Bruna Rodrigues passou por uma experiência no hospital de S. Vicente, que, para ela, é um caso de discriminação motivada pelo puro facto de sofrer de nanismo. Segundo esta jovem de 22 anos, procurou o serviço de urgência na semana passada, esperou por sete horas, não foi vista pela médica de serviço e foi obrigada a suportar comportamentos “discriminatórios” cometidos alegadamente pelo recepcionista e uma enfermeira. A moça, que estava com dores de barriga, fez duas reclamações por escrito, ficou de ser recebida pela direção do HBS na passada quarta-feira, mas tal nunca aconteceu. Decidiu divulgar esse caso através do Mindelinsite, pois, para ela, é inconcebível que um serviço de saúde pública tenha funcionários que tentam atingir a auto-estima de pessoas só por causa da sua condição física.
Bruna Rodrigues chegou à Urgência do HBS por volta das 13 horas do dia 31 de maio e tudo começou a decorrer na normalidade. Meia hora depois foi atendida por uma enfermeira, que a mandou aguardar na sala de espera. Entretanto, o tempo foi passando e ela contando as horas. Enquanto isso começou a notar que o atendimento dos pacientes não estava a seguir a “norma”, isto é respeitando a hora de chegada e a prioridade aos idosos. Observou que algumas pessoas usavam “esquemas” – como o caso de um homem que fingiu ir para a casa-de-banho e ficou dentro da sala que dá acesso ao gabinete da médica de plantão – e outras pessoas que foram passadas à frente dela. Mas, resumidamente, de nada serviu as suas chamadas de atenção.
Quatro horas depois, e com as dores persistindo, resolveu contactar a enfermeira que a atendeu e saber por quê ainda não foi vista pela médica de plantão. Ela disse-lhe apenas para “esperar”.
Nesse meio tempo, chegou uma jovem a gritar de dores e foi logo encaminhada para atendimento médico. “Eu voltei a reclamar, dizendo que não podem funcionar à base de ‘padrinhagem ou dar atendimento a quem grita mais alto. Pelos vistos, quem controla as suas emoções não tem vez”, comenta a moça.
Inconformada com a sequência de coisas “anormais” que estava acontecendo, enquanto ela era ignorada, Bruna Rodrigues decidiu protestar por escrito. Pediu o livro de reclamação e lavrou um primeiro protesto denunciando a forma de atendimento.
O tempo foi passando e Bruna completou cinco horas à espera, e com fome. Viu a enfermeira que a atendeu e voltou a falar com ela. A mesma resposta: tem que esperar. “Respondi-lhe que não tenho que esperar, mas sim ser atendida. Que estava à espera havia 5 horas, sem comer e lembrei-lhe que são os próprios profissionais da saúde que aconselham as pessoas a não ficarem tanto tempo sem comer”, desabafa a jovem.
Segundo Bruna, sempre que presenciou situações anômalas abordou tanto o ficheiro como o segurança, mas estes nada fizeram. “Sempre diziam que o assunto não era da competência deles, para falar com a médica. Entretanto, quando pedia para ir ter com a médica eu era impedida”, revela a jovem.
“Uá, nem tamonhe ela tem!”
O caldo voltou a entornar quando Bruna Rodrigues resolveu lavrar a sua reclamação. Como conta, enquanto escrevia, uma enfermeira saiu da ala de triagem e disse em voz alta: “Olha ela a fazer uma reclamação, nem tamanho ela tem! Se não tivesse reclamado até que podia dar-lhe um expediente para ser atendida!”
Esta frase bateu fundo no peito da jovem, mas, diz, preferiu engolir a ofensa. “Apenas respondi que não estava à procura de nenhum tratamento previligiado, apenas queria ser vista por um médico como é meu direito”, diz Bruna, que decidiu fazer mais um protesto por alegado acto discriminatório.
Só que, quando tentou saber o nome da enfermeira e da médica de serviço, ninguém soube dizer-lhe. “É impressionante como dão cobertura uns aos outros”, frisa a jovem, que decidiu, desse modo, reclamar contra o plantão de serviço.
A dado instante, Bruna Rodrigues viu a médica e aproveitou para falar com ela. Só que, para seu desalento, de nada serviu essa abordagem. “Expliquei-lhe que estava lá havia mais de 5 horas, que estavam a passar pessoas à minha frente e ela pura e simplesmente respondeu que ela não tinha nada a ver com isso, para ir tratar o assunto com o recepcionista”, conta a estudante universitária.
Para ela foi a gota de água. Triste, com a auto-estima abalada, não conteve as lágrimas. Bruna Rodrigues sentiu que o problema era ela, ou melhor, o facto de sofrer de nanismo, uma doença que impede o crescimento normal dos afectados. “Olham-nos de cima para baixo e nos julgam menos gente. Quando pedi o livro de reclamação ficaram com cara de surpresa, julgando que sou analfabeta”, comenta a jovem, que está no terceiro ano do curso superior de Línguas e Relações Empresariais e já foi aluna de mérito por dois anos lectivos consecutivos na UniMindelo.
Apesar de abalada, Bruna Rodrigues decidiu ir em frente e entregar as duas reclamações. Após esperar por quase sete horas, a jovem telefonou ao pai para a ir buscar. Regressou à casa sem ser vista por um médico e com a auto-estima ferida. “Se eu fosse fraca poderia cometer suicídio ou então deixar de ir para o hospital com medo de voltar a ser discriminada por causa da minha aparência”, realça a moça, que lida normalmente com o nanismo. Como diz, é uma pessoa normal, ponto final.
Bruna Rodrigues deixou lavradas duas reclamações, mas tem dúvidas se elas irão merecer tratamento. Primeiro porque, diz, deram-lhe uma fotocópia sem a mínima qualidade. Desse modo, pediu ao recepcionista para assinar uma nota dando conta que recebeu as reclamações e este negou fazer isso. Logo, duvida se terão seguimento. Além do mais, prossegue, disseram-lhe que seria recebida na passada quarta-feira pela direção do HBS, coisa que ainda não aconteceu.
O Mindelinsite tentou desde ontem abordar a directora do HBS sobre esta questão, mas não recebeu qualquer reação até este momento. O jornal fica disponível para ouvir a versão do hospital quando for possível.