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Mana Rita, uma contadora de histórias da primeira geração da emigração feminina para Itália (1ª Parte)

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A comunidade cabo-verdiana em Itália tem história para contar, sobretudo a primeira geração filha dos anos 40/50. Uma geração com os pés bem fincados no chão, determinada a lutar com todos os meios para abater a pobreza que reinava na maioria das famílias em Cabo Verde. A salvação de muitas delas, foi entregue, desta vez, na emigração feminina para Itália. A primeira a quebrar o tabu duma emigração exclusivamente masculina. Segue um extrato da nossa conversa sobre a sua vida em Itália e a sua reintegração em Cabo Verde, no dia 30 de Julho 2024 no Odjo d’Agua.

– Por Maria de Lourdes Jesus

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Entre as mulheres da primeira geração que vieram para Itália, destaca-se Rita Rodrigues ou Mana Rita como é conhecida. Mana Rita é uma mulher que dá prazer ouvir contar a sua história e com ela a da nossa comunidade em Itália. É uma senhora muito bonita, com uma mentalidade aberta, bem informada e filósofa na análise que faz da vida em geral, da emigração e em Cabo Verde.

Situação socio-economica da família na ilha do Sal

Nasci na Terra Boa, ilha do Sal. Os meus pais são de S. Nicolau (Caleijão e Ribeira Prata). Sou a sétima de oito filhos. Cinco dos meus irmãos morreram ainda crianças. Naquele tempo ‘runhe’ morriam muitas crianças de fome e de doenças que um simples antibiótico podia salvar. O último dos meus irmãos faleceu, mas já era homem grande. Ele foi o único que foi para escola. Os meus  pais como muito outros não tinham recursos, mas também a mentalidade dessa época não valorizava muito as mulheres. Diziam que não precisavam de estudar. Só deveriam aprender a ser um bom ‘mãe d’fidjo’, sacrificar para a família e respeitar o companheiro ou o marido. Essa mentalidade só existia na cabeça de gente pobre. Os ricos mandavam as filhas a estudar.

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Quando e onde começou a trabalhar

Trabalhei sempre. Desce criança em casa e depois nas familias. O meu pai trabalhava na extração de Sal nas Salinas e a minha mãe se ocupava da casa e dos filhos. Na idade dos 10 anos os meus pais deslocaram para S. Nicolau e fui logo trabalhar na Vila da Ribeira Brava, na casa de um grande comerciante. Fazia companhia à matriarca e ajudava em casa. Quando tinha 14 voltei para Sal e fui substituir a minha prima que trabalhava na casa de um casal português. Ela ficou grávida e pediu à minha mãe se me deixasse ir no seu lugar. A mãe consentiu. Já era uma menina muito responsável e independente. Voltei sozinha para ilha do Sal, onde se encontrava a minha irmã e o meu irmão. Quando cheguei, fui diretamente à casa dessa família onde ganhava 100$00 por mês. Na minha ilha trabalhei nas famílias, no estado e por fim no Hotel Atlântico até a minha primeira emigração.

Primeira emigração 

Entretanto, os meus pais voltaram para Sal porque o meu pai encontrou um novo trabalho. Em 1965 a família portuguesa onde tinha trabalhado no Sal fez-me a proposta de retomar o meu trabalho, em Lisboa com um salário de 250$00 Aceitei e fui para Portugal. A minha estadia não durou muito porque descobri que estava grávida e tive que voltar à Terra. Depois do nascimento do meu filho fiquei ainda um ano porque não aguentava separar-me dele. Sofria muito porque sabia que a única alternativa, para a nossa salvação era na emigração. Sofria muito, mas pensando no futuro do meu filho, tive que retomar a decisão de emigrar novamente para Lisboa, deixando o meu filho com a minha família.

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Uma decisão que deixou marcas profundas na minha vida. Hoje digo: ‘se pudesse voltar para trás, não teria deixado o meu filho, mesmo na pobreza extrema. Não é preciso dizer mais nada.’

Lembrança da vida em Lisboa

Na casa onde trabalhava, não saia porque não sabia para onde ir, até quando encontrei uma amiga que já conhecia na minha ilha. Com ela comecei a frequentar a Casa de Santa Zita, onde as empregadas domésticas se encontravam e onde se podia alojar durante um breve tempo à procura do trabalho. Conheci pessoas de Cabo Verde e comecei a frequentar essa casa nos domingos, dia livre das domésticas. A descoberta dessa instituição foi uma grande esperança para mim, pois já não suportava continuar a trabalhar na mesma família. O tratamento era péssimo. Decidi mudar de trabalho e fui ficar na Casa de Santa Zita o tempo necessário até encontrar um novo trabalho. Oferecia alojamento e alimentação para as domésticas, arranjava-nos trabalho, concordavam até com as patroas.

Sentia-mo-nos protegida. A Casa estava tão bem organizada que oferecia oportunidade para apreender a ler e escrever. Foi nessa Casa que aprendi a ler e escrever e tomei o meu diploma da primeira classe. Mas não era tudo grátis. A gente dava uma pequena contribuição (2$50) e durante o dia tínhamos que trabalhar na casa porque era uma espécie de hotel, onde alojava muitas pessoas. Todavia organizávamos festa com música e dança e jogávamos à carta e quem sabia ler e escrever lia e escrevia as nossas cartas para Cabo Verde e também para namorados.

Emigração para Itália

Não tinha nenhum motivo particular para ficar em Lisboa. Tinha bem claro o meu objetivo. A coisa mais importante para mim era o meu filho que ficou em Cabo Verde. Ele era a razão da minha presença na emigração. Estava em cima de tudo. Por isso,  encontrar um trabalho com um bom salário e melhores condições, era motivo suficiente para mudar de cidade.

Todavia, trabalhava também para que a minha vida mudasse. Itália oferecia melhores condições de trabalho, de vida e de salário superior a de Lisboa. Não só. Era menos cansativo porque já não devia ajoelhar-me para lavar o chão com a escova e elucidar o pavimento. Em Itália havia já maquinarias para isso. Em Portugal era trabalho de escravos. Estavam ainda muito atrasados.

Em 1973 a minha prima que trabalhava na cidade de Celle Ligure, (Nord de Itália) mandou-me a Carta de Chamada para ir trabalhar naquela cidade. Nessa altura faltava mão de obra no sector doméstico em Itália, havia muita procura e o salário era superior ao de Portugal. Celle Ligure era uma pequena cidade e só lá estavam quatro patrícias. Nos dias livres a gente dava uma voltinha à cidade, nos jardins, fazia compras para nós e o resto do tempo a gente passava no quarto de uma ou de outra a contar partida de Cabo Verde, a ouvir a nossa música, e a ler e escrever cartas. A cidade era pequena e a gente não tinha para onde ir. Não dava para ficar mais tempo. Milão estava à minha espera. (Continuação)

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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