
O músico Vasco Martins faleceu esta madrugada no Hospital Dr. Baptista de Sousa vítima de doença prolongada. Este compositor, conhecido pela maestria como dominava o piano, sintetizador e violão, foi levado de urgência na segunda-feira, com um quadro bastante debilitado e acabou por falecer cinco dias depois.
Vasco, como era tratado, chegou a ser evacuado para Portugal, mas, conforme apurou este online junto do amigo Carlos Soulé, regressou no dia 12 de novembro para a cidade do Mindelo, urbe onde fez uma série de composições, algumas interpretadas por grandes orquestras internacionais. Além disso, fez parte do núcleo artístico que lançou o festival Baía das Gatas, em 1984.
Boa parte das suas obras nasceram quando passou a viver na Ribeira d’Calhau quase como um eremita, estilo de vida que lhe permitia estar mais conectado com a natureza. “Vasco gostava de estar no seu mundo, em contacto com as montanhas, céu e mar. Extraia inspiração desses momentos de plenitude, quando sentava-se à beira-mar em processos meditativos. Enfim, ele era um artista ímpar na senda da música cabo-verdiana. Será muito difícil virmos a ter outro músico com o seu talento”, considera Soulé, que conheceu Vasco Martins quando ainda eram miúdos. Recorda que ele, Vasco e Pinúria começaram a aprender a tocar violão por volta dos 16 anos, pelas mãos do guitarrista Tolass.
E logo cedo, diz, Vasco começou a revelar o seu talento. Tanto assim que, revela Carlos Soulé, esse artista costumava receber convites de Aristides Pereira, Presidente da 1. República, para tocar no piano do salão presidencial quando recebia convidados especiais. “Eu e o Vasco voltamos a reencontrar-nos, digamos assim, no ano passado, quando deu o seu último concerto no Arco da Baía das Gatas. Fui dar-lhe os parabéns e acabamos por recordar os velhos tempos. A partir desse momento ficamos ainda mais ligados”, revela Carlos Soulé, que chegou a visitar o amigo em Portugal por duas vezes. Eles que se mantiveram próximos em S. Vicente até ao último momento.
Músico versátil autor de obras singulares

Artista com estilo e formação musical ímpares no universo musical cabo-verdiano, Vasco Martins, 69 anos, nasceu em Queluz (Portugal) e residia em Calhau, Cabo Verde. O compositor, que nega rótulos, era considerado um músico clássico devido as suas incursões em música para orquestra sinfónica, mas pode ser também visto como músico ‘new age’ por conta das composições de caráter instrumental, sobretudo utilizando sintetizadores. Em todas as suas composições inspirava-se na música tradicional cabo-verdiana.
Autodidata, Vasco Martins começou os seus estudos em 1974. Ingressou o grupo musical Colá, em 1976, com Tolass, Tei Santos, Pomba e Dani, mas segue para Portugal e depois para França para prosseguir a sua formação musical com uma bolsa de estudos do Governo, depois de ter impressionado o Presidente da República Aristides Pereira com a sua virtuosidade musical.
Em 1979 grava o seu primeiro disco LP. De regresso a Cabo Verde, funda, com outros músicos, o grupo musical Gota d’Agua e é aí que cria a maior parte da sua obra como compositor e instrumentista, mas também como musicólogo e produtor. Era um dos raros músicos nacionais cuja principal ocupação profissional era a música. Foi casado com Margarida Martins, também artista, e pai do talentoso guitarrista Vamar Martins, que tem seguido também a sua carreira musical.
A sua vasta discografia é composta por cerca de 30 títulos, dos quais nove foram editados entre 2000 e 2020: Apeiron (2000), Dôs (2001), Lunário Perpétuo (2001), 4 Sinfonias (2007), Lua Água Clara (2009), Li Sin (2010), Azuris (2012) e Twelve Moons (2014) e Mar (2020). Antes destes, foram editados Vibrações (1979), Para além da Noite (1985), Oceano Imenso (1987), Quinto Mundo (1989), Quiet Moments (1995), Ritual Periférico (1995), Eternal Cycle (1995), Island of the Secret Sounds (1996), Sublime Delight (1997), Memórias Atlânticas (1997) e Danças de Câncer (1998).
Sobre “Mar”, com Masterização de Jorge Nunes e Direcção Artística do vídeoclipe de Pedro Brito, o falecido músico explicou que foi inspirado no mar de Cabo Verde. Foi simbolicamente lançado em março de 2020 junto à Praia Grande. Já “Epicenter”, formado por dez temas musicais, é o pequeno círculo que o nosso corpo ocupa neste planeta. Fazem parte do álbum temas como “Tchuva mansa”, “Beauty of the Pleiades”, “Everything is energy”, “Desire for absolute”, “Ilha é ilha”, “Solstice lights”, “Outer mandala”, “Ascending route” e “Ess vale”.
O seu mais recente trabalho é “Traveling with the clouds” (viajando com as nuvens). Conforme escreveu o maestro/compositor escreveu por altura do seu lançamento em 2023, o álbum é inspirado na viagem transcendente das nuvens que atravessam as ilhas, sobretudo na direcção Nordeste/Sudoeste. “Em Cabo Verde, conforme a época do ano, passam os principais 10 tipos de nuvens como cúmulos, cirrus, alto-cumulus, stratus, etc. Na verdade, Cabo Verde é o arquipélago das nuvens constantes devido aos efeitos consequentes do Oceano Atlântico e do deserto do Sahara e das grandes depressões tropicais do continente africano. Mas são as nuvens do tipo estratocúmulos que estão mais presentes”, indicava.
O álbum composto por dez temas foi gravado no atelier de música de Vasco Martins na Ribeira do Calhau, em abril de 2022, e “tenta traduzir a impressão meditativa que as nuvens facultam, como a estética de beleza e espiritualidade”. Inclui ‘Ode to Vangelis the greek’, um tema dedicado ao grande músico Vangelis, falecido em Maio de 2023, que Vasco Martins considera como seu ‘irmão de espírito’ e que admira, sobretudo a ‘fase’ do Nemo studio’ nos anos 70/80.






