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A quantas anda o assédio moral em Cabo Verde?

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Nelson Faria

Na nossa realidade, apesar de pouco falada, é certamente um dos fatores de riscos psicossociais mais evidentes, falo, pois, do assédio moral. De forma velada ou explícita está presente em grande parte das nossas organizações, particularmente públicas, carecendo de ser dimensionada em pesquisas académicas e científicas sobre o assunto, e atuação assertiva das lideranças e colaboradores.

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O assédio moral, também conhecido como mobbing, é uma prática que consiste em expor um colaborador a situações humilhantes, constrangedoras, repetitivas, no ambiente laboral, o que fere a sua dignidade e integridade psicológica. Em Cabo Verde, onde a cultura organizacional e a governança política das instituições públicas ainda enfrentam desafios estruturais, o combate a esta violência silenciosa torna-se urgente.

Caracteriza-se, essencialmente, por comportamentos abusivos desde humilhações públicas, críticas constantes, exclusão deliberada ou sobrecarga de tarefas, praticados de forma sistemática por superiores hierárquicos ou colegas. Trata-se de uma dinâmica prolongada que visa desestabilizar a vítima, minando sua autoconfiança e saúde mental. No nosso país, onde relações hierárquicas rígidas e uma cultura de “respeito à autoridade”, “pedra cá ta djuga cu garrafa”, de “submissão” ainda persistem em algumas instituições públicas, práticas abusivas, como esta, muitas vezes tendem a ser naturalizadas ou ignoradas.

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Infelizmente, da minha observação, a dignidade humana, garantida pela Constituição da República de Cabo Verde, legislação laboral e por convenções internacionais, é corroída recorrentemente pelo assédio moral. A vítima passa a sentir-se desvalorizada, impotente e isolada, o que pode levar a quadros de ansiedade, depressão e até intenções suicidas. No nosso contexto sociocultural, onde o emprego público é visto como fonte de estabilidade e orgulho, a exposição a abusos no trabalho afeta a saúde individual, fragiliza laços familiares e comunitários, já que a vergonha e o medo de represálias muitas vezes silenciam as denúncias.

Por isso, não se pode ignorar as consequências que esse fator de risco constitui quer para a pessoa, para o ser humano, como também para a organização. Consequências pessoais ligadas à saúde mental, a quebra de produtividade, exclusão social assim como outras organizacionais como o clima organizacional tóxico, o aumento de custos com o absentismo e o “presenteísmo”, com prejuízos claros para a imagem e reputação das organizações.

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Muitas vítimas não denunciam por medo de retaliações, falta de canais seguros de denúncia ou descrença na justiça. Além disso, a centralização de poder em cargos políticos pode favorecer práticas autoritárias, onde ditos líderes, nomeados politicamente, usam sua influência para proteger agressores ou descredibilizar reclamações.

Este mal é uma violação dos direitos humanos que exige ação coletiva múltipla que passa por ação dos sindicatos, na formação e promoção de boas lideranças, políticas de responsabilização e de repostas céleres do sector da justiça, ter canais de denuncia que protegem a pessoa, auto-formaçação e auto-cuidados dos colaboradores.

Cabo Verde tem na coesão social e no desenvolvimento institucional pilares estratégicos importantes, daí que combater esta prática significa proteger pessoas, a dignidade humana, como, também, fortalecer a credibilidade do Estado. A mudança depende de uma governança política comprometida com a transparência e o engajamento de toda a sociedade na defesa da dignidade do trabalho e das pessoas.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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