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Falta de confiança “trava” diálogo sobre sexualidade entre jovem e mãe em S. Vicente

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A falta de confiança está a bloquear o diálogo sobre sexualidade entre um jovem e a mãe em São Vicente. Por causa dos trejeitos e dos cuidados com a roupa e principalmente com o cabelo, esse diz ser vítima de preconceito e bullying na escola e também na rua, mas ainda não ganhou coragem para falar com a mãe porque diz não sentir da parte dela o apoio necessário para reduzir a vulnerabilidade a que vai se expôr. Já com as tias e com a irmã assume ter conversas francas e abertas. 

“A”, como vamos identificar este jovem, tem apenas 17 anos e mora numa das zonas mais problemáticas da ilha de São Vicente. Em conversa com Mindelinsite, o nosso entrevistado diz que sempre se sentiu diferente dos outros jovens da sua idade, mas não consegue explicar porquê e nem como. “Sei que sinto-me diferente em termos de relacionamento porque no meu caso é tudo mais difícil. Sinto que não consigo me integrar porque às vezes alguns fazem comentários preconceituosos. Na maior parte das vezes tento ignorar, mas acabam sempre por deixar alguma mágoa”, desabafa.

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Em uma idade vulnerável social e emocionalmente, admite que consegue aproximar e fazer amizade mais com meninas do que meninos. “Desde sempre senti-me mais próximo e consigo interagir com maior facilidade com as meninas. Acredito que isto acontece porque falamos de um assunto que entendo. Com os rapazes sinto que falamos uma língua diferente. Com 17 anos, já estou na fase dos namoricos, mas falta-me coragem”, diz o jovem, que admite ainda estar a procurar formas de falar com a mãe. 

Penso que não preciso dizer nada para a minha mãe, ou pelo menos acredito nisso. Vejo-me como um jovem igual aos outros, levanto-me da minha cama, ando e falo com quem quiser. Não vejo necessidade de falar com ela sobre a minha orientação sexual. Mas já me abri com as minhas tias e com outras pessoas. Falta-me confiança para falar com a minha mãe, sobretudo porque houve uma altura em que eu me abria em conversas privadas e, quando chateávamos, expunha tudo para outras pessoas.”

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Laços quebrados

Com isso, diz, os laços e protecção se quebraram. Repor estas ligações é difícil e trabalhoso, mas não impossível. Talvez por isso, “A” não assume claramente a sua orientação sexual. “Penso que pendo muito para a bissexualidade. Sinto-me atraído por meninas e rapazes e já tive relações com ambos os sexos. Acho que ainda estou na fase de descoberta, ainda que me sinta desconfortável com as meninas.”  

“A” se sente confuso porque não convive com outros jovens que já assumiram perante a sociedade serem gays, indica. Os únicos contactos que teve até hoje foram durante os ensaios de uma agência de modelo, mas a comunicação era difícil. “Não conversamos e nem tentamos ser amigos. Acho estranho conversar com eles. Quando estou no meio dos gays sinto-me deslocado. Ainda não encontrei o meu lugar. Por exemplo, gosto de vestir-me bem, estar sempre impecável, mas não me vejo a usar roupas de mulher. Aliás, sigo alguns gays nas redes sociais que ficam bonitos nas suas roupas de rapazes.”

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Curiosamente,  o jovem admite gostar particularmente de escolher as roupas para as amigas, decorar festas e cozinhar. “Neste momento estou tranquilo na minha pele. Tenho dias em que estou cabisbaixo e outros nem por isso. Mas o meu momento mais difícil foi entre os meus 10 e os 15 anos porque as pessoas me provocavam muito e gozavam comigo. Houve uma vez em que um colega me agrediu com uma cadeira por causa da minha forma de ser.  Acredito que agora já se acostumaram.”

Mãe diz amar o filho

A mãe de “A”, que é ainda bastante jovem, garante que ama o filho independentemente da sua opção sexual e pretende continuar a ter uma boa relação com ele, caso venha a assumir a homossexualidade. Ela diz que incutiu valores no filho e não vislumbra nenhuma alteração motivada pela sua orientação sexual. “Quero apenas que ele estude e faça uma formação para que possa ter o seu trabalho e se tornar independente e viver da forma que quiser. Por isso, peço forças a Deus para continuar a cuidar dos meus filhos, principalmente ‘A’  porque nasceu com um único rim e me inspira muitos cuidados. Vou apoiar o meu filho até ao fim.”

Esta garante que nunca percebeu qualquer diferença no filho em relação a outras crianças. Sempre gostou de jogar à bola e andar de bicicleta, por isso não acredita que ele seja gay. Ao contrário, mesmo com todas as evidências, pensa que o filho está a ser influenciado. “As pessoas chamam-no de gay, mas não me importo. Não vejo mal nisso. Apenas peço a Deus que, se realmente for gay, que ele se proteja principalmente das doenças. Infelizmente, nunca falamos abertamente sobre isso, ainda que às vezes tente cutuca-lo. É um jovem calmo, mas que de vez enquanto explode.”

Confiança e apoio 100%

Diferente é a situação de Romário Gomes de 23 anos, que assumiu ser homossexual aos 17. Este conta que sempre se sentiu diferente, apesar de conseguir enturmar-se com rapazes e com raparigas. Mas nunca gostou de jogar futebol. Preferia brincar com bonecas e jogar rinque. “Gostava de fazer coisas de meninas, mas estava em dúvida se era homossexual porque cheguei a namorar uma menina. Mas hoje digo com firmeza que sou gay. Felizmente, contei sempre com apoio da minha irmã e da minha mãe.

Tanha e Romário Gomes

Romário acredita que o ambiente pacífico e o livre arbítrio dentro da casa conferiu-lhe a confiança que precisava para se assumir. Estudou até o 10º ano, depois decidiu “abandonar” a escola para trabalhar. Agora pensa regressar para concluir o 12º. “Na minha casa nunca tivemos preconceitos. Por exemplo, tenho uma tia de mais de 70 anos que me deu a maior força. Falou comigo claramente e disse-me que também tem netos com orientação sexual diferente. Foi uma conversa que me abriu os olhos por ser uma pessoa com esta idade e com uma mente livre. Foi algo que me surpreendeu e motivou.”   

Hoje, este jovem mantém uma página dinâmica no Facebook, fala da sua opção sexual, mostra os looks e dá dicas de maquiagem. Também trabalha numa boutique no centro da cidade do Mindelo e gosta de ajudar as pessoas a fazerem as melhores combinações de roupas possíveis. “É algo que me entusiasma. Neste momento ajudo muitos amigos a se vestirem para os eventos. Telefonam-me mesmo de fora para ajudar a escolher roupas, a fazer decoração. É uma área que sonho trabalhar um dia. É algo que vem de dentro e não me envergonho. Basta ver como gosto de me produzir, de vestir e maquiar”, revela este jovem, que transformou a vergonha em coragem e se assumiu gay para a família. 

Segundo Romário, o pai ainda não gosta. Prefere ignorar a opção sexual do filho, que responde com indiferença. “Nunca me preocupei com as coisas que as pessoas dizem, nem mesmo o meu pai. Às vezes escuto algumas bocas, que não me incomodam. Para mim é um elogio me chamarem gay. Neste momento não tenho uma relação, mas já tive. Sou um gay que mistura os estilos homem/mulher. Há momentos em que gosto de colocar cabelos longos, outras vezes adopto um estilo mais rapaz”, enfatiza este jovem que, por causa da experiência em casa, se assume como um “conselheiro” daqueles que enfrentam problemas para se assumir e revelar-se aos familiares e amigos.  

A mãe, Tanha, acaba por ser uma das maiores fãs de Romário. Diz que não se surpreendeu quando este assumiu porque desde cedo ouvia os seus amigos a chamar-lhe de “paneleiro”. Na altura, afirma, o filho ainda estava na escola primária mas, por causa da sua forma de ser, os colegas gostavam de lhe chamar nomes. “Mas só tive certeza que meu filho era gay aos 16/17 anos. Foi ele que me contou que gostava de um rapaz. Recebi a notícia com tranquilidade porque simpatizava com alguns gays. Não me afectou em nada. Mas, na família, nem todos reagiram com naturalidade.”

Talvez por causa disso, Tanha tenha sentido a necessidade de aumentar o apoio e protecção ao filho. Paralelamente, assumiu a responsabilidade de explicar aos familiares e amigos a orientação sexual do filho. E hoje a homosexualidade de Romário é encarada com naturalidade por todos os parenes e muitos amigos.

Abordar a sexualidade com os jovens

A questão da sexualidade dos jovens e adolescentes em Cabo Verde é um dos assuntos abordados pelo Fórum Cabo-verdiano da Sociedade Civil, ainda em fase de constituição e legalização, estando neste momento em processo de tomada de posse dos órgãos sociais. Igualmente tenta angariar membros/sócios para desenvolver os seus projectos. O Fórum-CV, que é financiado pela embaixada da Inglaterra no Senegal, é presidido por Dionisio Pereira (Diretor das Aldeias Infantis SOS de Cabo Verde) e tem como vice-Presidente para a Região Barlavento – Patricia Évora (Centro Social SOS Mindelo) e vice-Presidente da Região de Sotavento, Idalina (OMCV-CV).

Twm como propósito trazer estas questões para a mídia, ou seja, normalizar o debate por forma a ajudar a população homossexual a superar as dificuldades em todos os aspectos da vida e que, sobretudo no caso dos jovens, vão muito além daquilo que se conhece e é divulgado. Um objectivo que o Mindelinsite também abraça.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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