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Aumento dos combustíveis e da importação já reflecte no bolso dos consumidores e na tesouraria das empresas

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Os sucessivos aumentos dos preços dos combustíveis e também dos custos da importação começam a ter efeito no bolso dos consumidores e na tesouraria das empresas. O Mindelinsite foi confirmar esta situação junto de empresas do sector industrial, hoteleiro, de consultoria, mas também dos cidadãos comuns.  E a situação poderá agravar-se com a subida do IVA de 15 para 17%, caso o Governo não conseguir negociar a moratória da dívida externa.

O sócio-gerente da Sociave, João Santos, confirma os aumentos e cita como exemplo os novos custos da importação dos contentores do exterior que, afirma, foram brutais, mas também dos cereais e agora da electricidade, cujo reajuste é superior a 30 por cento. “Houve um aumento exponencial dos preços dos contentores a nível internacional, que faltam no mercado. Não há contentores vazios. Por causa do teletrabalho tudo parou e hoje há filas enormes de porta-contentores nos Estamos Unidos. Isso inflacionou os preços, que duplicaram e até triplicaram nalguns casos.”

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Segundo este gestor, antes pagavam 100 contos pelo transporte de um contentor de Portugal para Cabo Verde e agora aumentou para 200 contos. Relativamente à carga aérea, as empresas pagavam 1,7 euros por quilo, agora custa 6,6 euros. “É um aumento brutal. Pagava-se 200 euros por Soja e agora 400, o saco do milho aumentou de 1.300 para 2.000 escudos. Neste momento o Governo está a subsidiar cada saco em 400 escudos, mas não até quando vai manter este subsídio?!”, questiona Santos, para quem as perspectivas para o sector empresarial não são nada animadoras.

2021 vai ser mais complicado do que 2020. Felizmente, vamos ter a retoma do turismo. Ontem mesmo tive uma reunião com um operador que me informou que, a partir de 01 de novembro, a procura pelo destino Cabo Verde vai disparar porque já estão com reservas importantes, o que poderá compensar um pouco a nível do emprego e para o próprio país”, pontua.

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O empresário está também atento a um possível aumento do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA), caso o Governo não conseguir protelar as moratórias para o pagamento da dívida externa. Para Santos não seria de bom tom isso acontecer neste momento, mas lembra que em outras situações se alterou o IVA, caso por exemplo da última erupção do Vulcão do Fogo em que subiu 1%, mas depois desceu. Sobre este particular, este empresário critica o Governo que, afirma, peca por não dar explicações ao país. “Há um aumento generalizado de preços dos produtos no comércio internacional. Por exemplo, se solicitarmos uma pró-forma hoje, na próxima semana vem com aumento. E isso em todos os produtos. Não há contentores para o transporte, não há mão-de-obra, não há barcos. Os problemas continuam por causa da Covid-19 e do teletrabalho e, infelizmente, Cabo Verde importa grande parte do que consome”, elucida.

Por enquanto, afirma, a Sociave ainda não actualizou os preços dos seus produtos, o que inevitavelmente deverá acontecer por conta do aumento dos custos. A nível da electricidade, por exemplo, segundo Santos, a factura da empresa andava à volta dos 900 contos mensais. Com a instalação de painéis solares reduziu para 400, mas agora com o aumento de 37% vai disparar. Caso se aumentar também o IVA, a empresa não poderá encaixar os custos.

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Sector turístico em standby

Com uma actividade ainda incipiente – a retoma propriamente dita deverá iniciar a 01 de novembro – , o sector hoteleiro ainda se prepara para os referidos aumentos. É o que diz o operador Alexandre Novais, lembrando que, a nível da electricidade, a factura só vai chegar no final do mês. “Penso que, no sector hoteleiro, os aumentos serão sobretudo nos custos da electricidade e do IVA, caso a proposta de aumento de 15 para 17% for aprovada. Quanto à electricidade, estamos expetantes porque houve um anúncio da Agência Reguladora Multisectorial e um outro do Governo com medidas para equilibrar as contas. A oposição alega que estas medidas são insuficientes, mas eu prefiro esperar para ver. Só quando tiver a factura nas mãos é que saberei efectivamente como vai ser o impacto deste aumento.”

Expectante está também o consultor e economista Paulino Dias, que admite ainda não ter mastigado a questão do aumento dos preços dos combustíveis, da electricidade e da importação. Também diz não saber exactamente o que diz o Orçamento do Estado 2022 no que tange ao IVA. “Sobre os aumentos que já vigoram, no nosso sector ainda não começamos a sentir os efeitos de forma directa porque o nosso principal factor de produção é a mão-de-obra. Mas já estamos a incorporar o custo dos transportes na elaboração dos nossos projectos. A nível internacional, estão muito claros os aumentos, pelo que já estamos a incorporar estes custos nas viagens para o exterior.”

Consumidores já sentem aumentos

Para o cidadão Nelson Faria, querendo ou não, todos os consumidores já estão a sentir os efeitos dos aumentos dos combustíveis e também dos produtos importados. Estes aumentos, diz, são consequência de factores externos, que não podem ser controlados, mas também do preço dos combustíveis, que é composto por um conjunto de taxas e impostos. “Mas esta é uma questão que pode ser revista ou reajustada pelo Governo. Mas entendo o seu lado. No contexto de pandemia, em que há menos acesso aos impostos, no caso dos combustíveis é mais fácil de fazer a arrecadação. Já relativamente à electricidade e água, vamos sentir o impacto agora no final de outubro.”

Para este activista, a implicação destes aumentos na cadeia produtiva e no rendimento das pessoas será muito forte, e vai provocar um aumento generalizado dos serviços. “Sem a devida reposição do poder de compra por parte dos empregadores, quem vai sofrer são as famílias e os consumidores em geral. Já estamos a comprar os produtos mais caros porque, a nível da importação, não há tanta abundância como em outros tempos. É a lei do mercado: falta produtos, aumenta-se os preços. É por isso que estamos a ter ruptura de arroz, açúcar, óleo e outros produtos”, exemplifica.

E a situação poderá agravar-se com o aumento dos transportes, consequência dos combustíveis, da importação, da energia e água e, em último caso, do IVA. “Este será mais um acréscimo que iremos sentir com a aprovação do OE 2022. Sem reposição do poder de compra, poderemos ter situações gritantes que poderão levar a uma catástrofe alimentar por falta de produtos de primeira necessidade. Isto porque estes aumentos vão ter consequência no emprego, que não será abundante. As poucas empresas que ainda estão a empregar vão recuar. Não vão conseguir contratar mais.”

Com menos funcionários, estas empresas vão perder capacidade produtiva, diz Nelson Faria, lembrando que, no próximo ano, as moratórias dos empréstimos vão terminar e estas vão ter de liquidar as dívidas. Igualmente haverá um outro tipo de actuação dos serviços de cobrança de impostos, taxas e contribuições. Por tudo isso, diz, não se vislumbra um futuro promissor, caso não houver uma visão de investimento e de acesso a algum recurso.

Confrontado com as previsões de crescimento económica na ordem dos 4%, este limita-se a dizer que afecta de diferentes formas os diversos actores, realçando que será um crescimento atrelado ao turismo. Por isso mesmo não irá beneficiar todas as ilhas e será pouco visível para o consumidor geral.

O Mindelinsite tentou ouvir a Câmara do Comércio de Barlavento, enquanto representante da classe empresarial, mas o seu presidente se mostrou indisponível para prestar qualquer informação. Já a Associação para Defesa do Consumidor prometeu analisar o assunto, mas até a publicação da reportagem não deu qualquer feedback.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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