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Covid-19: Comunidade cabo-verdiana em Portugal apreensiva, triste e melindrada

A situação vivida neste momento em Portugal e no mundo é melindrosa e triste. Apesar de não ter tido a consciência da gravidade do Covid-19, logo no seu início, a Comunidade cabo-verdiana radicada neste país foi paulatinamente tendo a noção da dimensão da Pandemia. Agora vive com uma ansiedade à flor da pele, que transparece à vista desarmada num momento em que é declarado o Estado de Emergência em Portugal.

Por João do Rosário (Portugal)

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Em tempos de crise, os cabo-verdianos sempre souberam dar a volta à situação mas, neste momento, a comunidade crioula radicada em Portugal não vê forma de controlar a “encruzilhada” inicial imposta pela pandemia da infeção do novo Coronavírus Covid- 19. Apesar disso, e como em tudo a “esperança é sempre a última a morrer”, vão manifestando a sua fé no sentido de que possa ser descoberta uma vacina capaz de prevenir e reduzir a eventualidade de contágio por esse novo Coronavírus.

Essa é a opinião de um elemento da comunidade, Jorge Lopes, mais conhecido por Guintche, que vai dizendo que, mesmo em situação de crise, é sempre mais difícil cair na realidade, admitindo a condição de o cabo-verdiano ser, por natureza, muito otimista e caminhar com muita persistência e perseverança com os olhos postos sempre em frente. “Gente ta bá ta trá li ta pó lá e bá ta levá vida”, parafraseou Jorge Lopes Guintche, em cabo-verdiano.

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Este filho das ilhas disse ter a noção dos perigos desta epidemia, mas, como trabalha numa empresa de abastecimento de um supermercado, admite correr poucos riscos, já que, por integrar o turno da noite, não se cruza com aglomerado de pessoas, situação diferente com que se deparam os colegas que laboram durante o dia.

 Lopes fez saber ainda que aos fins-de-semana tem uma outra atividade que se prende com a animação de festas privadas e familiares. No entanto, acrescentou, neste momento já há vários cancelamentos de eventos agendados. No seu entendimento são correctas todas as restrições, pois têm por foco a protecção das pessoas. Este jovem acrescentou que ao longo da semana em Almada, a sua zona de residência, alguns cabo-verdianos foram fazendo as suas vidas normais, entre os cafés e rotina de casa / trabalho, mas que agora, em função das restrições, há muito menos movimentação. 

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Existem outras pessoas que, por natureza dos seus empregos, vão ter que continuar a se deslocar para o local do trabalho. Como é o caso de Licinha Fonseca, residente na margem sul do Tejo. Esta cabo-verdiana que trabalha em Lisboa como cuidadora de uma idosa de 104 anos de idade disse que não terá quarentena. “Vou mantendo-me no trabalho com todos os riscos decorrentes do facto de ter que utilizar os transportes públicos todos os dias” frisou.

Quanto à quebra no rendimento na sua atividade que faz enquanto fornecedora de pastéis de milho a vários bares e cafés, cujos proprietários são cabo-verdianos, disse não ter sentido qualquer diferença decorrente desta crise. Indica que houve apenas alguns pequenos cancelamentos de pedidos para festas familiares, aniversários e batizados.

Albertino Cruz (Titino), proprietário de um Café na cidade do Cacém (Concelho de Sintra) disse que se vai mantendo de portas abertas, mas com alguma apreensão, visto ser a única forma de subsistência que dispõe. Admite, por outro lado, não ser sensato colocar a sua vida e o da própria família em risco de contaminação. “Tendo em conta a propagação da pandemia do Covid-19, e com a proporção que a situação está a tomar, o fecho será quase inevitável” disse, aparentando um ar um pouco preocupado.

Músico fica em casa sem apoio

O conceituado baterista e percussionista cabo-verdiano José Lopes, mais conhecido por Blimundo, que há dias se encontra em auto quarentena, disse sentir-se sem apoio de quem quer que seja. “É que a minha atividade reside em espetáculos e actuações musicais na via pública enquanto ganha-pão e não estamos, pelo menos falo por mim, protegidos por nenhum apoio social” fez saber Blimundo. Sobejamente conhecido aqui em Portugal e em Cabo Verde, este artista natural de S. Vicente já atuou com vários músicos de renome. Referiu ainda que há que ter em consideração em primeiro plano a saúde publica, só depois o interesse pessoal.

Blimundo enalteceu as medidas tomadas em prol da vida do cidadão e disse que vai se manter em casa, estabelecendo contacto com os familiares e amigos através das redes sociais. O baterista é um dos co-fundadores do extinto conjunto “Os Gaiatos” juntamente com Tito Paris, Dudu Araújo, Bau, o falecido Biús, Jean-Pierre e Pirilass.

Comportamento negligente

A depreender da afirmação dos nossos entrevistados muitos continuaram a levar a sua rotina normal, pelo menos até o início da semana em curso. Porém, como dizem alguns proprietários desses bares, cafés e restaurantes pertencentes a cabo-verdianos, terão abdicado das suas vidas sociais. 

A opinião de alguns cabo-verdianos radicados em Portugal não é uniforme; há divergências em relação à forma como os elementos da comunidade se têm relacionado com a situação da pandemia do Covid-19 no país de acolhimento, onde já foi declarada “emergência pública”.

Na decurso desta reportagem realizada por meios alternativos, por não ser possível realizá-la pessoalmente a um grupo de cabo-verdianos de diferentes categorias profissionais, alguns consideram que muitos não têm a consciência da realidade deste vírus.

Ângela Rosário, empresária e proprietária de um café na zona do Barreiro, foi mais taxativa ao afirmar que a maioria tem adotado comportamento “negligente”. Muitas pessoas, diz, continuam a viver sem a mínima preocupação para com os cuidados mínimos necessários.

Jorge Ferreira, conhecido por Djodje Tela, residente em Belas, critica por seu lado a forma como o cabo-verdiano tratou o assunto do aparecimento do vírus no mundo e a sua entrada em Portugal. “Como é sabido, o nosso povo é um pouco relaxado e brincalhão. Sem ter a verdadeira noção do problema, há sempre alguma brincadeira como frases do gênero ‘os pretos são fortes’, ‘vamos descê-lo (o coronavírus) com um grogue ou com um cancan’ (tabaco em pó)”, anotou Djodje de Tela, que neste momento apresenta algum pavor em relação ao Covid-19. Enquanto trabalhador e sócio de um pequeno estabelecimento, está ainda preocupado com os salários e com o pagamento das contas. 

A cabo-verdiana Jandira Fonseca, funcionária de um banco francês em Portugal, reside na zona de Fazendas de Almeirim, confessa que a sua preocupação é mais no sentido de ver medidas capazes de conter o Covid-19 e proteger as vidas humanas. “Questões económicas só depois de tratarmos em primeiro lugar das pessoas e dos doentes.”

Em relação aos doentes cabo-verdianos que estão em tratamento em Portugal e, por alguns estarem na lista do grupo de risco, terão de ter cuidados acrescidos. André Gomes, doente renal transplantado, fez saber que segue todas as instruções de segurança. Os serviços do Centro de Acolhimento dos Doentes Evacuados (CADE) limitou os atendimentos, instruindo os utentes a enviarem as receitas e os relatórios médicos por via eletrónica.

A Embaixada vai promovendo orientações em relação aos doentes a seu cargo, para permanecerem em casa. Saídas só em caso excepcionais, como idas a farmácias e mercados e para curto espaço de tempo. A Unidade de acolhimento dos doentes evacuados do sistema não contributivo de Cabo Verde (UADE- CV) na margem Sul, que resulta de um protocolo de Gestão assinado entre a Embaixada de Cabo Verde e CRETCHEU – Associação cabo-verdiana de Almada – já elaborou um plano de contingência com vista a apoiar os doentes e acompanhantes nessa fase difícil da crise sanitária Global. 

Os doentes evacuados e seus acompanhantes não precisam de se preocupar com a deslocação à Embaixada para carimbar receitas e ter acesso a medicamentos, nem tão pouco para receber o subsídio mensal ou outras prestações, garante Ildo Rocha Ramos Fortes, Coordenador Operacional da UADE- CV. Esse responsável informa que o plano de contingência elaborado com o Presidente do CRETCHEU, Sacundino Flor já é do conhecimento da Embaixada de Cabo Verde, assim como todos os utentes dos cinco apartamentos  com capacidade para 30 pessoas. 

9.2 mil milhões de euros “contra” o Covid-19

O Governo Português anunciou um pacote no montante de 9.2 mil milhões de euros para fazer face ao impacto económico do Covid-19 em Portugal. Nesta questão, que pode dar alguma tranquilidade a alguns empresários e trabalhadores, colocam-se ainda interrogações quanto à forma como poderão ter acesso a esses apoios.

Erifica-se ainda um conjunto das linhas de crédito disponibilizadas através do sistema bancário com garantia do Estado, que vão alavancar três mil milhões de euros para as empresas mais afetadas pela (quase) paralisação da economia, devido a luta contra o coronavírus.

Em Portugal os infectados por Covid-19 elevam-se a mais de seiscentos casos de infectados tendo a registar já quatro mortes na Cidade de Lisboa. A Direcção-Geral de Saúde informou ontem de manhã que foram identificados mais 143 casos de Covid-19 nas últimas 24 horas. Na nossa ronda e contatos não apuramos nenhum caso de cabo-verdianos que contraíram a infecção.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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