a sustentar copas pesadas, uma vez que os ramos mais baixos são totalmente lapidados, sem respeitar o crescimento natural da árvore; a segunda é, e considerando o erro que já foi feito, criar alternativas de sustentação para as árvores, e para os ramos, permitindo que ela cresça naturalmente e se sustente a ela própria. 

Mas, para o senhor Augusto, é mais fácil seguir os exemplos do ex-presidente Trump ou do Bolsonaro e declarar guerra a esses seres que insistem em crescer dentro das cidades e lançar o caos, porque toda a gente sabe que as árvores não se mexem, mas gostam de provocar. Trazem passarinhos que depois largam os seus cocós nos passeios e as folhas provocam muitos espirros e ninguém quer estar, hoje, ao lado de alguém que espirra, sem saber muito bem qual a origem do mesmo. Covid times

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Talvez lhe tenha passado ao lado, senhor presidente, mas este é o momento em que se discute a vital importância de se criar e preservar as árvores, dentro e fora das cidades. Especialistas mundiais, organizações ambientais e até a Organização das Nações Unidas alertam constantemente para a necessidade de se criarem políticas e medidas que mudem o rosto das cidades em que vivemos. Uma vez que parece desconhecer as muitas vantagens de ter árvores numa cidade, apresento algumas:

– Sustentabilidade ambiental (talvez seja um conceito demasiado caro para si)
– Bem-estar das populações
– Amenizam temperaturas ambientes
– Aumentam a humidade no ar
– Dão sombra
– Contribuem para a biodiversidade
– Absorvem a água da chuva, impedindo inundações
– Bloqueiam a entrada de poeiras e poluição sonora dentro das casas
– Cumprem importante papel na filtragem da poluição, nomeadamente na retenção de carbono emitido pelos automóveis
– Emitem oxigénio para a atmosfera

PS. Entre 2015 e 1017, o Mindelo, juntamente com a cidade da Praia, Espargos e Porto Novo, foi uma das cidades contempladas pelo projecto “Apoio à floresta urbana e periurbana”, num acordo entre a FAO e o Governo de Cabo Verde, através do Ministério da Agricultura e Ambiente. As árvores plantadas ao abrigo desta parceria (quantas?), não podem servir de “desculpa” para esta contínua irresponsabilidade sobre a política ambiental da cidade.

Jornalista

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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