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Psicóloga Marla Lopes: “O estado de saúde mental das mulheres-mães está fortemente ligado ao estigma social”

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Por: Maria de Lourdes Jesus

No âmbito da campanha “Maio Furta-cor”, a comunidade cabo-verdiana participou no dia 26 de maio, em Roma, numa palestra sobre “A saúde Mental e Materna”. O encontro foi organizado pelas associações Caboverdemania, Amigos de Soncente e Tabankaonlus, com a psicóloga clínica Marla Lopes. Segundo a análise da Dra. Marla Lopes, o estado de saúde mental das mulheres-mães está fortemente ligado ao estigma social.

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 Quando se trata de abordar temas à volta da saúde mental, quase sempre depara-se com uma forte resistência numa boa parte da sociedade. Essa resistência pode também transformar-se em tabu, quando abrange a componente materna. Por conseguinte, e não obstante o aumento do estado de angústia, de ansiedade, depressão, e até casos de suicídio pós-parto das mães, a população não está suficientemente sensibilizada para enfrentar as causas que estão na base do sofrimento mental das mulheres-mães. Marla Lopes esclarece melhor o que se entende hoje por “saúde mental materna”:

Qual é o significado da campanha “Maio furta-cor” e quais são os objetivos que pretende atingir?

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Maio furta-cor é uma campanha sem fins lucrativos, democrática e apartidária que surgiu no Brasil em 2020 com o intuito de sensibilizar a população em geral para a causa da saúde mental materna. A campanha tem como objetivos sensibilizar a população para a causa da saúde mental materna, promover ações de conscientização em saúde mental materna, baseadas em evidências científicas; estimular a construção de políticas públicas de saúde para as mulheres- mães;

Quais são as razões do seu envolvimento nessa campanha?

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Como mãe e psicóloga, eu não poderia deixar de assumir esta causa. A saúde mental das mães recebe pouca ou nenhuma atenção e no momento atual vemos cada vez mais as mulheres com grandes sobrecargas que, na sua maior parte, estão ligadas as demandas da maternidade, o que faz com que elas tenham comprometimentos no seu estado emocional e psicológico. Esta é uma causa importante e todos nós temos um papel fundamental aqui, e o primeiro passo é quebrar essa romantização da maternidade e normalizar a maternidade possível para cada mãe.

Esses padrões criados para a maternidade só fazem com que as mães sofram tentando enquadrar-se, quando na verdade cada mãe é única e individual. A maternidade é algo bonito, mas não podemos esquecer do grande desafio que é a das dificuldades enfrentadas por cada mãe. É urgente que a população abrace esta campanha, todos nós temos uma mãe ao lado que precisa do nosso apoio, é extremamente importante focar nas mães e naquilo que sentem enfrentando esse processo que é a maternidade.

É a primeira vez que a comunidade cabo-verdiana participa numa palestra sobre a saúde mental. Qual foi a reação dos participantes?

Sendo a primeira vez que a população cabo-verdiana aqui em Roma se reúne para falar de saúde mental, a reação não poderia ser a melhor. Falar de saúde mental sempre é um desafio por causa do tabu a volta deste tema, mas as pessoas presentes mostraram-se abertas e bastante recetivas. Fiquei realmente satisfeita com este encontro e com o interesse dos convidados, houve algumas intervenções da parte dos participantes que só enriqueceram o debate, espero que tenhamos mais encontros sobre este tema, que merece toda a nossa atenção.

Como é concebido hoje em Cabo Verde o tema da saúde mental? Está ainda ligado ao estigma social?

A saúde mental em Cabo Verde, no meu entender, precisa de mais atenção, é necessária uma compreensão mais profunda sobre este assunto precisa-se entender que sem saúde mental não há saúde, que para este assunto não se deve descurar esforços para que ela tenha realmente a atenção que merece. O estigma infelizmente sempre existiu à volta da saúde mental, há uma grande confusão, penso que muitos confundem doença mental com saúde mental e daí surge ainda mais resistência ao assunto.

Vale ressaltar que temos vindo a ter algum progresso, mas a caminhada ainda é longa, porque mudar mentalidades não é um trabalho fácil, e nesse sentido sinto que a saúde mental em Cabo-Verde ainda tem um longo percurso a percorrer até que em algum momento receba a importância que merece.

Que formação é essa de Psicóloga Clínica e onde exerce a sua profissão?

A Psicologia é uma área vasta, e dentro dela existem várias áreas de atuação, e a psicologia clínica é uma delas, ou seja, a psicologia clínica é uma área da Psicologia. A psicologia clínica dedica-se a investigação, avaliação, diagnóstico, intervenção, prevenção das questões que afetam a saúde mental. Antes da mudança para a Itália trabalhava numa clínica em Cabo-verde, São Vicente, hoje trabalho com atendimentos online.

A Dra. Marla Lopes vive em Itália com a sua família faz pouco tempo. Como vê a sua inserção no seio da comunidade cabo-verdiana e na sociedade italiana?

Há um ano mudei-me para a Itália, essa mudança foi por motivos vários desde família, a busca de mais conhecimentos na minha área de profissão. Sinto-me acolhida desde que cheguei aqui, mas confesso que a adaptação não é fácil. Posso dizer que só agora iniciei este processo de inserção realmente tanto no seio da comunidade cabo-verdiana como na sociedade italiana, aos poucos vou conhecendo as pessoas, a dinâmica da nossa comunidade, entendendo mais sobre a sociedade italiana e a interação vai acontecendo. Sinto que estou construindo as minhas relações tanto com os cabo-verdianos aqui, mas também com a sociedade italiana.

Como consegue conciliar as duas culturas na educação da sua filha de 5 anos?

A minha filha vive dentro da cultura cabo-verdiana. Em termos de língua falo com ela em crioulo, pois quero que ela fale as duas línguas. No jardim de infância, estando em contacto com o ambiente italiano, aprendeu muito cedo a língua. É incrível. Num ano ela aprendeu a falar italiano como se fosse a sua língua de origem.

Qual é a sua relação atual com Cabo Verde?

A minha relação com o meu país é excelente, saí dali há tão pouco tempo, mas já penso em voltar para reaver todos aqueles que ali deixei, a minha família, amigos, colegas de profissão, enfim. Pretendo voltar em breve para fortalecer alguns laços principalmente no campo profissional. É importante para mim manter o contato com a Psicologia em Cabo-verde, mesmo de longe vou acompanhando pois o que mais quero é dar o meu contributo para a minha ciência e para a saúde mental em Cabo-Verde.

Que visão tem do seu futuro?

A minha visão do futuro em termos profissionais é de, em algum momento, voltar para Cabo Verde e contribuir para a valorização da Psicologia e dar todo o contributo possível a esta ciência tão importante. É claro que, como profissional, tenho projetos, mas no momento estou focada no meu trabalho e em buscar cada vez mais conhecimentos na minha área. Este é o caminho a ser percorrido para que em algum momento consiga concretizar os meus projetos no futuro.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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