Os alunos e professores do 10. ano de escolaridade vão passar a dispor de um Manual de Filosofia, o primeiro a ser elaborado e produzido por um autor cabo-verdiano, para servir como material de estudo e de pesquisa. O trabalho – que traz referências a figuras e contos cabo-verdianos, ideia que começou a germinar em 2016 no espírito do pesquisador cabo-verdiano Arlindo Rocha – já está entregue à Autografia Editora, no Brasil. A primeira tiragem será de apenas 50 exemplares e deve estar pronta dentro de 4 meses.
“Após a publicação de cinco obras no Brasil, decidi aventurar-me novamente, desta vez com o propósito de criar algo que, certamente, impactará o ensino e a aprendizagem da Filosofia em Cabo Verde”, diz esse antigo professor do ensino secundário em Cabo Verde, formado no ex-Instituto Pedagógico. Este docente, doutorado em Ciência da Religião no Brasil, estima que Cabo Verde passará a dispor do seu próprio Manual de Filosofia em 2024, após décadas usando trabalhos de autores portugueses e brasileiros.
A obra foi desenvolvida aos poucos com o importante suporte de colegas do Curso de Licenciatura no Ensino da Filosofia de 2011 e que conhecem muito bem o sistema educativo cabo-verdiano. Esta ajuda, segundo o autor, foi crucial para poder elaborar um livro de apoio adaptado à actual revisão curricular implementada pelo Ministério da Educação. Explica, aliás, que teve de aguardar um tempo para ficar a par das novidades, de modo a preparar um trabalho não desfasado da realidade.
Neste processo, este pesquisador licenciado em Filosofia tentou apresentar o seu projecto ao Ministério da Educação, mas sem sucesso. Explica que, após finalizar o Manual, entrou em contacto com algumas autoridades em Cabo Verde, em particular com o ministro da Educação Amadeu Cruz, com o intuito de oferecer uma versão final para ser analisada pela equipa técnica do ME. “Imperou, no entanto, o silêncio, como era de se esperar”, lamenta este estudioso cabo-verdiano residente no Brasil, que afirma ter sido também ignorado pelo Delegado do ME na ilha de S. Vicente, apesar de ter apresentado as suas referências académicas como ex-professor do ME, pesquisador e autor de várias obras e artigos.
Apesar dos contratempos, Kula, como é conhecido, manteve a sua bússola activada e hoje, quase sete anos após ter tido a ideia, sente-se realizado. A próxima etapa é colocar o manual no mercado cabo-verdiano. Para o efeito, e ciente dos custos com o transporte dos livros do Brasil para Cabo Verde, fechou acordo com a referida editora brasileira para permitir a impressão por uma gráfica no arquipélago.
“Quero que os estudantes tenham acesso ao material a um custo justo. O manual apresenta muitas imagens coloridas e caixas de textos, que encarecem a sua produção, por isso vou procurar parcerias e patrocínios em Cabo Verde para uma boa tiragem”, diz o pesquisador, que decidiu fazer apenas 50 exemplares no Brasil, que serão usados para presentear os colaboradores, autoridades e potenciais parceiros. Quem, no entanto, pretender adquirir a obra, pode fazer isso através das plataformas de venda online Amazon, Americanas e do website da editora.
Composto por quatro capítulos, o Manual de Filosofia é inspirado na realidade cabo-verdiana e africana. O livro traz contos populares (Blimundo, por exemplo) e destaca figuras da cultura nacional, como a cantora Cesária Évora e o compositor Manuel d’Novas.
O primeiro capítulo lança e responde às perguntas frequentes “o que é a Filosofia”, “como surgiu, onde e quando”, “para que serve”… O segundo capítulo é destinado à unidade antropológica, focada na definição do homem como ser em construção e circunstancial e os aspectos da diversidade cultural no mundo e em Cabo Verde. Dedica-se ainda a esclarecer o papel da Filosofia no processo do conhecimento, capítulo este que é alimentado por vários textos de autores cabo-verdianos.
O terceiro capítulo trabalha a unidade axiológica, com enfoque na ação humana, os valores culturais e a relação entre a liberdade e a responsabilidade. O quarto capítulo faz referência aos grandes filósofos da história, como Aristóteles. Cada capítulo é fechado com um conjunto de perguntas para a autoavaliação do aluno, mas que pode também servir de base para o professor.
Arlindo Rocha faz questão de enfatizar que nunca foi sua intenção produzir um manual oficial. Sabe que, para isso, os procedimentos seriam outros e teriam que envolver o Ministério da Educação. Acrescenta, no entanto, que gostaria de ter tido uma reação do ME e que no livro constasse uma recomendação de leitura e uso, caso assim fosse possível.