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A1Opinião

Percursos sinuosos (I)

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  • Por José Manuel Araújo

Não pretendo aqui fazer a defesa a favor ou contra os temas que nos últimos tempos têm estado no centro do debate em Cabo-Verde: o “centralismo”, o “estatuto especial para Praia”, a “regionalização/autonomia” e sempre e quando convém, o “bairrismo”. 

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Restrinjo-me simplesmente a uma curta listagem de meros factos, reveladora de iniciativas e comportamentos, bem como as respectivas posições e opiniões de suporte, emitidas em afirmações, comentários e análises feitos nos diferentes espaços de comunicação, quais são o parlamento, o governo, livros editados, a comunicação social do Estado, entre outros.

No início dos anos 80 do século passado, ainda que com frequência e exposição quase clandestinas, já se ouviam vozes denunciando o que interpretavam como sinais duma derivação relativamente a um entendimento do conceito de capital pouco compatível com a anunciada ambição dum desenvolvimento com abrangência nacional, equilibrada, equitativa e justa. 

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Quase 20 anos depois, em 1999, sem nada ainda ter sido feito no sentido de tentar corrigir os sinais detectados 20 anos antes, inscreveu-se na constituição da república, a lei do estatuto especial para a cidade da Praia.

Intencionalmente ou não, quando se começa a ver sinais (falsos ou verdadeiros tanto faz) de concordância generalizada com a ideia da descentralização, coincidentemente essa lei surge com o condão de servir factualmente e preventivamente como instrumento de inversão a prováveis eficazes resultados de qualquer iniciativa descentralizadora.

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Os regionalistas sempre contrapuseram ao insistente argumento dos custos da capitalidade, dizendo:

(I) que não são as funções e responsabilidades inerentes à condição duma capital que conduziram a essa pressão e constrangimentos sobre o município da Praia;

(II) Que se é verdade que tais funções anexam custos diferentes e maiores aos das restantes ilhas, também elas geram benefícios diferentes e muito maiores aos das restantes ilhas;

(III) Que ganhos económicos, culturais, de visibilidade, de operacionalização de interesses, de lobbies, de desenvolvimento e de oportunidades, replicados a todas as esferas e sectores, aufere Praia com a instalação e funcionamento permanente dos escritórios das Nações Unidas, da União Europeia, das várias representações diplomáticas, da presidência da república, do parlamento, de cada um dos ministérios, dos tribunais constitucional e de contas, do supremo tribunal de justiça, da procuradoria-geral da república, das inúmeras federações desportivas, bem como de todas as instituições afins e complementares, para além de conferências e congressos, fóruns e simpósios nacionais e internacionais?

Por isso os regionalistas sempre defenderam que essa pressão sobre a cidade da Praia não é uma consequência dos normais custos da capitalidade óbvios em qualquer país mas sim, dum centralismo paralelamente instalado e desenvolvido e quase institucionalizado, fruto dum aproveitamento, duma interpretação e duma manipulação, mesmo que inconscientes, retrógrados na percepção dum conceito de capital que dá cobertura e legitimidade a todo o tipo de actos, medidas, discursos e argumentos centralizadores.

E com este enquadramento os regionalistas defendem a regionalização por considerar que ela contribui eficientemente para matar os dois coelhos (resolver os dois problemas) com uma só cajadada:

– Por um lado promove a justiça e o equilíbrio (e não a “igualdade” que seria injusta pois Santiago tem de receber mais assim como tem de ter mais problemas e assim por diante) na repartição da riqueza nacional e na redução das assimetrias regionais;

– Simultaneamente, por outro lado reduz em muito essa pressão que obriga a cidade da Praia a ter de pedir um estatuto especial e, diminuindo essa pressão, esse estatuto que aumenta o centralismo e vai na contramão do que é saudável para o país, deixa de ser necessário. 

Mas também, foi assim que entre aqueles que são contra a regionalização e a favor do Estatuto especial, para fundamentar essa sua posição contra a regionalização e em defesa duma descentralização à sua maneira, um ex presidente da câmara da Praia, fazendo uso dum vocabulário muito convincente e apetecível pela carga de nobreza e assertividade que aparentemente transportava, argumentou que num país que deve e tem de ser solidário e subsidiário, devia-se desenvolver políticas que proporcionassem uma participação mais justa e equitativa das diferentes ilhas e regiões na construção do PIB nacional, isto é, que retirasse de quem tem mais para disponibilizar a quem tem menos, ilustrando a ideia com o exemplo chocante de termos três ilhas (Santiago, Sal e S.Vicente) com 79% do PIB e só 21% repartidos por seis ilhas.

Esse discurso com rosto nobre e verdadeiro, veda os olhos de muita gente sobre o que lhe fica por detrás e por dizer e esclarecer. Isto é, trata-se duma armadilha.

É que sendo verdade, apetecível e por isso convincente, é entretanto perverso relativamente à intenção de nobreza e justeza exibida, quando, qual cortina de fumo, nos impede de vislumbrar uma outra verdade essa sim, verdadeiramente clarificadora da realidade cabo-verdiana: Santiago tem 53% do PIB, S.Vicente 15% e Sal 11% (os tal 79% por ele referidos). 

Assim com essa lupa, facilmente se constata que num equilíbrio regional conseguido a partir desses 79% considerado como um todo, S.Vicente e Sal (com 15% e 11% respectivamente) perderiam do seu PIB em prol duma aproximação relativamente às restantes ilhas mas também e é aqui o truque, que, ao compartilharem essa perda dentro dum pacote que as insere propositadamente na mesma condição (de ilhas favorecidas) que Santiago, as duas estariam a ser usadas também para serviriam de almofada às perdas de Santiago que, após revelados os seus 53% que foram escondidos dentro dos 79%, demonstra ser a única ilha que verdadeiramente se encontra fora de qualquer lógica de justiça e solidariedade nacionais, até na sua má repartição interna com Santiago Norte.

Resumindo, S.Vicente e Sal com 15% e 11% do PIB respectivamente (podia ser 8% ou 12% ou 10% tanto faz) não estão a contribuir para o aprofundamento das assimetrias regionais pois, estão com um PIB normal para o contexto das ilhas (a média aritmética seria 11%) pelo que, englobá-las no exemplo, é perverso e oportunista.

Se temos seis ilhas com um PIB tão residual, pondo de lado todas as artimanhas, as causas serão facilmente encontradas na obesidade dos 53% do PIB de Santiago, isso sim, chocante.

E foi essa revelação que a nobre e convincente narrativa do ex presidente conseguiu esconder com a eterna cobertura da TCV do Estado de todos os cabo-verdianos, que não teve a iniciativa do confrontar com este outro uso e tratamento dos dados estatísticos, este sim fundamental, já que pela sua abordagem, no limite ele até poderia defender liminarmente a não existência de assimetrias regionais no país, demonstrando com outra verdade, a de que todas as 9 ilhas juntas contribuem com 100% do PIB Nacional.

E de novo ele, mais recentemente coloca-nos perante a aparentemente ingénua, vitimadora mas perigosa e insinuante pergunta: “Que prejuízo um estatuto especial para Praia provocaria à população de S.Vicente”? 

Será mesmo necessário esclarecer que criaria e acentuaria os desequilíbrios já existentes no país entre Praia e as restantes regiões, na sequência do longo centralismo pós independência?

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Porquê tentar sempre vestir toda a legítima intervenção de S.Vicente para com o país (prerrogativas abertas a todas as ilhas), com a capa de qualquer propósito bairrista de ser contra Praia?

Se é bairrismo, por tudo e por nada tentar chapar S.Vicente com o rótulo de bairrista por defender vigorosamente os seus pontos de vista, acreditamos que isso não resulta duma pura maldade contra S.Vicente mas sim, um recurso para contornar a falta de argumentos convincentes que superem os argumentos de S.Vicente, através da chantagem que denigre e por esta via desvalorize as posições da ilha do Monte Cara perante o país inteiro.

Com esse tipo de procedimentos, como será possível fazer qualquer debate construtivo e esclarecedor sobre assuntos tão importantes para o país?

Continua…

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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