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Opinião

A crise das dívidas…

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Tendo em conta o momento que vivemos, e sem querer entrar na discussão da dívida Vs aumento de impostos que se assiste, sendo que um compromete o presente já penoso e o outro o futuro próximo doloroso, como forma de tentar ajudar a entender o que é a dívida dado que ela não se resume apenas a dívida publica, estando muitas famílias e empresas em situação de endividamento, tentarei explicar, em linguagem simples, muito simples, o que é e o que está a em causa com o seu avolumar com analogia as finanças pessoais.

Imaginemos que o Estado e as empresas somos nós e a nossa vida pessoal onde, tal como o Estado tem a missão de garantir os pilares essenciais da nossa vida em sociedade, as empresas de produzirem bens e serviços, temos a missão de financiar as nossas despesas com necessidades essenciais: habitação, alimentação, vestuário, energia, entre outros.

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Imaginemos que dispomos de um rendimento fixo que possibilite garantir as nossas necessidades básicas de habitação, por meio de arrendamento, de alimentação, com ou sem luxos, de vestuário e algum lazer. De forma análoga o Estado garante saúde, educação, segurança, infraestruturas básicas, etc, as empresas os salários, os demais custos dos fatores de produção. Imaginemos que esse rendimento serve e satisfaz as despesas e não necessitamos de endividamento. Aqui, tudo tranquilo. Temos as finanças pessoais, empresariais e do Estado equilibradas, sem endividamento. Com racionalidade no uso dos recursos, boa definição das necessidades e prioridades os nossos recursos podem assegurar as despesas e, se calhar, gerar um superavit para o “lazer”.

Entretanto se decidimos que já não queremos viver de arrendamento e queremos adquirir /construir casa própria, porém não dispomos de recursos considerando que o preço da habitação está acima das nossas possibilidades reais. Ou mesmo se decidimos que queremos ter uma fonte extraordinária de renda investindo em empreendimento pessoal? O que fazer a seguir? Naturalmente, procuramos financiamento, normalmente bancário, para a aquisição / construção da casa ou iniciar o negócio. Logo, temos uma dívida orientada para uma grande infraestrutura, ou outros rendimentos, que no final possibilitarão ter um património, que podemos rentabilizar e ter alguma folga orçamental futura garantida. Assim é também com o Estado quando se endivida para infraestruturas ou eventos que possibilitem retorno real para as finanças públicas. Esta dívida, se em taxas de juro que permitem paga-las sem comprometer as necessidades básicas, é aceitável até o limite que também não põe em causa a liquidez para o essencial, as despesas fixas fundamentais. Geralmente, dívidas desta natureza tem taxas de juro mais baixas e são de acompanhamento rigoroso do financiador, também para garantir que o dinheiro é aplicado para o que foi pedido. O que é salutar.

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Imaginemos agora um cenário em que, além de adquirir / construir uma casa, procuramos o Banco, ou outro financiador, para um financiamento de lazer, de consumo. Imaginemos, por exemplo, passar férias no exterior. É uma dívida para consumo, a taxas de juro mais elevadas, cujo retorno está apenas no prazer pessoal, circunstancial, mas com o futuro das despesas básicas comprometidas caso as minhas fontes de rendimento não aumentarem. Não seria de todo recomendável esta opção na medida em que os nossos rendimentos e liquidez atual já estão condicionados com o empréstimo para a construção de habitação.

A questão é: com estes dois empréstimos e a necessidade de cumprir com o serviço da dívida o que me sobra para despesas correntes, essenciais? E se os rendimentos disponíveis estiverem abaixo das despesas essenciais fixas o que devo fazer para, ao menos, garantir a satisfação dessa necessidade? Mais endividamento? Redução de despesas fixas? Renegociação da dívida? Aumento de receitas? Cada um saberá responder mediante avaliação da sua circunstância. Para piorar, imaginemos que, por força das consequências económicas do COVID 19, ficamos em lay-off ou perdemos emprego… Como arcar com as despesas? Novas fontes de rendimentos ou recursos serão necessárias certamente, mas, obtê-los a partir do endividamento continua a ser a melhor opção? Criar um ciclo vicioso de dívida ad eternum, sem limites, seria o caminho? Inconsequente não será certamente.

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O financiador irá cobrar e termos de pagar de alguma forma. Pois, é assim nas famílias, nas empresas e no Estado, cada um com a sua especificidade e ressalva. Certo é que as dívidas, existindo, devem ser pagas considerando estarem envolvidas pessoas de bem que contratualizaram um serviço onde todos se comprometem a cumprir com a sua palavra e, provavelmente, um contrato assinado, a não ser que o financiador abdique da sua prorrogativa de receber o que lhe é devido. Estando um satisfeito no seu pedido, deve cumprir igualmente com a responsabilidade assumida perante o outro. Básico da relação contratual.  A dívida, naturalmente, condiciona os rendimentos disponíveis, as ações atuais, e, sobretudo, o futuro. As dívidas são contraídas mediante contextos, necessidades e perspetivas, entretanto, devem ter um propósito além de meramente de consumo, suportáveis, que não hipotequem o futuro. Deve haver lucidez e sensatez na escolha do caminho do endividamento seja na vertente pessoal, empresarial ou do Estado.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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