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Opinião

A nova era da aviação (des)humana – Voar era um luxo, hoje é quase um direito, mas a que custo?

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Durante muito tempo, viajar de avião era sinónimo de status, exclusividade e requinte. A expressão jet set simbolizava esse universo de elite, em que os céus pertenciam aos poucos que podiam pagar. Tudo mudou quando os motores se tornaram mais eficientes, os aviões maiores, como o emblemático Boeing 747, e as companhias começaram a explorar o potencial da massificação. A aviação comercial transformou-se profundamente, dando lugar ao fenómeno low cost que hoje domina os céus do mundo.

Christian Lopes

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Por 30 ou 40 euros, é possível ir de Lisboa a Paris, de Madrid a Roma, de Amsterdão a Praga. Parece um milagre. Mas não é. É o resultado de uma equação de corte de custos em todas as frentes – da manutenção à gestão da tripulação, do conforto à alimentação a bordo. O consumidor, ávido por viajar mais e pagar menos, foi corresponsável por esta realidade. Aceita menos conforto, menos espaço, menos serviços, em troca de mais acessibilidade. E as companhias ajustaram-se com rigor quase matemático a essa nova lógica de mercado.

Menos pilotos, mais máquinas

Nos anos 60, eram cinco os profissionais no cockpit: comandante, co-piloto, navegador, mecânico de voo e radiotelegrafista. Hoje, apenas dois permanecem. Amanhã, talvez apenas um. E num futuro próximo, possivelmente nenhum.

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A revolução tecnológica e a automação avançaram de tal forma que a ideia de um cockpit com apenas um piloto (ou mesmo nenhum) já não é ficção científica. A indústria pressiona nesse sentido, alegando razões de custo, segurança e eficiência. Afinal, pilotos humanos cansam-se, cometem erros, exigem formação contínua e são caros. A inteligência artificial, por outro lado, é incansável, precisa apenas de atualização, e, pelo menos na teoria, não falha.

No entanto, a equação não é puramente técnica. É psicológica, cultural e geracional. Os jovens que cresceram com computadores, algoritmos e carros autónomos talvez aceitem a ideia de voar sem piloto. Mas há ainda uma grande parte da população para quem esse cenário é, no mínimo, inquietante.

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Viajar em pé? O limite do low cost  

A busca incessante por bilhetes baratos já inspirou ideias quase impensáveis, como a de permitir viagens em pé. Estudos estruturais mostram que, para voos curtos, isso é viável. E mais surpreendente foi a resposta do público: “se o preço cair, aceitamos”.

Esta predisposição ilustra bem o ponto a que chegámos. O transporte aéreo deixou de ser um luxo ou mesmo uma comodidade. Tornou-se um serviço essencial, uma ponte para o mundo mesmo que às custas do conforto mínimo. E aqui, o paradoxo é evidente: democratizou-se o acesso, mas precarizou-se a experiência.

Uma indústria de lâminas finas

Hoje, poucas indústrias operam com margens tão apertadas quanto a aviação comercial. Os custos operacionais são elevadíssimos, a concorrência é brutal, e qualquer erro de gestão pode ser fatal. Daí a tendência global para fusões, aquisições e consolidações. Companhias unem-se para ganhar escala, reduzir redundâncias e resistir à pressão do mercado.

Neste contexto, torna-se praticamente impossível para companhias estatais sobreviverem sem pesados subsídios públicos, e mesmo esses, muitas vezes, apenas adiam o inevitável. É por isso que a maioria das grandes companhias de bandeira da Europa foram privatizadas ou integradas em grupos multinacionais. A British Airways, a Lufthansa, a Air France, a Iberia, todas hoje operam com lógicas de mercado e racionalidade económica.

Reflexão final: O futuro é nosso… se o soubermos navegar

O futuro da aviação está a ser desenhado neste exato momento. Não apenas nas fábricas da Boeing ou da Airbus, mas também nas decisões dos consumidores, nas regulações dos governos e nos algoritmos das big techs.

Cabe-nos a nós, enquanto cidadãos, viajantes e decisores, pensar criticamente sobre este caminho. Queremos voar mais barato, mas a que custo? Aceitamos abdicar de conforto, de segurança, de humanidade no cockpit? Estamos prontos para confiar plenamente em sistemas automatizados? E, sobretudo, estamos atentos ao que se está a perder neste processo?

Porque voar, afinal, nunca foi só sobre o destino. Sempre foi, também, sobre a forma de lá chegar.”

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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