Por Dann Andrade
Este artigo visa chamar a atenção dos utentes dos serviços de saúde pelo enorme desgaste psicológico e físico que os profissionais de saúde são acometidos na presente conjuntura. Vamos tomar como exemplo uma enfermeira do Hospital Dr. Agostinho Neto, na cidade da Praia, a quem decidimos atribuir o nome fictício de Maria.
A rotina laboral de Maria começa às 8 horas da manhã e prolonga por vezes até as 20 horas. Ao entrar no hall de entrada do hospital onde faz o seu registo biométrico, faz as suas preces à Deus de forma silenciosa e segue o trajeto até o seu posto, cumprimentando os colegas com quem vai se cruzando, tomando as precauções que o momento exige.
Como ela, todos os profissionais de saúde que trabalham nos hospitais, centros e delegacias de saúde, são confrontados diariamente com situações de doenças, sofrimento e morte. Para muitos essa rotina, algo nefasta, com o tempo acaba sendo algo normal e aceite por esses profissionais, sem os afectar emocionalmente. Ou seja, criam uma espécie de escudo subjetivo que inibe a sua função afetivo-emocional, transformando-lhes em seres mecânicos, sem sentimentos.
Não, completo equívoco.
O dia-à-dia desses trabalhadores é feito de uma miscelânea de sentimentos ambivalentes e sequenciais que alteram, a todo o momento, o seu estado de espírito. Se, por um lado, ajudar uma parturiente a trazer ao mundo um bebé traz satisfação, ver um paciente falecer após várias tentativas de o manter vivo, constitui algo frustrante e angustiante para a equipa. Se aliviar uma mãe de uma mastite eleva o sentimento de utilidade do serviço que presta, o mesmo não se pode dizer quando, em outras situações, não se é bem sucedido em uma intervenção.
Isso para não falar da carga emocional ligada à enorme demanda e intensa atividade profissional, bem como pela pressão exercida pelos utentes, pelas chefias, aliada à exigência mor que caracteriza a profissão, que se resume no dever de salvar vidas.
Com o advento da pandemia do Covid-19, as coisas agudizaram-se com repercussões físicas e psicológicas sem precedentes na história do homem.
Outrossim, o receio de contraírem uma infecção qualquer, de carácter viral ou bacteriana é constante, visto que lidam com toda a sorte de enfermidades. Mais inquietante se torna esse sentimento diante da iminência do risco de se transformarem em potenciais agentes de contágio. Para aqueles que têm uma família em casa que pode ser um recetor passivo, a ideia que carrega em como pode constituir-se em ameaça aos entes queridos, acaba sendo um factor de stress inibidor de uma existência sã e uma convivência harmoniosa com as pessoas que compõem o agregado familiar.
Diante desse somatório de elementos estressores que enformam uma importante carga biopsicossocial com caráter nocivo, não é de se estranhar que os profissionais de saúde constam das estatísticas, à nível mundial, como os que mais são acometidos com o síndrome de Burn out.
Reportando à Enfermeira Maria, alvo da nossa análise, é notória a grande preocupação subjacente a essa condição de prestadora de serviço de saúde que lhe confere essa susceptibilidade de ser uma potencial retransmissora de eventuais enfermidades. Isso é refletido nos cuidados que ela tem ao chegar em casa, sobretudo nas atuais circunstâncias epidemiológicas.
O medo de transportar microorganismos captados em ambiente hospitalar através de roupas, sapatos, sacos de mão e outros objetos, fê-la adotar medidas de prudência pouco comuns como entrar em casa pela porta traseira, onde deixa os sapatos e roupas e dirigir-se a um banheiro improvisado no quintal para se banhar antes do contacto físico com os familiares.
Ainda assim, o medo de trazer alguma doença para casa prevalece porque os meios de propagação de vírus e bactérias não se resumem ao contacto com os objetos que utilizou no seu posto de trabalho.
É, pois, de toda a justiça tirar o chapéu a toda a classe de profissionais de saúde, indiscriminadamente.