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Testemunhas da defesa estranham acusação de atentado ao Estado de Direito imputado ao arguido Amadeu Oliveira

O jurista Daniel Lopes e a ex-deputada Filomena Martins disseram ontem ao tribunal estranharem a acusação de atentado ao Estado de Direito democrático imputado pelo Ministério Público ao arguido Amadeu Oliveira. Ambos enalteceram a luta desencadeada por Oliveira em prol da melhoria do sistema judicial e, no caso do seu constituinte Arlindo Teixeira – que ajudou a “fugir” de Cabo Verde – asseguraram que ele jamais iria usar o cargo de deputado da Assembleia Nacional para promover uma operação dessa natureza.

“Custa-me a entender esta acusação. É o que me leva a acompanhar este julgamento. O crime de atentado coloca em causa a soberania do Estado, pressupõe o recurso à violência e não vejo nada disso na postura do Amadeu Oliveira, pessoa que conheço há coisa de 15/17 anos”, declarou a ex-parlamentar da equipa do PAICV, que foi eleita por quatro mandatos consecutivos.

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Na perspectiva de Filomena Martins, quem tem um plano para desestabilizar o Estado agiria no secretismo. Muito pelo contrário, diz, Amadeu Oliveira espalhava as suas ideias em entrevistas, debates televisivos e através de mensagens electrónicas que remetia a várias pessoas. Nessas intervenções, relembra, o acusado foi contundente e frontal, levantou denúncias graves contra o sistema judicial e apontou o dedo a juízes. Denúncias essas que, na perspectiva de Filomena Martins, deveriam ser seriamente investigadas e assacadas responsabilidades.

A ex-ministra da Educação foi clara ao afirmar que jamais iria apoiar Amadeu Oliveira se tivesse a consciência de que ele queria atacar o Estado de Direito. A seu ver, o arguido é apenas um idealista, que assumiu a causa de Arlindo Teixeira de corpo e alma, apesar de ser um defensor oficioso. “Outro certamente já teria desistido da causa”, concluiu Martins.

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Conhecedora do Regimento da Assembleia Nacional, essa testemunha enumerou as situações em que um deputado é considerado em missão de serviço. Referiu que a Comissão Permanente não tem competência para levantar a imunidade e decidir a suspensão de mandato de um deputado, cabendo essa responsabilidade à plenária. Por isso pergunta como foi possível Amadeu Oliveira ficar um ano em prisão preventiva para só depois a Assembleia Nacional fazer aquilo que lhe competia: discutir o caso em plenária e determinar a suspensão do mandato.

Daniel Lopes, jurista que se declarou “muito amigo” de Amadeu Oliveira e o ajudou no caso Arlindo Teixeira, também estranhou a acusação que pende sobre o arguido. Oliveira, segundo Lopes, é um idealista que assumiu a defesa de Arlindo Teixeira com afinco, sem receber um tostão, e homem incapaz de se aproveitar de cargos. “Atacar e destruir o Estado? Jamais, longe disso. Amadeu Oliveira é um republicano, sua preocupação sempre foi ajudar o sistema judicial a aperfeiçoar-se”, assegurou o advogado, para quem há poucos “Amadeus” em Cabo Verde. Pelo bem ou mal, diz, Oliveira é uma pessoa autêntica e corajosa.

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Conhecedor do relacionamento que Amadeu Oliveira estabeleceu com Arlindo Teixeira – primeiro a nível profissional, depois como “protector” do seu constituinte -, Daniel Lopes enfatiza que o jurista estava muito preocupado com o estado de saúde física e mental do seu mesmo. Aliás, confirma que Arlindo Teixeira estava muito debilitado e falava inclusivamente em tirar a própria vida devido a situação em que estava. E Oliveira, segundo Lopes, tinha receio que o emigrante concretizasse a ameaça.

Rui Matos, outro amigo de Oliveira, confirmou essas informações no seu depoimento. Este funcionário público chegou a visitar Arlindo Teixeira quando estava preso na cadeia de Ponta do Sol, em Santo Antão, e evidenciou o empenho de Amadeu Oliveira em inocentar o emigrante da acusação de homicídio e restituí-lo à sua família. Este entende que Amadeu Oliveira ajudou Teixeira a regressar para França porque tinha medo de um desfecho dramático. E nessa viagem, sublinha, o jurista agiu claramente como defensor de Teixeira, e não como deputado. Lembra, aliás, que Amadeu Oliveira é advogado de Teixeira desde 2015 e que se tornou deputado muito recentemente.

Rogério Lima, também jurista e amigo de Amadeu Oliveira, reforça essas informações sobre a relação entre Oliveira e Teixeira e o estado debilitado em que este último se encontrava. Lima chegou a integrar a equipa de defesa de Teixeira e, afirma, este acusado tinha a plena consciência de que era inocente e que foi, por isso, injustamente preso e condenado.

Segundo Rogério Lima, o colega Amadeu Oliveira chegou a confessar-lhe que estava preocupado com o estado emocional de Arlindo Teixeira e assegura que, na sua firme opinião, Oliveira agiu com o único intuito de proteger o emigrante.

Tal como Filomena Martins e Daniel Lopes, a testemunha Rogério Lima discorda da acusação de atentado ao Estado de Direito Democrático contra Amadeu Oliveira. Para ele, essa acusação é exagerada. Aliás, afirma que o processo movido contra Oliveira tem uma exagerada qualificação jurídica.

“É óbvio que ajudar uma pessoa a sair do país não impede um tribunal de funcionar, tramitar processos, tomar decisões… Não sei como sair com Teixeira de Cabo Verde impede ou constrange um tribunal de trabalhar. Ir pedir um passaporte, mesmo fazendo barulho, não impede um tribunal de exercer a sua actividade”, indagou Rogério Lima, para quem é cristalino que Oliveira agiu na qualidade de defensor de Teixeira, e não como deputado ao viajar para França.

Uma das cinco testemunhas arroladas pela defesa a depor foi a advogada Ronise Évora, delegada da Ordem dos Advogados de Cabo Verde na ilha de S. Vicente. Évora explicou ao tribunal que Oliveira manifestou interesse em ser acompanhado na Audiência Contraditória Preliminar realizada em fevereiro deste ano no TRB, já que essa sessão não seria pública. No entanto, como Oliveira estava suspenso da OACV por negar pagar quotas, esse caso foi antes analisado com o Bastonário. Este alegou que o advogado estava suspenso, mas que interpôs uma providência cautelar que ainda aguardava decisão. Assim sendo ele devia ser tratado como advogado em exercício.

Abordado na cadeia por Ronise Évora, o arguido aceitou pagar parte considerável das quotas e foi acompanhado pela representante da OACV, mas sem que esta tivesse direito à palavra. A advogada deixou claro que, se tivesse o entendimento de que Amadeu Oliveira agiu como deputado, quando saiu com Teixeira de Cabo Verde, não iria assisti-lo na ACP realizada no Tribunal da Relação de Barlavento.

Ontem, além das cinco testemunhas arroladas pela defesa, o tribunal leu as respostas por escrito do ministro Paulo Rocha. O governante respondeu basicamente a perguntas relacionadas com a intervenção da PN sobre a “fuga” de Oliveira e Teixeira. Deixou claro que havia instruções constantes de um documento da Direção da PN para se impedir a saída de Arlindo Teixeira do território nacional, por estar sujeito à obrigação de permanência em casa.

O julgamento prossegue esta manhã com a produção de prova documental. Falta ainda ouvir os depoimentos dos deputados António Monteiro e Démis Lobo e ainda de Carla Rosa, Secretária do Supremo Tribunal de Justiça. O Ministério Público faz questão que seja ouvida por ser uma peça importante para elucidar o TRB sobre o incidente ocorrido no STJ quando Oliveira foi buscar o passaporte de Arlindo Teixeira.

Amadeu Oliveira está a responder em juízo por um crime de atentado contra o Estado de Direito, outro de coacção ou perturbação do funcionamento de Órgão Constitucional e dois delitos de ofensa a pessoa colectiva

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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