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MIM (Made In Mindelo), “Manjaco”!

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Por: Nelson Faria

A propósito de ver tendências racistas nestas ilhas, particularmente de gente com responsabilidades grandes, remeto-me a pensar, uma vez mais: quem julgamos que somos? Entenderão mais adiante…

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Tal como os meus irmãos, sou “made in Mindelo”, o meu pai nunca pôs os pés no Senegal e a minha mãe, vinda de emigração, de Itália, tentava voltar novamente à Europa, via Senegal, grávida de mim que acabei por lá nascer. Os meus pais e avós são, todos eles, cabo-verdianos, nascidos nestas ilhas, com todas as misturas do mundo… e das ilhas. Após nascer, com apenas dois meses de vida, regressei ao lugar onde fui feito, Mindelo, para ser o que sou, com tudo o que cabe de defeitos e qualidades na minha interação com o meio. Teve de ser também por ela ter deixado outro filho antes de ir, o meu irmão mais velho. Com dois filhos, nas circunstâncias em que se encontrava, regressou. Nem dois anos depois, veio o terceiro filho. Assim ficamos, três filhos da mesma mãe e do mesmo pai, todos feitos em Mindelo, sendo eu o único que nasci no continente africano – Senegal.

Razão essa que custou e tem custado muito ao longo desta caminhada. Quando criança não frequentei o pré-escolar por não ter certidão de nascimento, apenas uma cédula, todavia, felizmente, contei com avós excepcionais (Avô Júlio de São Nicolau e avó Margarida de Boa Vista) que são as minhas maiores referências. Entrei tarde na escola, mas avancei rápido pelo preparo dado, sobretudo pelo meu avô paterno e pelas magníficas professoras da escola primária. Para entrar no secundário foi nova chatice por causa de documentos. Felizmente conseguidos, sendo que até o passaporte acabou por ser feito devido a um prémio de uma viagem escolar para Portugal. Mais tarde, nova viagem para Portugal, com esse documento, por razões desportivas em representação da Seleção de São Vicente de futebol de sub-15.

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Após finalizar o secundário fui agraciado, a ferros, com uma bolsa de mérito que me permitiu ir para Portugal estudar. Qual o meu espanto, no regresso dos estudos, tentando apenas atualizar a minha documentação, fui “obrigado” a pedir nacionalidade Cabo-verdiana, com todos os custos burocráticos, financeiros e emocionais de então porque tinha nascido em lugar que não era Cabo Verde, mesmo que tenha sido registado o meu nascimento na Embaixada de Cabo Verde no Senegal, mesmo que já tinha tido o BI e passaporte emitidos e atualizados por mais de uma vez, mesmo que já tivesse representado Cabo Verde de várias formas, mesmo que fosse cabo-verdiano com tudo. Confesso, na altura, agonizou-me um bocado e não parei de questionar o porquê, mesmo percebendo que se tratava de mais uma aplicação das leis copiadas da “metrópole”, sem considerar o que é a realidade deste país, para que deputados parecessem ser os iluminados.

Falando em deputados, esta é a razão deste texto. Para me afirmar “manjaco” caso “os puritanos” quiserem, por ter nascido no continente africano. Como vêm, não me torna nem mais nem menos Mindelense ou cabo-verdiano que nenhum outro, nem mais nem menos ser humano que nenhum outro… Outra pergunta é: de onde é o “puritano”, o “puro” cabo-verdiano senão uma mistura do mundo, sobretudo do continente? Quantos cabo-verdianos não nasceram e não nascem no mundo? Quantos não nasceram no continente africano, quantos foram obrigados ao procedimento de requerer nacionalidade por simplesmente terem um local de nascimento que não as ilhas, mesmo com documentação válida antes emitida? Por incrível que pareça, com praticamente toda a minha vivência em São Vicente, já fui “discriminado” com expressão “manjaco” por constar no meu BI o local de nascimento, o que sempre dei de barato.

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Mas, mais relevante que a origem do cabo-verdiano é a essência de humanidade que cabe em cada um de nós, a nossa capacidade de ver que ninguém é mais que ninguém por local de nascimento, raça, cor, religião, orientação sexual e outras banalidades de diferenciação criados pela ignorância de quem falta discernimento, lucidez e empatia, deixando-se afogar na estupidez humana, que é deveras infinita. Eleitos locais ou nacionais, em que papel for, com mentalidade mesquinha, baixa a esse ponto, a mim não representam. Já agora, aos deputados, tentem conciliar leis de nacionalidade com a realidade dos cabo-verdianos e sua origem: o mundo. Uma certeza tenho, pelas leis, nunca poderei ser candidato à Presidência da República por não ter nascido em território nacional. Eu e mais uns quantos. Se calhar, muitos. Ao contrário, o meu irmão, da mesma mãe e do mesmo pai, por ter nascido nas ilhas sempre poderá fazê-lo.

O racismo e a xenofobia não podem caracterizar um país que foi parido pela mistura de povos, de raças, de religiões, de mistura do mundo, sobretudo, não pode ser debitado por gente com responsabilidades elevadas. A acontecer, para mim, seria razão mais que suficiente para exoneração de cargos, mas, como questões essenciais são secundarizadas pela partidarização aguda, sei que, infelizmente, nada será alterado.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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