Os mandingas arrastaram uma multidão ávida por “enterrar” os mais de 40 dias de folia e stress que marcaram o Carnaval Mindelo 2024. Trajados maioritariamente de negro, cor normalmente associada aos momentos mais tristes, o que se viu foram ruas a transbordar de pessoas alegres, a dançar ao som dos muitos ritmos dos mandingas, mas também dos grupos oficiais que embalaram o atual e outros carnavais, enriquecendo uma tradição que tem tudo para perdurar. A precepção de muita gente é que o enterro deste ano mobilizou uma das maiores multidões registadas no evento.
O cortejo foi puxado por Jorge Paraqueda que, orgulhosamente e montando a sua moto, empunhava a bandeira “100% Mandinga”. “Esta é a primeira vez que carrego esta bandeira, mas sou mandinga 100%. Antes puxava o cordão de segurança e dava o meu apoio de todas as formas, mas nunca desfilei trajado de mandinga. Os únicos trajes carnavalescos que usei na minha vida foram nos desfiles do grupo Estrela do Mar, por dez anos”, declarou Paraqueda, ele que é vizinho de porta do estaleiro, na Ribeira Bote.
“Hoje pedi para carregar a bandeira porque sou um apaixonado pelos mandingas. Estou muito feliz, sobretudo porque, apesar da minha incapacidade motora, estou a fazer aquilo que gosto. Esta moto me deu aquela mobilidade que me tinha sido retirada pelas diabetes. Hoje estou muito ativo, mais alegre e mais forte. Tudo mudou e para melhor na minha vida”, comemora, aproveitando para agradecer, uma vez mais, os amigos-benfeitores que lhe mudaram a vida para melhor.
Nascida em Holanda e residente na ilha do Sal, Xaia Fortes veio assistir e participar do enterro de mandingas. “O meu Carnaval é, sem sombras de dúvidas, os mandingas. A batida das músicas dos mandingas mexe comigo de uma forma que não consigo explicar”, conta esta cabo-verdiana, que se lembra de ter vinda a Cabo Verde em 2005, acompanhada de uma equipa da televisão holandesa para fazer uma reportagem sobre o Carnaval. “Vim em representação da TV Morabeza de Roterdão e fizemos um documentário sobre os mandingas. Na altura conheci muitas pessoas e estou aqui, no meio desta multidão, a tentar localizar algum conhecido. Espero que me encontrem”, pontua, esperançosa.
“Mnininha” do Carnaval, Patrícia Karantonis é presença assídua nos desfiles dos mandingas e, no enterro, não seria diferente. Ao Mindelinsite fez questão de retratar o seu amor pela festa do Rei Momo e, principalmente, pelos mandingas. “Há 15 anos que acompanho os mandingas da Ribeira Bote. Inicialmente apenas como espectadora e, nos últimos seis anos, trajada a rigor, inclusive com o corpo pintado. O Carnaval, e principalmente os desfiles dos mandingas, é tudo de bom. Aproveito para extravasar, espairecer e deixar tudo para trás. É uma oportunidade ‘pa spassará’, como dizemos no bom crioulo.”
Na mesma linha segue Fatinha do Rosário, que dispensa mais apresentações em termos do Carnaval, sendo figura carimbada da Escola de Samba Tropical e do Cruzeiros do Norte, que diz participar do desfile de mandingas para relaxar. “Foi muito stress acumulado durante este mês do Carnaval. Não era para estar aqui porque hoje tinha outras coisas para fazer, mas depois que soube da perda do Luís Gonçalves decidi largar. Estou aqui por mim, para divertir. Esta é a minha segunda vez nos mandingas, depois da estreia em 2020.”
Para Fatinha, a batucada e a multidão nos desfiles dos mandingas são os seus antídotos para o stress. “Trabalhamos muito para colocar um carnaval na rua, mas hoje estou aqui para me divertir. É alegria, diversão, non stress. E a pular durante todo o percurso porque, para ficar parada, estaria em casa”, acrescenta.
Similar é o sentimento do presidente dos Mandingas da Ribeira Bote para quem, não obstante o esforço pessoal para pôr o cortejo na rua em condições, tudo fica para trás, desaparece durante desfile. “Desde o início da manhã estava em expedientes para que tudo corresse da melhor forma, sem incidentes. O sentimento neste momento é de muita alegria. O stress saiu. Estou muito bem.”
Em suma, os mandingas de tantos sons, de tantos ritmos, criou um estilo próprio, que sempre existiu, mas que tem no Carnaval a sua maior vitrine. Primeiro cantada e defendida por anônimos, conquistou a população e ultrapassou as fronteiras de São Vicente. Basta ver a quantidade de estrangeiros, emigrantes e órgãos de comunicação social estrangeiros presentes.