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Contador de “Estórias” cabo-verdiano reinventa-se nas redes sociais para driblar impacto do Covid-19.

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Contar “estórias” e tradições orais de Cabo Verde através das redes sociais foi a forma que Adriano Reis encontrou para dar volta à situação de desemprego com que se deparou após a declaração do Estado de Emergência em Portugal. Conforme nos diz este actor cabo-verdiano, de uma carteira cheia de atividades agendadas até junho de 2021, viu-se de repente com uma mão cheia de nada e sentado em casa sem poder trabalhar. Nesta entrevista ao Mindelinsite, Adriano Reis igualmente dinamizador sócio-cultural e técnico da juventude, afirmou a sua paixão e amor pelas tradições do seu país e a vontade de as partilhar através das palavras que identificam a sua identidade crioula.

Por João do Rosário

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Mindelinsite – Importante ter em consideração que esta crise provocada pelo Covid-19 tem implicações na vida das pessoas. Como está a ser a tua vida laboral enquanto actor e contador de estórias tradicionais de Cabo Verde em Portugal?

Adriano Reis – Claro, sobretudo a nível profissional e familiar. Sou trabalhador independente sem contrato e nós funcionamos mediante os rendimentos obtidos. Não sabemos se vamos contar com os apoios da segurança social porque a este nível tudo é diferente. Assim, sem trabalho, as coisas começaram já a ficar complicadas. Ter uma agenda cheia até junho de 2021 e de momento não ter nada dado o “nosso inimigo invisível”. É kompliqôde! (é complicado)

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MI – As dificuldades e as crises ajudam-nos, por vezes, a ser bastante criativos. Criatividade é o que não tem faltado ao Adriano Reis. Podias explicar-nos como surgiu o teu novo projecto em que estás a trabalhar agora?

AR – Sabes, está nas genes do cabo-verdiano a sua capacidade de luta, de trabalho e de sacrifício. Assim sendo, o nosso povo sempre soube adaptar-se às realidades que se lhe depara, reinventando-se com muita criatividade. Nós os cabo-verdianos somos naturalmente criativos na medida em que já passámos por muitas crises. Eu foco-me no meu trabalho. Normalmente vou elaborando os projetos e guardo-os. Chegado o momento certo, recorro a eles adaptando-os à realidade do momento. Estou agora a angariar público alvo para meu actual projeto que, são as famílias, para sessões de “stórias”, via Skype, Chat, nas redes sociais. Estou igualmente muito focado em dar o meu apoio moral através das redes sociais aos meus ouvintes de estórias, de Lá e de Cá. Já criei uma linha de produtos tradicionais com logotipos de estórias coloridas, com frascos e garrafas pequenas de grogue, pontche de mel e de calabaceira, grogues de plantas, bolachas tradicionais e doces que disponibilizamos aos ouvintes depois dos contos. 

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MI – Contar histórias nas redes sociais? Isto tem funcionado?

AR – Tem funcionado sim mas, não é a mesma coisa; eu gravo as “estórias” e sinto um vazio enorme. Contar estórias para mim é um momento de ancestralidade, a viajem acontece naquele momento, fixar o olhar, tocar quem nos escuta, sentir as energias do afecto e dos abraços. Nunca gostei de gravar vídeos das minhas sessões de contos porque acho que perdem o encanto. Agora terei de o fazer no intuito de acompanhar os outros que neste momento estão confinados em casa. É uma forma de “sobreviver” porque é dai que trago o pão, ao mesmo tempo tem sido desafiador para mim.

MI – Como tem sido a adesão das pessoas? De que nacionalidade são?

AR – A maior adesão é das comunidades não cabo-verdiana e ou africana, mas sim portugueses. Tenho que me adaptar (risos).

MI – Costumas dizer que a profissão de actor de teatro era bastante difícil em Portugal. Agora o de contador de estórias e tradições orais como é que tem sido?

AR – É verdade, sempre disse que somos “actores temáticos”, mas isto tem vindo a melhorar. O que quero dizer com o actor temático? Aqui em Portugal, se precisarem de um papel menos abonatório na sociedade, chamam a nós os africanos. Como não aceito, abracei a arte de Contador de Estórias pelo fascínio de mergulhar-me nos meus costumes e tradições orais. Satisfaz-me pessoalmente e também pago as minhas contas. Graças ao meu intenso trabalho, tenho partilhado contos e estórias de norte a sul de Portugal. E Tenho abraçado as comunidades imigrantes cabo-verdianas, em parceria com muitas associações por aí. Também faz parte do projeto “beber na fonte”. Vou à terra colher as tradições e depois  partilho-as cá. O projeto é a fonte da minha capacitação.

MI – O projecto “beber na fonte” fica em stand-by, claro. Em que consiste?

AR – Não está de todo. Como já indiquei anteriormente, estou mergulhado na recolha. Tenho já material bastante substancial que consiste em mais de 50 livros, mais de 200 horas de gravação, apontamentos mil. Muito por trabalhar mesmo! E, logo assim que possível, partirei para a Ilha de São Nicolau onde darei início à terceira edição do Projeto “beber na fonte”. Trata-se de uma investigação da Tradição Oral, Recolha Etno-cultural que deriva de um intercâmbio Cultural – Cabo Verde & Diáspora Crioula, sessões de contos e Exposições: Estórias visuais Antro-Etnocultural de Cabo Verde. Este projeto conta com a Direção Técnica de Gil Moreira e com a minha coordenação.

Grogue não mata Covid

MI – Disseste uma coisa importante e muito interessante. “vamos ter que dizer à malta cabo-verdiana e explicar-lhes que este vírus do Covid-19 não morre com o grogue”-

AR – Estava a ser bastante preocupante mesmo. Quando emitiram a declaração do “isolamento profilático”, tive uma breve curiosidade em dar um passeio, sobretudo, em Agualva-Cacém, onde temos uma forte comunidade para ver como estávamos a respeitar a lei portuguesa. Fiquei estupefacto quando deparei com os bares e os espaços de convívio onde a comunidade cabo-verdiana costuma frequentar e verifiquei que estavam cheios de gente. Fiquei preocupado quando vi que alguns deambulavam pela cidade a “gritar” que grogue não deixa o Covid-19 aproximar. Fiquei triste e senti-me no dever de dar o meu contributo chamando a atenção para não brincarmos com isto. Já estamos mais consciencializados.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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