Caso “Viagem à Venezuela”: MP decide arquivar processo-crime contra Gil Évora e Carlos dos Anjos
O Ministério Público ordenou o arquivamento dos autos que decorriam contra Gil Évora e Carlos dos Anjos por suspeita de terem cometido o crime de usurpação de poderes e passado por alegados emissários das autoridades cabo-verdianas para se encontrarem com Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. O jornal A Nação afirma que teve acesso ao despacho do magistrado Vital Moeda, no qual este Procurador da República conclui que não foi foram apuradas provas de que Évora e dos Anjos tenham ido para Venezuela e passados por emissários do Estado de Cabo Verde.
Como enfatiza o referido magistrado do Ministério Público, os arguidos negaram ter feito isso e assegura que não foram encontradas evidências para provar as suspeitas. Além disso, o despacho salienta que o próprio Governo de Cabo Verde – o único com poderes para credenciar emissários – negou publicamente ter enviado alguém para representar o Estado na Venezuela, ainda mais no âmbito do polémico processo de extradição de Alex Saab.
Quanto a notícias dando conta que os envolvidos estiveram realmente na Venezuela e regressaram a Cabo Verde com seis malas de dinheiro, o MP realça que essas informações não foram apuradas em sede de instrução do processo. O despacho salienta que, pelo contrário, inexiste qualquer evidência nos passaportes dos arguidos, como vistos de entrada e de saída da Venezuela, ainda mais na qualidade de representantes do Estado de Cabo Verde. Aliás, conforme o jornal A Nação, na verão em PDF, o Ministério Público enfatiza que sequer se pode perceber como alguém, por sua iniciativa, possa passar-se por um emissário sem ter uma credencial.
O instrutor do processo assegura que, mesmo que Gil Évora e Carlos dos Anjos tivessem ido a Venezuela que isso não constitui um crime. Isso seria diferente, diz o relator do despacho, se tivessem ido e fingido passar-se por emissários de Cabo Verde. No entanto, o MP estranhou como Évora e Anjos conseguiram viajar numa altura em que as deslocações para o estrangeiro eram limitadas devido as restrições provocadas pela pandemia.
Segundo A Nação, o MP diz que os arguidos foram apanhados de surpresa tanto pela PJ portuguesa como pela cabo-verdiana e nenhuma delas apreendeu-lhes qualquer objecto ilícito. Por outro lado, das buscas efectuadas nas casas e escritórios dos suspeitos e as escutas telefónicas a que foram sujeitos não resultou nada relevante para incriminar os arguidos, conforme o MP.
Diz o despacho que Gil Évora, ao ser ouvido, alegou que tudo não passava de um grande equívoco e que ele e Carlos dos Anjos foram apanhados numa “teia de interesses”. Nas suas alegações, revelou que foi contactado pelo advogado José Manuel Pinto Monteiro, um dos membros da defesa de Alex Saab, que lhe periu apoio na organização de viagens com aviões privados, tendo em conta na altura dificuldades de voos comerciais por causa da pandemia. “Entendeu, porém, que essa missão era incompatível nesse momento por causa das suas funções como PCA da Emprofac, dai ter contactado Carlos Anjos, também com formação ligada à aviação civil, para se ocupar dessa logística. A Anjos Invest passou, então, a ocupar-se dos pedidos de autorização para a vinda de aviões privados com advogados de defesa de Saab e outras questões de logística”, escreve o referido jornal.
Segundo este órgão, sobre a viagem, Évora disse ao MP que teve a ver com situações de recusa de entrada em Cabo Verde de juristas defensores de Alex Saab. “Foi este facto que fez com que a equipa de defesa de Saab convidasse a Anjos Invest a ir para Saint Vincent e Granadina para ver de que forma desbloquariam essa situações futuras”, prossegue, segundo o jornal, o despacho do MP. Évora adiantou que ele foi apenas um convidado para acompanhar Carlos Anjos nessa viagem.
Por seu lado, prossegue o jornal, Carlos dos Anjos confirmou que foi contactado por Évora, que teria sido abordado por Pinto Monteiro para tratar de aspectos logísticos das viagens dos advogados que pretendiam viajar de vários países para acompanharem o processo relacionado com Alex Saab. Isto aconteceu devido a dificuldades encontradas pela defesa de Saab, cujos advogados vinham sendo barrados à entrada em Cabo Verde. Teve, por isso, de se deslocar a Saint Vincent e Granadinas para explicar a situação aos advogados de Saab. Sobre a viagem, adiantou que, como foi contactado por Gil Évora para assumir essa operação logística, e este encontrava-se de férias, resolveu convidá-lo para irem juntos.
Gil Évora avança com processos cíveis no tribunal
Em conversa com A Nação, Gil Évora disse ter recebido a notícia do arquivamento com tranquilidade e a certeza de que a verdade viria à tona, visto que sempre considerou que esse caso não tinha pernas para andar. Segundo Évora, por razões de princípio nunca quis pronunciar-se publicamente sobre o sucedido, enquanto estivesse a decorrer a investigação. Para ele, o que se passou visou desde o início conspurcar o seu bom nome e os que lhe são próximos. “Quis-se maquiavelicamente fazer deste episódio um jogo político numa desesperada tentativa de induzir a sociedade a acreditar que as minhas relações de amizade pessoais pudessem ser invadidas pelo mundo da politica e vice-versa”, declarou.
Segundo Évora, durante estes 18 meses assumiu uma atitude de serenidade e discrição evitando responder às “grosseiras tentativas” de se atacar a sua imagem. Sobre o seu despedimento de PCA da Emprofac dias depois de anunciada essa viagem, Gil Évora afirma que sempre considerou essa medida precipitada. Lamentou, diz, o facto de as instituições, que em regra não se emocionam, acabarem por dar guarida a “falácias”.
Gil Évora afirma que as narrativas postas a circular foram todas elas “fabricadas” em espaços muito bem identificados, com publicação de notícias falsas, divulgadas nomeadamente na imprensa pública, com a suposta intenção de incitar posicionamentos e influenciar decisões, que precipitaram a sua saída da Emprofac.
O ex-gestor da Emprofac assegura que todas as pessoas terão que ser responsabilizadas, em particular o “laboratório” que “fabricou” a notícia e alguns “opinion makers”. Avança deste modo os nomes da TCV que, diz, “sem qualquer contenção, rigor ou esforço pela procura da verdade”, invadiu a sua privacidade e usou o seu passaporte pessoal para abrir uma notícia. Além deste órgão público, Évora adianta que irá processar a opinion maker Rosário Luz, que “vilipendiou” o seu nome na rádio, no seu blog e no Facebook. Nos Estados Unidos, o alvo de Gil Évora será o jornal El Nuevo Herald, que, diz, tem sede em Miami e está ligado à extrema direita venezuelana, por ter “inventado” a notícia dos “enviados” do Governo para o encontro com Nicolás Maduro e das seis malas cheias de dinheiro. Évora garante que já contactou uma firma de advocacia norte-americana e vai pedir 2,5 milhões de dólares de compensação por danos morais e difamação.
Recorde-se que, logo na sequência das notícias dando conta da suposta viagem de Gil Évora e Carlos dos Anjos à Venezuela, Évora foi demitido no dia 21 de agosto de 2020 pelo Governo do cargo de PCA do Conselho de Administração da EMPROFAC. Em comunicado, o Executivo informou que, “ao abrigo da Deliberação Unânime nº27 de 21/08/2020, do acionista único, Estado de Cabo Verde, da EMPROFAC, SA, foi procedida à demissão, com efeitos imediatos, do cargo de PCA do Conselho de Administração da EMPROFAC, SA o Dr. Fernando Gil Évora”. O governo justificou essa demissão “em consequência da violação dos deveres inerentes ao gestor público e desvio da finalidade das funções”.