Américo Medina*
Esta semana, o Primeiro-ministro de Cabo Verde resolveu vestir-se de estratega da aviação civil e proclamar, com entusiasmo digno de palanque, que o alargamento das operações da EasyJet no país é fruto da “ação proativa do Governo”. Disse o seguinte, sem rubor: “Depois do Sal, a EasyJet vai voar para a Praia, S. Vicente e Boavista. É o resultado da ação proativa do Governo para atrair a companhia de low cost, com impacto sobre o aumento de conectividades, o turismo e os cabo-verdianos em geral, no país e na diáspora. Operam ainda, em Cabo Verde, as companhias de low cost Transavia e Vueling.”
Esta afirmação é, ao mesmo tempo, politicamente oportunista, tecnicamente infundada e diplomaticamente embaraçosa. Vejamos, pois, como funcionam as LCCs (para os políticos em campanha):
As companhias aéreas low-cost (LCCs) não escolhem os seus destinos com base em notas verbais diplomáticas nem em palmadinhas nas costas de ministros em missão europeia. Escolhem-nos com base em:
- Modelos de dados altamente refinados, que cruzam turismo, sazonalidade, procura etnográfica, concorrência e margens operacionais por slot;
- Custo operacional por escala, incluindo taxas aeroportuárias, combustível, turnaround e incentivos logísticos;
- Capacidade de gerar receita complementar (ancillary revenues), com passageiros que, regra geral, voam “apenas com bagagem de mão”;
Dados históricos de procura, que indicam tráfego subaproveitado ou rotas subservidas por companhias legacy, como são os casos da TAP&TACV!
Ou seja, as LCCs estão-se nas tintas para declarações políticas, voando para onde faz sentido económico e, em geral, evitam territórios onde o excesso de burocracia, a captura institucional dos reguladores e governos com tendência para manipular empresas públicas constituem risco reputacional e financeiro.
EasyJet aterrou… apesar do governo
O que o Primeiro-ministro se esquece de explicar é como é que, sob o seu governo, a TACV está reduzida a dois destinos internacionais, sem qualquer ambição africana ou integração regional; o país ainda não dispõe de um modelo funcional de transportes interilhas, penalizando gravemente a mobilidade interna; A AAC, entidade reguladora, tem sido alvo de captura institucional, comprometendo a credibilidade do ambiente regulatório; as rotas internacionais rentáveis estão a ser exploradas quase exclusivamente por companhias estrangeiras, enquanto a empresa nacional continua a viver de subvenções e leasings opacos!
Ora, se EasyJet (tal como Transavia ou Vueling) decidiu crescer em Cabo Verde, isso deve-se à procura latente de tráfego europeu para destinos turísticos mal servidos e à estabilidade dos aeroportos internacionais herdados da ASA pela VINCI – não à atuação deste governo!
Mas então…, por que não vieram antes?
A anterior administração da ASA, o Dr Zeca Duarte, o ex-PM e a a ex-MHOT ficaram a saber que as companhias low-cost não vêm ao ritmo das vontades políticas, mas sim quando os seus modelos de rentabilidade e expansão justificam a aposta. EasyJet, Transavia e Vueling não operam com base em simpatia institucional, voam quando há:
- Procura sólida e previsível (turismo, tráfego étnico, negócios);
- Infraestruturas eficientes e custo-efetivas, como aeroportos preparados e turnaround rápido;
- Ambiente regulatório estável, sem interferência política!
Não vieram antes porque, dentre outros aspectos, o mercado não era ainda suficientemente maduro; as previsões de tráfego relacionadas com a demanda turística estavam ainda por consolidar; os incentivos “logísticos” não eram competitivos e sim(!) porque havia incertezas sobre o papel do Estado na sua relação com a TACV, que detinha o monopólio da assistência dos serviços em escala, sendo que o comportamento da mesma afastara potenciais parceiros ou concorrentes por má gestão e opacidade contratual e baixo nível de serviço induzido em escala.
Portanto, vieram agora porque o mercado “falou”, não porque o governo pediu!
E a TACV, Sr. Primeiro-ministro?
Enquanto se celebra a “proeza” de atrair uma LCC – que entrou sozinha, como faz em todo o mundo -, vale perguntar: o que fez o Governo para tirar a TACV do buraco em que o Sr PM a empurrou? Quantos novos destinos africanos foram abertos(?) – zero; Qual a quota de mercado atual da TACV no tráfego turístico europeu(?): irrelevante! Quantas aeronaves operacionais com autonomia para rotas longas(?): duas, não 11; Qual o plano de médio prazo para competir com as LCCs(?): nenhum! Qual a taxa de ocupação média ou o yield management reportado ao público(?): nenhum dado disponível!
Mais, enquanto a EasyJet conecta Cabo Verde com o mundo, a TACV continua incapaz de conectar sequer as ilhas entre si de forma estável, deixando as famílias cabo-verdianas e as economias locais à mercê do acaso.
Política de palco, Gestão de bastidores
Celebrar a chegada de voos da EasyJet como se fosse um feito deste governo é como um autarca cortar a fita de um supermercado privado que abriu porque estudou a zona e viu lucro – Um governo sério, Sr. PM, teria sim:
- Apoiado a reestruturação séria da TACV, com base em viabilidade económica, e não em favores a cabos eleitorais e narrativas eleitoralistas;
- Desenhado um verdadeiro modelo PSO (Obrigações de Serviço Público) para garantir voos interilhas a preços justos;
- Reformado o setor regulatório, em vez de o “colonizar”;
- Aproveitado os acordos bilaterais de céus abertos, incluindo os com países africanos e europeus, para impulsionar ligações regionais e internacionais com a TACV!
Concluindo, Sr PM, a EasyJet não veio por causa do seu Governo, veio sim… – apesar dele – porque os algoritmos da aviação comercial são mais racionais que os discursos de campanha e porque o turismo europeu é menos influenciável por comunicados de imprensa do que pela conveniência de um voo direto e barato para um destino ensolarado!
Em vez de tentar capitalizar o que não controla, o Governo faria melhor se começasse a controlar o que está sob sua responsabilidade: salvar a TACV da irrelevância e devolver à aviação nacional o protagonismo que ela perdeu sob esta governação!
*Consultor em Aerospace