O arquitecto António “Patcha” Duarte anunciou ontem à noite que vai abandonar o Carnaval de São Vicente e, por consequência a direcção do Monte Sossego, por diversos motivos, entre os quais decisões “erradas” tomadas pela Liga e a Câmara de São Vicente. Em declarações à imprensa após a consagração do Montsu como campeão do concurso oficial, Patcha assegurou que uma outra direcção vai continuar o trabalho desenvolvido pela sua equipa nos últimos anos porque já não tem condições pessoais para conviver com “certas decisões” tanto da Ligoc como da edilidade mindelense.
O ainda presidente do grémio da “terra d’índio” não especificou os casos, mas é conhecida a sua posição sobre o arqui-rival Vindos do Oriente, que, a seu ver, deveria ser remetido para a segunda divisão por ter negado desfilar no ano passado. Depois que foi anunciada a decisão de os “orientais” competirem no concurso deste ano, defendeu que o grupo deveria, então, ser o primeiro dos cinco grémios a entrar na Rua de Lisboa, seguido do Flores do Mindelo, enquanto último lugar da classificação de 2019. A proposta foi chumbada e realizada o sorteio geral numa cerimónia promovida pela Liga, mas marcada pela ausência do Monte Sossego.
“Se as pessoas repararem, nunca falo na minha pessoa porque o mais importante é o grupo. Mas estou agastado com muita coisa, pelo que decidi prescindir do cargo de presidente do Monte Sossego. Vou cessar as minhas funções e faremos uma assembleia-geral para apresentar as contas. É o que posso avançar neste preciso momento”, salienta Patcha, enfatizando, em conversa com o Mindelinsite, que precisa passar a dar mais atenção a outras coisas, nomeadamente à família.
Com água nos olhos, o presidente do Montsu realçou que o motivo da sua tristeza advém do facto de terem mantido uma postura de coerência de discurso e postura e entretanto terem sido cruxificados por causa disso nestes últimos tempos. “Só as pessoas que estiveram bem perto – em particular os meus familiares – sabem o quanto foi difícil fazer este Carnaval”, salienta. Questionado sobre o sabor desta vitória, num concurso em que teve como principais concorrentes o Cruzeiros do Norte – campeão em título – e Vindos do Oriente, o presidente do Montsu realçou que toda a vitória tem a sua importância, mas que é óbvio que a conquista do título aconteceu num contexto diferente do desfile de 2019.
Apesar de se mostrar desgastado com a direcção da Ligoc, Patcha assegura que concorda com tudo o que vem da Liga. “Apostamos fortemente na criação da Liga, mas precisamos de uma Liga com postura firme e capacidade de decisão. Não será assim que vai se afirmar enquanto instituição do nosso Carnaval.”
Se concretizar a sua “ameaça”, Patcha deixa o Carnaval pela porta da frente. Isto tendo em conta o seu percurso e papel no grupo de Monte Sossego e no próprio Carnaval de São Vicente, mas também porque leva na mala o título. Se no ano passado viu Cruzeiros do Norte meteu debaixo do braço quase tudo o que estava em jogo, agora a estória é outra inversamente diferente: Monte Sossego conquistou nada menos que sete prémios: Rei, Rainha, 1ª e 2ª Damas, Música, Porta-bandeira e Mestre-sala, sem contar com o título principal. Foi suplantado pelo Vindos do Oriente no quesito carro alegórico, enquanto o Cruzeiros do Norte reconquistou a coroa da Rainha de Bateria e ficou ainda com o prémio da Batucada com base num sorteio. E, por coincidência, o “cavalinho” vencedor foi escolhido por Andrea “Pota” Gomes, rainha da bateria do Cruzeiros, devido a um empate com as baterias do Vindos do Oriente e Monte Sossego.
Segundo lugar com sabor a vitória para Cruzeiros do Norte
Uma das grandes surpresas do Carnaval foi a classificação do Vindos do Oriente no terceiro lugar, apesar da qualidade do trabalho levado para o asfalto. A novidade caiu como uma bomba para os adeptos do grupo, mas foi particularmente festejada por foliões afectos ao Monte Sossego e Cruzeiros do Norte em frente ao Palácio do Povo. Como reconhece Jailson Juff, ficar à frente do VO e ser vice-campeão equivale a um título. “Este segundo lugar caiu-nos como uma autêntica vitória. Ficamos mais felizes porque o grupo que nos criou mais problemas, que contratou o nosso artista e carnavalesco por força do seu dinheiro, não alcançou o seu objectivo. Sinto neste momento como se tivéssemos ganho o Carnaval”, confessa o presidente do Cruzeiros do Norte, grupo vice-campeão e que estava a lutar pela revalidação do título.
O Vindos do Oriente, que levou um espectáculo de alta qualidade e foi visto como potencial vencedor do concurso, evitou comentar a classificação. Abordado telefonicamente por este jornal, a presidenteLily Freitas mostrou-se tranquila.
O grupo publicou, no entanto, uma mensagem na sua página no Facebook contestando a forma de escrutínio do concurso ainda antes de ser anunciado o vencedor. Na nota, o VO afirma que, já no último ano em que venceu, os jurados mais conscientes tiveram de dar “socos na mesa” para que não fosse dada “volta” aos resultados. “Este ano resolveram fazer deste modo – abertura das urnas publicamente – para garantirem que os seus jurados escolhidos a dedo não tenham que justificar os valores atribuídos”, frisa a mensagem, realçando aidna que a formação de dois dias dada aos jurados foi ministrada pelo delegado do grupo Monte Sossego.
Estrela do Mar, que se posicionou como sério candidato ao título, quedou-se este ano pela quarta posição. Confrontado com essa classificação, o presidente do EdM lembra que o grupo começou a trabalhar relativamente tarde, em comparação com os adversários, devido a eleição da direcção no mês de Setembro, e enfatizou que precisava espicaçar os seus colaboradores. “Tínhamos de acreditar que tudo é possível e que temos capacidade para ganharmos o desfile”, diz Nando, que responde com um “nim” se concorda ou discorda da posição do Estrela no concurso.
Quem ficou irritada e indignada com a classificação é a presidente do grupo Flores do Mindelo. Abordada por Mindelinsite, dona Ana evitou falar com o jornalista. “Se falar agora vou dizer muitas coisas, por isso procure conversar com outro membro da nossa direcção”, recomendou, enquanto andava de um lado para o outro com o semblante carregado.
Coube a Edson Delgado, vice-presidente do FM, exprimir o que ia na alma do grupo. Segundo Delgado, é evidente que Flores do Mindelo tem motivos para estar insatisfeito com o quinto lugar. “Temos muitas críticas a fazer, mas não vale de nada reclamar porque as coisas vão continuar iguais”, considera Delgado, para quem o grupo foi injustiçado este ano. No entanto, diz, parece claro que os jurados já se habituaram com o Flores do Mindelo na última posição.
Pota revalida coroa de Rainha da Bateria
A passista Andrea “Pota” Gomes manteve a coroa de Rainha da Bateria, num concurso em que tinha como principal adversária Daylene, do Monte Sossego. Pota, como é conhecida, confessa que não é por natureza uma pessoa confiante, pelo que só respirou de alívio quando anunciaram o seu nome. “Este ano foi mais fácil porque recebi muita energia positiva do público”, diz a jovem, que usou também a sua experiência para reconquistar o título. Pota garante que vai continuar disponível para representar o Cruzeiros do Norte porque, diz, não sabe viver sem estar à frente de uma batucada.
Ex-campeã como Porta-bandeira, Alcione Cruz ficou radiante com a sua mais nova conquista. Para ela, cada vitória tem o seu sabor, por isso ser eleita Rainha do Carnaval é um prémio que merece o seu lugar. “É uma sensação de dever cumprido, ainda mais depois de tanta canseira.”
Fredy Sousa, o escolhido Rei, também manifestou essa mesma sensação. No entanto, ele atribui essa “sorte” aos amigos em Luxemburgo que o incentivaram a sair como figura da realeza do Monte Sossego. Por isso dedica o título a eles e à dona Bela, a costureira.
A dupla Ridson e Katia, do Montsu, são o novo casal Mestre-Sala e Porta-bandeira. Ambos confessam que treinaram bastante em separado e com o grupo, pelo que se sentem honrados com os respectivos prémios e pelo facto do Monte Sossego ser o novo campeão do Carnaval de São Vicente.
Kim-Zé Brito