Mircea Delgado nega existência de PDM aprovado em S.Vicente e sugere a criação de uma comissão responsável pelo planeamento e ordenamento territorial da ilha

A deputada nacional Mircea Delgado, eleita pelo MpD pelo círculo eleitoral de São Vicente, afirmou ontem no Parlamento, durante as discussões na generalidade do Orçamento Geral do Estado para 2026, que a ilha do Porto Grande não tem um Plano Director Municipal (PDM) aprovado, contrariando a declaração do edil mindelense, e sugeriu a criação de uma Comissão Coordenador Regional, responsável pelo seu planeamento e ordenamento territorial. Defendeu ainda que a ilha cresce sem planos detalhados pelo que, do seu ponto de vista, todos sabiam que um dia o bairro de Chã de Alecrim acordaria afogado em lama ou ainda que haveria vítimas, em caso de grandes chuvas, devido a ocupação desordenada das encostas e ribeiras.
Mircea Delgado começou por afirmar que, na qualidade de deputada nacional, não teve oportunidade, no momento e local adequado, na discussão prévia deste Orçamento de Estado, que o vice Primeiro-ministro designa de participativo. Mas isso não aconteceu por sua vontade, pelo que decidiu aproveitar a plenária para apresentar sua posição sobre este instrumento fundamental de governação para o ano económico de 2026. “A minha intervenção incidirá sobre a região norte de C. Verde que, como todos sabemos, foi brutalmente atingida pela tempestade Erin a cerca de três meses”, contextualizou. Mas fez questão de esclarecer que defende que o OGE é unitário e deve apoiar-se em mecanismos que impeçam dotações e fundos secretos, podendo contudo ser estruturado por programas.
Entende Mircea que o OGE deve respeitar os princípios da integralidade e da universalidade, significando isto que deve existir um único orçamento anual no qual todas as previsões de receitas e despesas estejam incluídas e discriminadas. “Não defendo um orçamento por cada ilha pois o OGE não é e nem pode ser a soma dos orçamentos de cada ilha”, reforçou. Todavia, alega, esta unidade do OGE não impede que o mesmo apresente uma leitura territorial integrando quadros regionais que evidenciam o impacto orçamental de cada ilha. Focando-me na região norte, concretamente em SV, a ilha mais atingida pela tempestade Erin, alega que foram todos apanhados de surpresa. Mas, como diria o compositor Manuel d’Novas, já prevendo as mudanças climáticas nos seus versos imortais, interpretados magistralmente por Jorge Sousa, “Bo incosta num parede bedje porque soncente que te dá txuva. Ma, se txuva bem, el te caí na txon.”
“Não podemos portanto dizer que não estávamos avisados. Sabemos que S.Vicente não possui um Plano Diretor Municipal aprovado e sabíamos que cresce sem planos detalhados. Era previsível, por exemplo, que um dia o bairro de Chã de Alecrim acordasse afogado em lama, consequência do abandono dos detritos de escavação das obras do Pombas Brancas, como foi noticiado. Sabíamos igualmente que haveria vítimas em caso de grandes chuvas devido a ocupação desordenada das encostas e ribeiras”, sublinhou, realçando que não está para culpar ninguém e nem para defender quem quer que seja.
Pelo contrário, defende que o seu papel como deputada nacional é outro. Mais precisamente é questionar se aprendemos a lição e se o OGE 2026 reflete um compromisso real com a resiliência e a prevenção para com uma ilha e um país mais preparado para o futuro. “Falo em nome da minha consciência e do povo que me elegeu, que nas ruas, nos meios de comunicação e nas redes sociais grita que algumas ilhas e as periferias urbanas estão a ficar órfãos de voz. A opinião pública sente e com razão que muitos dos seus representantes parecem estar mais preocupados com lugares nas listas dos partidos nas próximas eleições do que com as necessidades reais das comunidades”, assegurou.
Mircea reconheceu que o Governo, a Câmara e os parceiros de C. Verde reagiram com rapidez perante os efeitos da tempestade Erin. Destacou igualmente a solidariedade demonstrada pelos cabo-verdianos, residentes e na diáspora, resultando da conclusão da primeira fase da recuperação da ilha. “As falhas nos esgotos em uma boa parte da ilha já foram corrigidas, o abastecimento de água foi restabelecido, as ruas aparentam estar limpas, a circulação e os espaços públicos voltaram à normalidade, a Praça Estrela e a praia da Lajinha estão recuperados. Mindelo começa a mostrar novamente o seu rosto alegre e preparado para começar a receber imigrantes, turistas e visitantes, pronta para o Carnaval, festivais e feiras”.
Futuro é agora
Mas, para esta eleita nacional, o futuro começa agora e a tempestade Erin deve ser a mola impulsionadora para transformar São Vicente num modelo de ilha resiliente, empreendedora e sustentável. Surpreendido a intervenção, o presidente-substituto da ANl, Emanuel Barbosa, interrompeu a deputada chamando a sua atenção, dizendo que ela estava a desviar do propósito do debate, ao que Mircea respondeu estar precisamente a falar no âmbito do OGE 2026. De imediato, um burburinho tomou conta da sala, pelo que a deputada teve de solicitar que fossem criadas condições para continuar a sua exposição.
Na sequência, Mircea indagou os presentes se querem um país regionalizado ou apenas descentralizado? “Já defendi nesta casa parlamentar que certas competências cabem bem aos municípios, mas outras pertencem claramente ao poder regional. Os municípios têm vocação para o ordenamento urbano, saneamento, mercados, habitação social, turismo local, apoio à vulneráveis, defesa ambiental, entre outros. Contudo, falham na gestão de riscos, fiscalização de obras e planeamento urbano por ausência de meios ou vontade politica”, disse, alertando que a política de proximidade, embora essencial, pode degenerar-se em clientelistas e em corrupção, nomeadamente troca de votos por lotes ou legalização de construções clandestinas em período eleitorais. “São contas de outro rosário, que não podemos ignorar.”
Criar uma comissão de coordenação regional
Já o poder regional, específica, tem vocação estratégica e deve situar-se entre os poderes Local e Central, mas não se confundindo com nenhum deles, sendo uma das suas atribuições mais importantes o planeamento e ordenamento territorial, área em que C. Verde padece de um perigoso centralismo. Revelou que foi anunciado um plano de intervenções infraestruturais para a região norte, coordenado pelo Ministro das Infraestruturas, com um gabinete de execução sob a sua tutela. Mas este não é o caminho certo.
“Defendo a criação de uma comissão de coordenação regional em SV, integrando as estruturas desconcentradas do Estado, com um gabinete técnico próprio, profissionais qualificados e missão clara de articular e monitorar os investimentos inscritos no OGE 2026 para a ilha. Essa comissão poderia funcionar como um projecto político de regionalização a ser depois replicado nas restantes regiões administrativas do país”, sugeriu, ressaltando que a regionalização é o caminho inevitável para um país arquipelágico como Cabo Verde que aspira ser resiliente, equilibrado e desenvolvido.
A deputada socorre-se dos dados estatísticos do INE para sustentar a sua posição, exemplificando com os números da participação das ilhas no PIB Nacional: Santiago 49,2% do total, S.Vicente 16,2%, Sal 7,1%, Boa Vista 5,9%, Santo Antão 5,4%, Fogo 3,9%, S.Nicolau 2,2%, Maio 1,2% e Brava 0,9%. “Como se costuma dizer, a ilha do Maio continua a ser um diamante por lapidar. Mas isso aplica-se também às chamadas ilhas periféricas, incluindo parte do interior de Santiago. O que lhes falta não é vontade é autonomia e meios próprios de planeamento e execução. Falta-lhes a regionalização.”
Aproveitou para lançar uma provocação dizendo esperar não ser novamente interrompida. O presidente-substituto não se conteve, dizendo que vai interromper sempre que necessário e que o comentário foi despropositado. Terminou apresentando uma proposta para incluir dotação suficiente para a criação da comissão, com sede no Mindelo e concebida como alicerce de um futuro processo de regionalização.






