Pub.
Pub.
Atualidade
Tendência

Pio Valdir fala da Covid-19: “Fico triste porque as pessoas tratam-me de forma diferente”

O jovem santantonense Valdir Pio Andrade contraiu o virus Sars-Cov2 do irmão que, por sua vez, ficou contaminado durante uma partida de futebol. Ambos decidiram isolar-se em casa ainda antes de receberem o resultado do teste PCR. Hoje, já recuperado, explica em entrevista ao Mindelinsite, os efeitos dessa doença no corpo e na mente das pessoas. Por isso pede que a Covid-19 seja levada mais a sério. Valdir Pio lamenta sobretudo a rejeição por parte das pessoas quando ficam a saber que faz parte das estatísticas da doença em Cabo Verde.

Por Lidiane Sales (Estagiária)

Publicidade

Mindel Insite – Como descobriu que estava com o vírus da Covid-19?

Pio Valdir – Eu e o meu irmão descobrimos que estávamos infectados porque perdemos o paladar e o olfato e começamos a sentir o corpo “malandro”. Como a médica explicou-me, os efeitos da doença dependem do estado de saúde de cada pessoa porque o vírus sofre mutações. Se padeces de alguma complicação de saude pode apanhar-te mais forte; se não tiveres nada, os sintomas podem ser muito leves, como foi meu caso.

Publicidade

MI – Como apanhou o virus?

PV – Foi através de um rapaz que fez um teste PCR e não se resguardou enquanto esperava o resultado. Ele foi a um jogo de andebol onde o meu irmão estava. Acontece que o meu irmão estava com gripe e apanhou logo a infecção. Em contacto com meu irmão fiquei infectado. Estava com dor nos dentes e passei alguns dias sem comer de forma adequada. Penso que estava fraco e contaminei-me logo.

Publicidade

MI – Qual foi a sua reação quando descobriu que estava com Covid-19?

PV – Fiquei normal. Fiz o teste PCR e recebi o resultado depois de alguns dias. Já era tarde mas, porque eu ja tinha pesquisado, sabia quais eram os sintomas que eu tinha. Então, reagi com a máxima normalidade e continuei a tomar os remédios na hora.

MI – Que remédios tomou?

PV – Alguns comprimidos cujos nomes não me lembro neste momento e vitamina C. Além disso, fui aconselhado a tomar banhos de sol todos os dias às 10 horas e durante 50 minutos, e a ficar isolado sem praticamente fazer nada. Sequer devia pegar em certos objectos.

MI – Quanto tempo ficou doente?

PV – Isolamo-nos antes que o hospital nos dissesse algo. Eu e meu irmão passamos 17 dias fechados em casa.

Brincar com coisa seria

MI – Qual é a sua opinião sobre a atitude das pessoas em relação a Covid-19? Acha que há quem ainda esteja a levar essa doença na brincadeira?

PV – Sim. Ainda vejo o pessoal a levar a Covid-19 como uma brincadeira. Dizem que é uma “gripezinha”. Tenho dito para prestarem atenção porque aqui em Cabo Verde poucas pessoas fazem consultas de rotina. Se tiverem alguma doença a desenvolver não vão saber. Pensam que são saudáveis, mas não são. Se tiverem uma complicação de saúde pode ser perigoso. Como aconteceu com um amigo que tem angina e teve grandes dificuldades na hora de comer. Foi obrigado a tomar um comprimido para aliviar a dor de garganta, mas não conseguiu engoli-lo e foi levado para o hospital na Ribeira Grande de Santo Antão. Por isso digo que depende de cada pessoa e da sua alimentação. Nos primeiros dias senti o meu corpo muito fraco, perdi o paladar e o cheiro. Uma sensação desagradável.

MI – Ficaram isolados em casa ou no hospital?

PV – Ficamos isolados em casa, num quarto. Não convivíamos com os nossos pais. Quando confirmaram que o teste PCR deu positivo ja estávamos sem contato com ninguém. Tínhamos uma casa-de-banho exclusiva. A minha mãe fazia a desinfeção e dava-nos de comer e beber. Ainda bem que ela não se infectou com a doença.

/Ainda vejo o pessoal a levar a Covid-19 como uma brincadeira. Dizem que é uma “gripezinha”.

MI – Que tipo de acompanhamento tiveram por parte da Delegacia de Saude do Porto Novo?

PV – A equipa da delegacia de saúde apareceu alguns dias depois, mediram a nossa temperatura e nos deram comprimidos e vitamina C. Depois passaram a ligar com regularidade para perguntar se estávamos a sentir alguma coisa. Também estiveram em nossa casa para aferir se esta tinha condições para fazermos o isolamento domiciliar.

MI – A doença afetou-vos psicologicamente?

PV – O meu irmão ficou triste no inicio por causa das pessoas com quem teve contato. Os nossos pais tiveram de parar de trabalhar e ficar em casa… No meu caso, penso que já estava preparado psicologicamente. Sabia que uma hora ou outra tinha iria apanhar a doença. Ficamos tristes sobretudo porque as pessoas nos tratam de forma diferente. Têm dificuldades em chegar perto. Há muito preconceito. Mas não me senti afetado mentalmente porque já sabia tudo sobre a Covid-19 e o meu corpo reagiu bem.

MI – O facto de seres jovens ajudou-te a recuperar?

PV – Não sei explicar, até porque, como disse, estava com a imunidade baixa. Antes treinava no ginásio, mas tive de parar e ficar de quarentena. Perdi algum peso, mas não sei dizer se o facto de ser jovem foi relevante. Talvez o que mais me ajudou foi não padecer de nenhuma outra enfermidade.

/Ficamos tristes sobretudo porque as pessoas nos tratam de forma diferente. Têm dificuldades em chegar perto.

MI – Não ficou com nenhuma sequela?

PV – Acho que não. Só tive uma ligeira perda de peso porque, como atleta, tenho uma boa alimentação. Passei a comer pouco porque não sentia o gosto e, até agora, não estou a alimentar-me muito bem.

MI – Acha que estas livre de sofrer uma nova contaminação?

PV – Dizem que ficamos imunes, mas esta doença tem várias mutações. Por isso não posso cantar vitória ainda. Mas fico um pouco aliviado, agora é continuar a prevenir porque nunca se sabe.

MI – Quais são as cautelas passou a ter desde que contraiu a doença?

PV – Ao estar com os meus amigos uso máscara, mesmo sabendo que o risco de transmissão já não existe. As pessoas acham normal estarem sem máscaras e pegar em tudo com as mãos. Imagina que, no nosso caso, foi somente um contato com uma pessoa e ficamos os dois irmão infectados. Acho que a máscara é um incomodo nas nossas vidas e agride o meio ambiente, mas é necessário. Acho que devemos usar mascaras, ainda que não deve ser o tempo todo. Sei que podemos transmitir o vírus dois dias depois de estarmos infetado, ainda que que estejamos “normal”.

MI – Qual é a mensagem que deixa para a sociedade?

PV – Para todos prestarem bem atenção e não pensarem apenas em sim mesmo, mas também em quem nos rodeia, principalmente nas pessoas de risco. Quando essa doença chegou na nossa casa isolamo-nos de imediato. Mesmo assim as pessoas começaram a nos rejeitar. Quando tudo esta a correr bem nada importa, mas quando algo corre mal cada um preocupa-se apenas com a sua pessoa. Devemos lembrar que temos família, amigos, patrão, etc. Os políticos não levaram isso em consideração durante a recente campanha eleitoral. Promoveram aglomerações e pode haver um aumento de casos de Covid-19 nos próximos tempos. A verdade e que as pessoas estão a levar essa doença de uma forma muito tranquila.

Mostrar mais

Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo