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Juliata Cohen, a “cidadã do mundo” que fala cinco línguas, canta em sete e vive na cidade do Mindelo

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Filha de mãe marroquina e pai tunisino, fala cinco línguas, canta em sete e assume-se como “cidadã do mundo”. Após rodar o globo, Juliata Cohen, nascida na França e crescida em Israel, decidiu assentar as bases na cidade cultural do Mindelo. Residente na zona da Praça Estrela – onde se sente em casa -, a jovem já está integrada no mundo musical mindelense e conhece a cidade como a palma da mão. Nas suas andanças por S. Vicente chama atenção por ser uma mulher estrangeira elegante que costuma percorrer as ruas d’morada com a sua bandeja de bijutarias, constituída por colares, brincos e braceletes únicos. Esta jovem de “alma livre” admite que a sua “personagem” atrai a curiosidade de muita gente em S. Vicente, mas nada que a deixe incomodada. Aliás, diz, foi a mesma coisa em Israel.

Por: Kimzé Brito

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Mindel Insite – Juliata é uma “figura” que chama atenção pelos seus trajes, mas principalmente por andar com uma “bandeja” de bijutarias pelas ruas do Mindelo. Pode desvendar-nos quem é Juliata?

Juliata Conhen – Sou uma cidadã do mundo, que incorpora a cultura de muitos lugares. Nasci na França, minha mãe é dos Marrocos e meu pai da Tunísia. Quando ainda era criança, a minha família foi para Israel e ainda lá vive. Portanto, nasci e fui criada na França, passei parte da infância e da juventude em Israel e agora vivo em Cabo Verde, mais precisamente na ilha de S. Vicente. Antes de vir para Cabo Verde, passei dois anos em Burkina-Faso atraída pela música e a língua deste país. Sempre tive essa curiosidade em percorrer o mundo, conhecer outras culturas e mentalidades especialmente do continente africano, do Médio Oriente e da América do Sul. As viagens pelo mundo mudaram muito a minha concepção da humanidade.

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MI – A partir de qual altura da tua vida começou a sentir atração pela arte e cultura globais?

JC – Desde criança, por volta dos cinco anos já frequentava aulas de música e de dança, aprendi a tocar piano, fiz solfejo e aprendi a ler e a escrever música. Muito cedo os meus pais viram esse meu interesse, essa paixão natural pela arte. Tenho vídeos a cantar na sala da nossa casa aos 6 anos de idade.

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MI – Começou a despertar a veia artística ainda na França?

JC – Sim, estudei muito na França e fui para Israel quando completei oito anos. Mas ia e voltava. Aos 15 anos passei um ano em Israel e depois passei a ir com mais frequência a partir dos 20 anos. Cheguei a passar dois anos em Israel e de lá fui para Burkina-Faso, depois voltei para Israel. Fiquei 4 anos nessa ida e volta Israel – Burkina.

MI – O que foi fazer em Burkina-Faso?

 JC – Fui porque tinha curiosidade em aprender uma língua que falam nalguns países da costa ocidental africana, que se chama bambara. É falada principalmente no Mali, mas tem falantes em Burkina, Costa do Marfim e Gâmbia. Estava apaixonada por essa expressão, parecia que eu entendia a língua sem nunca a ter falado, só de a ouvir nas músicas. Fui invadida por essa necessidade e um dia arrumei minha mochila e parti para Burkina-Faso, onde não conhecia ninguém. Lá, acabei por integrar-me tão bem que tive a sorte de tocar com muitos artistas, participar em festivais…; vivi com famílias de músicos, tocávamos e dançávamos quase todos os dias. Foi uma escola para a minha vida, sobre a cultura e forma de convivência social. Foi algo muito positivo para mim.

MI – Tem uma aptidão especial para aprender línguas?

JC – Sem duvida. Falo cinco línguas e canto em sete. Domino o francês – minha língua materna -, falo hebraico, inglês, a língua cabo-verdiana, a bambara e um pouco de português. Canto ainda em árabe, apesar de não saber falar a língua, ao contrário dos meus pais que a falam muito bem. Nas minhas músicas uso expressões e palavras em árabe.

“Falo cinco línguas e canto em sete. Domino o francês – minha língua materna -, falo hebraico, inglês, a língua cabo-verdiana, a bambara e um pouco de português. Canto ainda em árabe.”

Vida de aventureira

MI – Como a tua família encara essa tua vida de aventureira? Não fica preocupada, sabendo que estás a viajar pelo mundo, visitando países onde não tem ninguém conhecido?

JC – Fiz a minha primeira viagem a solo quando completei os 21 anos. Fui para Burkina só com a minha mochila às costas. Assim que desembarquei contactei uma associação humanitária. Passei por momentos difíceis no início e isso deixou a minha família preocupada. Somos judeus e sou a única mulher entre 3 irmãos. Com o tempo, as coisas foram melhorando e acabei por integrar-me muito bem na sociedade. Hoje os meus pais já não se preocupam tanto porque sabem que estou sempre rodeada de pessoas de boa índole. Sempre que podem vão visitar-me onde estou porque somos muito unidos.

MI – Acham natural essa tua vontade de viajar pelo mundo de mochila às costas?

JC – Sabem que há muito falava dessa vontade de viajar pelo mundo. Hoje respeitam-me e me apoiam espiritualmente e têm muito orgulho em mim porque sabem que nunca esqueço a minha raiz e tradição.

Um dia a minha mãe disse-me que nós temos todas as condições para viver bem e escolhi conhecer lugares onde a vida é mais simples, mas encontrei uma felicidade que ela não tem.

Apaixonada pela música de Cabo Verde

MI – Como Cabo Verde aparece no teu caminho?

JC – Através da música. O meu tio Gilberto Cohen, que nasceu na Tunísia e vive em França, tinha muitos discos vinil de músicas de Cabo Verde. Ele é DJ, já tocou em muitos países e tem um espirito muito aberto. Ele costumava tocar músicas antigas e modernas de Cabo Verde – fazia mix de duas horas de muitos artistas e fiquei apaixonada pelos ritmos cabo-verdianos. Ficava a procurar letras em crioulo quando estava em Israel. Aprendi a dizer algumas palavras do crioulo cabo-verdiano e gravei em crioulo antes de saber falar a língua.

Senti uma grande conexão com Cabo Verde. Essa relação tem um significado que vai para além do gosto que tenho pela língua.

MI – Quais os géneros musicais que o teu tio costumava incluir nos mix de Cabo Verde?

JC – Tudo: Coladeira, Morna, Funaná, Batuco, enfim de todos os artistas antigos e modernos.

MI – E houve algum género musical cabo-verdiano que despertou mais a tua paixão?

JC – A Morna e Coladeira, mas não sei explicar o motivo. Foi um sentimento natural. Gostava de cantar mornas em hebraico; gostava de fazer essas coneções, fazer mix de palavras em crioulo, hebraico, francês… Como se todas as línguas estivessem unidas e a conviver.

MI – Como foi o teu contacto com o mundo artístico cabo-verdiano?

JC – Comecei uma ligação com o músico Princesito. Gravei 2 músicas que ele me enviou para Israel e ele ficou muito contente. Era para nos encontrarmos com alguma frequência na ilha de Santiago, mais precisamente no Tarrafal, mas isso não aconteceu como esperado por causa da pandemia. Dois meses depois de desembarcar na cidade da Praia foi decretada a quarentena.

MI – A pandemia não contrariou os teus planos?

JC – Nem por isso. Foi uma surpresa para toda a gente. A minha família quis que regressasse de imediato porque havia ordens para se fechar as fronteiras por tempo indefinido. Fui ao aeroporto apanhar o último avião, mas resolvi ficar. Para mim, esse “retiro” foi uma oportunidade para me acostumar com Cabo Verde e poder aprender e escrever as minhas composições em crioulo. Depois muitos artistas abriram-me as portas, convidando-me para os seus shows e comecei a ser conhecida. Consegui gravar todas as minhas músicas e estou agora a preparar o meu álbum, mas ainda não posso revelar informações.

MI – Santiago foi, deste modo, a primeira ilha que visitou?

JC – Exacto, mas fui residir em Tarrafal. Tinha indicação do Princesito e sabia que era um lugar mais tranquilo. Outro motivo é que não sabia ainda falar crioulo e havia muita insegurança na cidade da Praia.

Tarrafal foi espectacular para a minha integração, fui recebida de braços abertos, num ambiente familiar. Foi la que aprendi a falar crioulo nas conversas com as pessoas velhas sentadas na soleira da porta.

MI – Como foi o processo de aprendizagem da língua cabo-verdiana?

JC – Usei as bases do francês e do espanhol para aprender a língua cabo-verdiana. Não sabia falar o português, mas há palavras parecidas. Como gosto de aprender línguas, vou captando as palavras e expressões e não tenho vergonha de falar e de errar. E isso ajuda-me a aprender mais rápido.

Viagem para a cidade cultural do Mindelo

MI – Quanto tempo ficou no Tarrafal e quando decide vir para Mndelo?

JC – Fiquei um ano no Tarrafal, mas viajei duas vezes para Mindelo no âmbito de um projecto artístico. Chegando aqui deparei com uma cidade mais movimentada e um ambiente que me cativou. Antes cantava mais na Praia, mas não gostava de viver na cidade. Quando cheguei à ilha de S. Vicente senti que aqui era diferente, uma ilha/cidade cheia de talentos artísticos, onde se respira a cultura. Pude conhecer muitos músicos e tive três contactos muito importantes para mim, um deles foi o empresário Djô da Silva. Começamos um trabalho juntos e iniciamos a preparação de um single e videoclipe. Isso foi importante para mim.

Quando cheguei à ilha de S. Vicente senti que aqui era diferente, uma ilha/cidade cheia de talentos artísticos, onde se respira a cultura.

MI – Como se sente actualmente em S. Vicente?

JC – Há um ano que vivo em S. Vicente. Tenho residência na zona da Praça Estrela, onde me sinto em casa. Sinto-me muito acarinhada pelas pessoas, nunca tive um problema. Mindelo é um local caloroso, que me lembra Israel onde as pessoas têm um tratamento afectuoso: cumprimentam-se, querem saber se estás bem… Por exemplo, já não temos disso em Paris.

MI – O que Mindelo tem de especial?

JC – A convivência social, um ambiente ímpar. Não sei por quanto tempo vou ficar e nem sei se vou viver toda a minha vida em Cabo Verde porque tenho outros recantos do mundo para conhecer e implantar a minha arte. Mas, o importante é o momento presente e estou muito feliz em S. Vicente.

MI – Já está integrada no meio artístico mindelense, por isso gostaria de saber que tipo de trabalho tem estado a desenvolver?

JC – Tenho feito mais trabalhos de inspiração, troca de ideias e de experiências. Conversas que servem de lição para a vida. Na verdade, cada lugar que vou é uma escola para mim. Gosto muito de conversar com pessoas mais adultas. Mindelo é também uma inspiração neste quesito.

MI – Como define a tua música?

JC – O que mais me representa é a música do mundo, mas tenho muita influência do Blues, Soul, Afro, das minhas raízes, dos locais que conheço…; enfim é uma amalgama.

Vender bijutarias pelas ruas de Mindelo e nas praias de mar

MI – Como ocupas o teu dia?

JC – Fabrico e vendo joias/bijutarias pelas ruas de Mindelo e nas praias de mar. Gosto particularmente de ir à praia da Lajinha. Neste mês tenho estado mais em casa porque estou a preparar um videoclipe e preciso estar mais concentrada na parte criativa. Mantenho também contacto com os meus irmãos que são fotógrafos e cameramans e me auxiliam no meu projecto visual. Faço também treinos de voz, ensaios com músicos, organizo os meus concertos, escrevo e faço composições…

MI – Que tipo de bijutaria costuma produzir e como arranja matéria-prima?

JC – Quando construo uma joia, uso o mesmo processo de elaboração de uma música. Na música misturo línguas, na bijutaria misturo matéria-prima de várias origens, como de Israel – de onde importo colares e pedras que são reutilizados para novos colares e pulseiras. Costumo também procurar búzios nas praias de mar de S. Vicente. Posso fazer um par de brinco com uma pedra de Israel, um buzio de Cabo Verde e um pedaço de madeira de Burkina… Gosto de fazer peças únicas e cada uma tem a sua história e identidade.

“Quando construo uma joia, uso o mesmo processo de elaboração de uma música. Na música misturo línguas, na bijutaria misturo matéria-prima de várias origens

MI – Costuma ter contacto com os artesãos de S. Vicente, como acontece com os músicos?

JC – Nem por isso. Há o evento Urdi, onde posso ter interesse em expor o meu trabalho. Mas, o que me apaixona é andar com o meu cesto de joias pelas ruas e nas praias de mar porque sou uma alma livre. Sou muitas vezes abordado pelas pessoas. Prefiro esse processo natural. Sempre que penso em abrir uma loja sinto-me nessa obrigação de vender para manter o negócio aberto. E sinto-me presa.

MI – As tuas joias têm aceitação no mercado mindelense? Dá para viver dessa actividade?

JC – Sim, consigo viver da venda dos meus colares e pulseiras e não coloco os meus produtos à venda em nenhum ponto. Eu é que os vendo na rua.

Uma “personagem” diferente e especial

MI – Sabe que desperta muita atenção e curiosidade das pessoas quando vêm uma estrangeira andando na rua com as suas bijutarias numa bandeja...

JC – Sei disso, sou abordada por muita gente. Elas procuram conversar comigo, saber quem sou, o que estou fazendo em S. Vicente; consideram a minha personagem diferente e especial. E isso atrai atenção. Ficam espantadas em saber que nasci na França, vim de Israel e vivo da minha arte.

“Sou abordada por muita gente. Elas procuram conversar comigo, saber quem sou, o que estou fazendo em S. Vicente; consideram a minha personagem diferente e especial.”

MI – E fica incomodada com essa curiosidade?

JC – Nada disso, foi assim também em Israel. Muita gente pedia para fazer fotos comigo na rua e nos mercados. Costumava usar o cesto de joias nos meus concertos, quando dançava. Enfim, uma personagem única.

MI – Quais os teus planos? Pretende um dia casar, ter filhos e se assentar com a família?

JC – Claro, se posso andar pelo mundo, assumir a liberdade e coragem de ser quem sou, gostaria de poder também ter a minha família e que os meus filhos possam ouvir a minha história.

MI – Segue alguma religião?

JC – Os meus pais são judeus, mas somos mais tradicionalistas do que religiosos. Por exemplo, todas as sextas-feiras costumo acender a minha vela, preparar o “shabat”, convidar amigos e família para um bom cuscuz com peixe, algo mais tradicional/familiar. Eu tenho um grande afecto com os artistas Fattu Djakité e Dieg, que são pessoas incríveis. Gosto de conviver com eles em ambientes de boa energia.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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