Estudo regional em biogeografia marinha, liderado pela Uni-CV, reestrutura a normativa “Macaronésia” e aponta Cabo Verde como unidade singular
Um estudo com foco especial em Cabo Verde (https://www.nature.com/articles/s41598-019-51786-6 de acesso livre) foi publicado no dia 05 Novembro 2019 na revista Scientific Reports, filial da prestigiada revista científica britânica interdisciplinar – Nature, com um elevado factor de impacto mundial. O manuscrito em formato de artigo científico original foi considerado novo e paradigmático em Biogeografia regional.
Este trabalho de compilação e síntese de 3 anos é fruto de uma investigação colaborativa de 24 autores especialistas multidisciplinares de 28 instituições provenientes de 8 países, maioritariamente de Portugal e Espanha. Teve a assinatura e primeira autoria da Universidade de Cabo Verde em Mindelo através do biólogo marinho e investigador Rui Freitas, que ainda co-assina pela Universidade de Vigo, Espanha onde completa seu doutoramento. O estudo foi coordenado pelo biólogo Rui Freitas, pela botânica terrestre Maria Romeiras da Universidade de Lisboa e contou com o reforço imprescindível do paleontólogo marinho Sérgio P. Ávila da Universidade dos Açores (autor correspondente).
Os arquipélagos dos Açores, Madeira, Selvagens, Canárias e Cabo Verde são largamente unificados sob o termo “Macaronésia” que foi inicialmente cunhado pelo botânico inglês Philip Barker-Webb em 1845 por reconhecer afinidades na flora. O recente estudo propõe essencialmente uma nova reestruturação da unidade biogeográfica da Macaronésia através de uma abordagem marinha multi-táxons, ou seja, utilizando informação (presença/ausência) e listagens da flora e fauna marinhas exaustivamente actualizadas para esses arquipélagos.
Por outras palavras, investigou-se a coerência e a validade da Macaronésia como uma unidade biogeográfica usando seis grupos marinhos com ecologia de dispersão muito diferentes: peixes costeiros, equinodermes, moluscos gastrópodes, crustáceos decápodes, anelídeos poliquetas e macroalgas. O estudo permitiu elucidar a falta de suporte para o conceito actual da Macaronésia como uma unidade biogeográfica marinha coerente, uma vez que todos os grupos marinhos estudados sugerem a exclusão de Cabo Verde dos demais arquipélagos da Macaronésia e, portanto Cabo Verde, traduzido pelas suas raridades, endemismos e singularidades, deverá subir de rank e receber um novo estatuto de uma Sub-Província da biogeografia marinha mundial.
Além disso, as ilhas de Cabo Verde (Oceano Atlântico central) e a zona de ressurgência do Saara(Atlântico leste tropical) foram consideradas, desde 2007, pela bioregionalização das zonas costeiras mundiais, duas eco-regiões marinhas que estão incluídas na Província marinha “Transição da África Ocidental”. Por decorrência foi proposto redefinir a velha província biogeográfica Lusitânia, na qual foi reestruturado agora quatro eco-regiões: a Plataforma Atlântica do Sul da Europa, o Upwelling saariano, os Açores e uma novidade aqui duma nova eco-região denominada de Webbnesia, que compreende agora os arquipélagos da Madeira, Selvagens e Canárias.
Assim, o estudo veio reforçar que o ambiente marinho costeiro do arquipélago de Cabo Verde possui uma fauna singular, caracterizada por uma rica diversidade. E devido à sua riqueza, Cabo Verde já tinha sido considerado como um dos 10 pontos quentes da biodiversidade marinha mundial, desde 2002, caracterizando-se pela presença de vários endemismos sujeitos a fortes ameaças. Cabo Verde diverge consideravelmente dos outros grupos de ilhas da Macaronésia e essa singularidade confirmada, com impacto na ciência mundial, requer agora especial atenção por parte das autoridades nacionais e organizações de investigação e conservação.
Classificação biogeográfica dos arquipélagos da Macaronésia. A Província da Lusitânia inclui a eco-região dos Açores, a eco-região de Webbnesia (que integra os arquipélagos da Madeira, Selvagens e Canárias), a eco-região da Plataforma Atlântica da Europa do Sul e a eco-região de ressurgência do Saara. A Província de Transição da África Ocidental inclui a sub-província de Cabo Verde e a eco-região da ressurgência do Saara.