O grupo Vindos do Oriente vai estender a homenagem às figuras das eternas Lily Freitas e sua filha Cely Freitas, ambas falecidas, às mulheres cabo-verdianas no retorno ao sambódromo do Mindelo, no Carnaval 2025. Ontem, VO fez o acto de lançamento na Pracinha do Liceu Velho do enredo intitulado “As filhas de Ísis – o berço da vida, suas lutas e conquistas”, num ambiente festivo e rodeado de expectativa dos foliões.
Inspirado na divindade egípcia Ísis, considerada a deusa da fertilidade e mãe de todos os faraós, o conto foi adaptado à realidade cabo-verdiana pelo carnavalesco Cláudio de Miranda, um brasileiro – “adoptado” pelo Vindos do Oriente ainda no tempo da malograda presidente Lily Freitas – e que já participou nalguns desfiles do grupo. “Apesar de ser um brasileiro, conseguiu descrever muito bem a realidade da mulher cabo-verdiana”, fez questão de realçar Dirce Vera-Cruz, a nova presidente do grémio do Sol nascente.
O enredo, que foi apresentado no palco pela jornalista Rosana “Zá” Almeida, será retratado em 3 sectores, cada um com o correspondente carro alegórico. O primeiro, “Os pés descalços e calejados e as mulheres trabalhadoras do porto” tem como figura referência a falecida Cesária Évora, nada menos a artista mais famosa de C. Verde, conhecida a nível mundial como a “diva dos pés descalços” por preferir andar sem sapatos e ter pisado grandes palcos, dessa forma genuína, com toda a sua simplicidade. Além da Cise e da cultura musical cabo-verdiana, esta ala vai enaltecer a classe das mulheres ligadas ao Porto Grande e à Baía do Mindelo, como as peixeiras – conhecidas pela sua labuta diária com a tina de peixe levada na cabeça – as esposas dos pescadores e as mulheres com funções administrativas, nomeadamente na Enapor.
O segundo sector tem como figura central a falecida artista “revolucionária” e contadora de estórias Celina Pereira, que já tinha sido representada pelo VO no desfile de 2020. “Celina foi uma mulher notável, que tinha a caneta e o papel como trunfos”, frisou a apresentadora Rosana Almeida, ao mesmo tempo que desvendou o título deste segmento: “Nos contos dos mares, a mãe nos conta dos encantos das histórias femininas”, inspirado no livro da artista “A sereia manina e os seus sapatos vermelhos”.
Esta ala vai servir de cenário para mostrar um universo das estórias contadas por Celina e onde serão também homenageadas figuras como Lilica Boal, Titina Rodrigues, Dina Salústio, Vera Duarte, Sara Tavares, Carlota Teixeira, Bela Duarte, Ana Maria Cabral…, mas também as professoras e as jornalistas cabo-verdianas. A primeira classe profissional representa as educadoras que batalham na sala de aula e que têm instruído gerações; a segunda reconhece a missão e as agruras das mulheres afectas ao sector da comunicação social, que diariamente, mesmo à noite e nos feriados, procuram informar e ser a voz da sociedade.
Outra figura impactante e única na história do empresariado e da política nacional que vai ser enaltecida no desfile do Vindos do Oriente é Isaura Gomes, ex-autarca da Câmara de S. Vicente. Zau, como é tratada carinhosamente, colocou a sua assinatura no livro de proclamação da Independência de Cabo Verde, foi a primeira empresária cabo-verdiana e a primeira política eleita para presidir um município do país. Apesar da sua carreira ascendente, Isaura Gomes é retratada como uma mulher do povo.
O terceiro sector, intitulado “A grande dama do Carnaval e o direito feminino ao sonho” terá como destaque Lily Freitas, ex-presidente do grupo Vindos do Oriente, que faleceu na madrugada de 22 de janeiro de 2022 aos 76 anos de idade. Como é natural, Cely Freitas, filha e ex-vice-Presidente do VO falecida aos 58 anos no dia 20 de fevereiro de 2023, será homenageada neste sector com uma ala de futebol, o seu desporto predileto.
Resumidamente, o enredo do Vindos do Oriente terá como referências as figuras da Cesária Évora, Celina Pereira e Lily Freitas. Segundo Dirce Vera-Cruz, a nova presidente do VO, o tema não é novo, tendo sido discutido ainda na direção da Dona Lily. “Quisemos fazer um desfile de homenagem a Dona Lily e às mulheres cabo-verdianas, mas Dona Lily nunca aceitou. Após a sua morte, a Cely tentou pegar nesse enredo, mas infelizmente ela também acabou por falecer”, revela Dirce Vera-Cruz, que admite ter em mãos uma missão difícil, que é assumir a direção de um grupo com o palmarés do Vindos do Oriente.
Durante a sua intervenção na Pracinha do Liceu Velho, esta jurista de profissão mostrou-se emocionada ao falar das falecidas amigas e dirigentes. “Retornar depois daquilo que aconteceu ao VO deixou-nos a todos com as emoções à flor da pele. Mas decidimos voltar com o espírito de missão”, expressou Dirce Vera-Cruz, salientando que o desfile de 2025 vai servir de homenagem especial a Dona Lily e Cely Freitas.
Chamada para o palco, Josina Freitas, filha e irmã das malogradas e uma das grandes impulsionadoras do Vindos do Oriente, foi parca nas palavras. “Por razões óbvias não vou estar envolvida nos preparativos do Carnaval; ainda não consigo festejar como sempre fiz, mas é uma gratidão enorme estar aqui, ter esta família por perto porque VO é uma família. E nesta família cabe sempre mais um”, salientou Josina Freitas, que espera haver abertura da nova direção para acolher todos aqueles que quiserem integrar o grupo.
No show de ontem, VO apresentou Mila Diogo como rainha da bateria, passista que no ano passado representou Estrela do Mar, e, segundo Dirce Vera-Cruz, o grupo já tem a música gravada (autoria da dupla JC e Anísio Rodrigues), fechada a lista das figuras de destaque dos andores e escolhido o casal Porta-bandeira e Mestre-sala.
Refira-se que a premiada jornalista Rosana Almeida, conhecida em C. Verde como rosto da televisão, vai desfilar pelo Vindos do Oriente no Carnaval de 2025. Segundo Zá, que fez ontem mais um aniversário e recebeu um parabéns caloroso do público presente na Pracinha do Liceu, esta será a sua estreia na festa do Rei Momo em S. Vicente.