OE 2023: S. Vicente vai receber apenas 8,6% do Fundo de Financiamento Municipal
O Orçamento Geral do Estado para 2023 é votado hoje no Parlamento, na generalidade, e São Vicente está contemplada com apenas 8,6% do Fundo de Financiamento destinado aos municípios. Significa que, de um total de 3.241 milhões de escudos, a “terra do Monte Cara” vai receber 277 milhões escudos, montante inferior atribuído a autarquias das ilhas de Santo Antão, Fogo e de Santiago. Entretanto, como forma de compensar a diminuição do FFM, como consequência da redução das receitas fiscais, o Governo decidiu atribuir às Câmaras Municipais um valor adicional de 624 milhões de escudos. A parte que cabe S. Vicente, neste caso, é pouco mais de 53 mil contos. O PAICV, através do deputado João do Carmo e de Adilson Jesus, responsável do partido na cidade do Mindelo, mostram-se insatisfeitos com o tratamento dado, “mais uma vez”, à chamada ilha do Porto Grande.
Por: Constânça de Pina
Os programas e projectos constantes do OE para São Vicente são essencialmente na área da Saúde, com destaque para a construção da Maternidade e Pediatria do Hospital Baptista de Sousa – orçada em 1.359 milhões de escudos – e da Unidade de Cuidados Intensivos, cujo valor ascende a 45 milhões de escudos. A estes juntam-se as despesas de funcionamento do HBS com medicamentos e aprovisionamento (5 milhões de escudos), a construção do Centro de Saúde de Monte Sossego (84 milhões Esc), o Centro de Diálise (79 milhões Esc) e a reabilitação dos Serviços do Centro da Ribeira de Vinha – 3 milhões de escudos. Ou seja, dos 9.945 milhões de escudos inscritos no OE para o sector da Saúde, 1.623 milhões de escudos vão ser canalizados para São Vicente, correspondente a 16 por cento.
Para o sector da Defesa Militar, prevê-se apenas a construção da Enfermaria do Centro de Instrução Militar (19 milhões Esc). Enquanto a nível do desenvolvimento habitacional, o Governo disponibiliza 10 milhões de escudos para o Controle de Qualidade do Cadastro Predial em S. Vicente, Sal e Boa Vista. Já para o sector marítimo foi alocado um valor de 83 milhões de escudos cabo-verdianos, montante que se traduz em um aumento de 64 mil contos. O mesmo está destinado à realização de estudos específicos para a implementação da Zona Económica Marítima de São Vicente, que visam o aproveitamento do mar e da localização geográfica, com vista ao desenvolvimento de uma economia marítima integrada, através de uma cadeia de serviços ligados ao mar e a transformação de S. Vicente numa ilha moderna, internacional e ao serviço da economia do mar.
No tocante à investigação científica, o OE elenca um projecto no domínio da investigação marítima, no montante de 5 milhões de escudos, para construção e seguimento no Centro Oceanográfico do Mindelo, que irá apoiar o Instituto do Mar. São Vicente aparece igualmente integrado no projecto Sistema de Transmissão e Distribuição de Energia em Cabo Verde, que contempla seis ilhas: Santo Antão, São Vicente, Maio, Santiago e Fogo. O projecto é financiado com recurso a um empréstimo do fundo de desenvolvimento JICA no valor de 98 milhões de escudos.
O OE destaca ainda o aumento dos donativos no montante de 377 milhões de escudos essencialmente para dois projectos: Programa de Apoio Sectorial Água e Saneamento – CVE/389, com o montante de 275 milhões de CVE, cujo objetivo é aumentar a disponibilidade de água em quantidade, qualidade e pressão, reduzir o custo desse líquido e assegurar o acesso sustentável aos serviços de saneamento no Sal, São Vicente e da Boa Vista e com especial atenção às ilhas de Santo Antão e de São Nicolau.
Quanto aos Fundo de Financiamento dos Municípios é atribuído a São Vicente 277 milhões de escudos de um total de 3.241 milhões de escudos, ou seja, uma percentagem de 8,6 por cento. A este valor soma 53 milhões de escudos de compensação pela perda do FFM. A percentagem para S. Vicente volta a ser de 8,6 por cento.
PAICV presente, UCID e MpD em silêncio
Pedidos para reagir aos projectos e programas do OE 2023 para a ilha de São Vicente, o MpD – deputado João Gomes e o presidente da Comissão Política Concelhia Armindo Gomes – optou por remeter-se ao silêncio. Num primeiro momento, ambos aceitaram de bom grado fazer uma análise deste importante instrumento de gestão, com foco em São Vicente, mas, posteriormente, o primeiro alegou falta de tempo – tendo em conta que veio recentemente de Portugal – enquanto o segundo simplesmente deixou de atender as nossas ligações. Igualmente a UCID, mesmo com o envio das questões com cerca de um mês de antecedência, decidiu não reagir, alegando “falta de tempo”.
Do lado do PAICV, João do Carmo classifica este orçamento de “muito tímido”. Diz que é o primeiro elaborado e aprovado no âmbito do Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável (PEDS II 2022-2026), embora seja uma continuidade da estratégia definida no PEDS I (2017-2021). No entanto, afirma, independente de se tratar de um instrumento que obedece as directrizes deste Plano, o momento que se vive justificava que respondesse aos impactos da guerra na Ucrânia. Ou seja, trouxesse medidas de contenção de preços ou do seu impacto sobre o rendimento das pessoas e sobre o custo de produção das empresas.
“Os empresários continuarão a enfrentar a elevada subida dos presos e das matérias-primas e, consequentemente, podemos esperar a manutenção de preços elevados em 2023. Não há medidas de estímulo ao investimento privado”, analisa, frisando que, no contexto de inflação tão elevada, este OE deveria trazer medidas concretas de apoio às famílias numerosas e de baixo rendimento.
Mais: este OE, afirma, não aposta na consolidação das finanças públicas por ser despista. “As despesas de funcionamento tiveram um aumento superior à própria receita total e nem sequer o Governo mostra coragem e ousadia em reforçar os investimentos públicos, razão pela qual podemos afirmar que teremos gastos de má qualidade, prejudicando deste modo a performance do saldo orçamental, com consequência sobre o défice publico. E não podemos esquecer que as despesas são quase sempre certas, enquanto as receitas dependem muito do desempenho da economia.”
O Orçamento também não apresenta medidas de redução do défice ou da dívida, acreditando o Governo, segundo a citada fonte, que o rácio da dívida diminuirá por causa do crescimento estimado de forma generosa de modo a quebrar este rácio pela via de artificio matemático.
“Se queremos uma economia forte, robusta e sustentável, devemos fixar montantes no OE destinados à maior formação do capital humano, nomeadamente cursos de mestrado, no interior e no estrangeiro. Tem que haver um maior comprometimento no sentido de alocar montantes em todos os orçamentos destinados à qualificação superior dos jovens”, sugere.
O sector privado, diz João do Carmo, é deixado a mercê das regras do mercado, onde sobressaem os mais poderosos. Do seu ponto de vista, as pequenas empresas vão continuar a ser prejudicadas quanto ao financiamento, lembrando que os bancos vêm apresentando um conjunto de exigências na maioria das vezes fora do alcance das pequenas empresas, condicionando a diversificação pretendida. O desemprego e a demanda mais fraca de bens de consumo mereceram também um olhar do deputado.
Enquanto eleito pelo circulo eleitoral de São Vicente, João do Carmo contesta, uma vez mais, os valores das transferências municipais, que são inferiores aos atribuídos às autarquias das ilhas de Santo Antão, Fogo e Santiago, neste caso aos municípios de Santa Catarina e da Praia. “Se pensarmos no rácio população, nunca vamos entender este Governo. Outro aspecto importante é que as várias rúbricas inscritas para S. Vicente só servem para encher os quadros do OE. Só como exemplo, desde 2016 conta de todos os orçamentos o Terminal de Cruzeiros. Contudo, só em 2021 as obras começaram”, clarifica.
São Vicente injustiçada, “mais uma vez”
Já o presidente da Comissão Politica do PAICV classifica este documento de opaco, justificando que este não introduz transparência no acesso aos dados, ou seja, não permite uma leitura clara das propostas apresentadas. “Parece ser sina do MpD governar escondendo alguma coisa. A generalidade dos documentos estratégicos produzidos desde 2016 tem esta característica, particularmente quando se refere aos OGEs e aos contratos celebrados em áreas estratégicas”, analisa Adilson Jesus.
No tocante a S. Vicente, afirma, novamente esta ilha parece estar relegada para um quarto ou quinto lugar no que se refere à sua quota parte no bolo do orçamento.
“A maior parte dos investimentos previstos aparecem escondidos entre um valor global a ser dividido entre várias ilhas. É o caso da energia, por exemplo. Ainda em relação a S. Vicente, peca demasiado na vertente económica, nomeadamente nas pescas, no sector marítimo e portuário, na construção naval e formação profissional.”
Relativamente à ZEEMSV, indica, não obstante a alocação de uma verba de 83 mil contos, não existem projectos de investimentos concretos. Ou seja, este valor será destinado ao pagamento de salários e realização de estudos. Critica igualmente a ausência de investimentos para a construção da prometida infraestutura da FIC, que foi retirada da Lajinha e projectada para a zona do Lazareto. Mas é em relação à atribuição dos fundos municipais que Adilson Jesus se mostra mais descontente.
“Queremos chamar a atenção dos sanvicentinos e da classe política nacional para a necessidade de introduzir maior justiça e equidade na distribuição do FFM. Temos necessariamente de revisitar os critérios de distribuição deste fundo. Não há duvidas hoje de que São Vicente é a ilha que sai mais prejudicada na distribuição deste bolo”, diz, justificando com números:
Santiago recebe 1.706.427.896 escudos (52,64%), sendo que somente Praia e Santa Catarina são contempladas, cada uma, com valores muito superiores a São Vicente. Praia vai receber 486.967.857 escudos do FFM – mais 93.720.297 Esc de compensação – e, Santa Catarina, 341.160.028 Esc, mais 65.658.582 escudos de compensação.
Em jeito de remate, o presidente do CPR de São Vicente informa ainda que Santo Antão, para além da compensação – que é de 11,9% do total -, a ilha vai receber 388.232.380 escudos do FFM (11,97%). Igualmente o Fogo receberá uma compensação de 10,39% e 336.793.998 escudos do FFM (10,39%).