É uma das duas únicas bombeiras voluntárias de São Vicente e passa boa parte do seu dia em um quartel com cerca de uma dezena e meia de homens. Mas o seu sonho maior é se tornar bombeira profissional e nem alguns dizeres e palavras soltos repletas de preconceito a fazem recuar. A promessa foi feita há muitos anos, Magui diz cumpriu todos os pré-requisitos, mas ainda aguarda a realização de um concurso que tarda em acontecer. E agora teme que o factor idade – tem 38 anos – acabe de vez com a sua esperança.
Esta é uma história de persistência de uma jovem-mulher, que luta para realizar o seu sonho. Ao Mindelinsite, Magui conta que o desejo de se tornar bombeira surgiu após sofrer um acidente, que resultou na morte de alguns acompanhantes. “Tive um acidente em dezembro de 2006, que foi fatal para pessoas que estavam comigo. Fui socorrida pelos Bombeiros Municipais de S. Vicente. Fizeram um trabalho excelente e até hoje agradeço os meus colegas que me mantiveram viva. Desde então fiquei apaixonada por esta profissão e hoje sei a importância de um conforto com palavras.”
Disposta a ser bombeira, Magui revela que fez uma formação e, desde então, persegue o seu sonho. O seu primeiro ano nos bombeiros foi em 2009/10. “Fiz o meu estágio e depois aguentei as férias de um colega. Saí e voltei em 2014 como telefonista e bombeira voluntária. Também trabalhei no apoio profissional da CMSV devido a dificuldade em fazer trabalhos de turno por causa do meu filho. Mas o meu sonho é ser bombeira profissional. Dizem que vão abrir concurso, mas infelizmente há anos que estou a espera”, diz esta mulher, que destaca uma promessa feita em 2009 pelo então vereador e depois presidente-substituto Augusto Neves. “Fiquei confiante na altura, mas desde então ainda estou à espera. Continuo a lutar, mas está cada vez mais difícil, agora principalmente por causa da minha idade, 38 anos.”
Duas mulheres apenas
Dos 14 bombeiros voluntários existentes em S. Vicente, apenas duas são mulheres. Magui Cruz garante que tem capacidade para fazer o seu trabalho, mas admite sentir diferença de tratamento entre os homens e mulheres. “O Quartel de bombeiros é um espaço essencialmente masculino. O próprio comandante na altura em que ingressei chegou a dizer que o quartel não tinha condições para receber mulheres-bombeiras. E, no dia-a-dia, ouço muitas comentários que soam como discriminação. Por exemplo, tenho colegas que fazem de tudo para que eu não vá fazer alguns trabalhos, com a desculpa de que têm mais pegada. Não digo que tenho todas as condições para ser um bombeiro igual a um homem, mas sinto que tenho capacidade de fazer o meu trabalho da melhor forma possível”, desabafa.
Magui admite que se não fosse esta a sua paixão já tinha desistido, até porque o salário não é tão aliciante. Por isso a mágoa crescente, sobretudo porque, afirma, em outros países, até mesmo em outras ilhas, há mulheres a fazer o trabalho de bombeiro sem qualquer problema. “Não sou melhor que ninguém, mas sei que sou capaz de fazer o meu trabalho. É por isso que digo que há discriminação no seio da própria corporação. Em pleno século XXI é inaceitável. Penso que esta é altura de darem mais espaço para as mulheres. Conheço algumas que já manifestaram interesse em seguir esta carreira. Não sei o que se passa, mas acabam por afastar”, acrescenta.
Falta de condições no Quartel
Esta jovem reconhece que falta tudo no quartel dos bombeiros para acolher as mulheres-bombeiras com o mínimo de condições. Por exemplo, não há um banheiro e nem um dormitório separado para garantir alguma privacidade. Mas acredita que as condições seriam criadas se houvesse esta abertura por parte dos responsáveis. “Infelizmente, nunca pensei seguir outra profissão. Mas a oportunidade de ser bombeira profissional está cada vez mais distante. Já fui funcionaria de bar e minimercado. Também trabalhei nas Páginas Amarela, mas sempre que há uma brecha volto para os bombeiros. A esperança é a última que morre e neste momento estou aqui como bombeira voluntaria e telefonista”, comemora Magui Cruz.
Neste 27 de março, Magui desafias as mulheres, sobretudo as que estão a trabalhar em sectores “masculinos”, a lutar e nunca baixar a cabeça, mesmo perante as situações veladas de discriminação e preconceito. “As mulheres quando alcançam os seus objectivos, é sempre por mérito próprio. É uma conquista pessoal. Se estamos a lutar por igualdade, temos de fazer por merecer, mostrar que estamos aptos para qualquer desafio.”