Embaixadora Tania Romualdo: “A abertura da China em cooperar com Cabo Verde facilita-nos o trabalho”
Esta conversa demorou dez minutos. Tempo apenas para a Embaixadora Tania Romualdo passar uma pincelada sobre a cooperação entre Cabo Verde e China, país onde é Chefe de Missão há quase quatro anos. Segundo Romualdo, a abertura de Pequim em colaborar com a Praia facilita as coisas, estando neste momento vários projectos em curso. O maior é o campus universitário na cidade da Praia, que será entregue em meados de 2020. Quanto a Zona Económica Marítima Especial em S. Vicente, essa diplomata informa que o projecto é abrangente e será implementado de forma faseada, após realização de estudos sectoriais, detalhados e complementares. “Não será concluído no imediato, tipo depois de amanhã ou daqui a uma semana.”
Por Kim-Zé Brito
Mindel Insite – Quais têm sido as prioridades da Embaixada de Cabo Verde na China?
Tânia Romualdo – A cooperação com a China é uma continuidade das acções que começaram desde o estabelecimento das relações diplomáticas em 1976, menos de um ano após a Independência de Cabo Verde. É uma cooperação abrangente, que cobre tudo o que podem ser consideradas áreas de desenvolvimento, com destaque para a educação e a saúde. China tem sido uma parceira constante, tendo construído grandes obras em Cabo Verde como o Palácio da Assembleia Nacional, o Estádio Nacional, o Palácio do Governo, a Barragem do Poilão, etc. Além da cooperação tradicional para o desenvolvimento há uma aposta firme neste momento para se intensificar a cooperação económica e comercial. Neste domínio, além da cooperação bilateral, há uma forte intervenção do Fórum Macau, que é uma plataforma para facilitar o diálogo e a cooperação entre a china continental e os PALOP mais Brasil, Timor Leste e Portugal.
MI – Enquanto embaixadora sente que o seu trabalho é facilitado pela abertura que a China tem demonstrado em cooperar com Cabo Verde e África?
TR – Sim e não. Ajuda no sentido em que é fácil trabalhar na China e com os chineses. Há um dialogo antigo e salutar entre as partes. Neste sentido é fácil. Temos de ver que, além do aspecto bilateral, a China tem mostrado uma forte aproximação com a África. Foi realizado em Setembro a terceira cimeira FOCAC – Fórum para a Cooperação entre China e África em Pequim. Cabo Verde foi representado por uma delegação chefiada pelo Primeiro-ministro, tendo a China disponibilizado 60 biliões de dólares para vários projectos na África, incluindo os de integração regional.
MI – Quais os investimentos em curso em Cabo Verde e que implicam um maior envolvimento da Embaixada?
TR – Neste momento, o maior é o campus universitário da Uni-CV em construção na cidade da Praia. É o maior investimento da China no sector da Educação em toda a África. A obra está numa fase avançada e tudo indica que será entregue ao Estado no prazo previsto, que é meados de 2020.
MI – Há quem critique o facto de a maior parte dos investimentos mais impactantes da China serem na Capital. Isto é por indicação do Governo ou há também interferência da diplomacia cabo-verdiana nesse sentido?
TR – A China, quando aprova um projecto para Cabo Verde, o mesmo é executado de acordo com o pedido do Governo cabo-verdiano. Não é a China que estabelece onde a obra será feita. Pode até haver um parecer técnico, por exemplo, por causa da sustentabilidade e outras razões, mas a decisão é sempre do Palácio da Várzea.
ZEEM – um projecto ainda com longo caminho pela frente
MI – A pesca e o transhipment são outros sectores que despertam o interesse da China. Um dos projectos muito falados pelo actual Governo é a Zona Económica Marítima Especial, que será implementada em S. Vicente e que tem o apoio técnico da China. Qual o estágio desse projecto?
TR – A China é realmente parceira de Cabo Verde na realização do estudo sobre a Zona Económica Marítima, o projecto está neste momento numa fase em que foi avaliado como sendo “sustentável” e “positivo”, mas é preciso agora dividi-lo em subsectores e fazer estudos específicos e detalhados para cada um. Em relação a essa zona marítima, ocorre às vezes alguma confusão ou desinformação quando é associada demasiadamente ao sector das pescas. As pescas são apenas uma componente. É um projecto integrado que vai da pesca à manutenção de barcos, conservação e transformação de pescado e tem também o bunkering, os desportos náuticos…; é um projecto realmente integrado que envolve todos os sectores ligados ao mar e à economia marítima.
MI – É um projecto ainda com muito caminho para andar?
TR – Sim, não será um projecto para ser implementado no imediato, tipo depois de amanhã ou daqui a uma semana. Vai passar por várias fases ainda de estudos detalhados em áreas específicas e depois a sua implementação por fases.
MI – No tocante à educação estão neste momento perto de 300 estudantes cabo-verdianos na China. Quais as áreas de formação?
TR – Temos uma cooperação muito forte na área da educação, com perto de 300 estudantes cabo-verdianos nesse país, espalhados por toda a China. Tem sido áreas fundamentalmente técnicas e científicas. Há neste momento um grupo de 70 estudantes em Macau, os primeiros foram há três anos lectivos, outros foram no ano passado e vai haver uma nova vaga em Setembro deste ano e que se vai especializar nas áreas do turismo, jogos e inspecção do jogo. Macau tem experiência na área dos jogos e a aposta é garantir um grupo razoável de cabo-verdianos formados para quando estiver concluída a primeira fase do projecto Gamboa-Djéu.
MI – Há uma presença quase que consolidada de comerciantes chineses nas ilhas. Continua a haver interesse de novos empresários chineses do comércio geral no mercado cabo-verdiano?
TR – Sim, a presença de pequenos e médios comerciantes é notória. Todos presenciamos a chegada e o alargamento desse grupo de empresários em todas as ilhas. É um grupo que oscila entre 3-4 mil pessoas, continua a haver interesse sobretudo em diversificar as áreas de investimento. Inicialmente eram investidores do comércio geral, depois aventuraram-se para outras áreas, inclusive a construção civil, e continua a haver a aposta na diversificação.
MI – E tem havido alguma iniciativa de investimento de empresários cabo-verdianos na China?
TR – Tem havido contactos, mas sem grandes resultados. Ainda não temos um grande empresário nosso a fazer negócios na China. Com a China sim, mas não na China. É verdade que se coloca sempre o problema de escala em relação a nossa realidade, pois a China não é um país, mas sim um continente no que tange à sua dimensão e habitantes. É verdade que o Fórum Macau tem estado a organizar anualmente um grande encontro de empresários dos países de expressão portuguesa mais China, rotativamente em cada país. Este ano foi em Junho em São Tomé, no ano passado foi em Portugal e há 2 anos aconteceu em Cabo Verde. Objectivo é conseguir identificar dentro do espaço oportunidades de intercâmbio.
MI – Em Setembro faz 4 anos como Embaixadora nesse país. Até quando a sua missão de serviço?
TR – Sou diplomata de carreira, estou em missão de serviço, isto é um pouco como a tropa. Estou lá enquanto o Governo de Cabo Verde entender que deva continuar. E enquanto estiver a desempenhar essa função darei sempre o meu melhor. Quando houver uma decisão para regressar aos serviços centrais ou ser destacada para outra paragem cumprirei as decisões que forem tomadas pelo Governo com a maior naturalidade, pois as transferências são parte integrante da vida profissional dos diplomatas de carreira.
MI – Como é esta vida de estar a mudar de endereço, passo a expressão, de forma quase contante? Isto é apaixonante para si?
TR – É estimulante porque foi a minha opção profissional. Foi o que sempre quis fazer. Quando se trabalha naquilo que se ama é mais fácil. Agora, nem sempre é fácil desfazer a casa e obrigar os filhos a mudarem de escola. Já fui Secretária da Embaixada em Bruxelas e Conselheira em Portugal e é sempre um grande prazer e uma grande responsabilidade assumir essas funções. No entanto, há sempre essa possibilidade de estar a embarcar naquilo que posso chamar uma aventura, embora seja trabalho. Poder estudar novos dossiês, lidar com novas realidades e culturas. A cultura, por exemplo, é a área onde temos maior diferença com a China, mas é aquela que está a despertar um maior interesse entre as partes.