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Deformidade na córnea prejudica cegueira do músico Totxy: Jovem admite que tem sofrido, mas encara a sua “sorte” com coragem

 O músico Airton “Totxy” Almeida, 29 anos, está a passar por uma fase difícil devido a uma deformidade na córnea que tem agravado a sua cegueira. Nascido parcialmente cego, desde Fevereiro deste ano que o jovem passou a sentir um progressivo desconforto nos olhos, que aumentou a sua sensibilidade à luz e o impede literalmente de abrir os olhos. Se antes podia ver “sombras” à sua frente, nos últimos meses deixou de poder fazer isso por causa do impacto da luz. Totxy admite que tem sofrido, mas encara a sua “sorte” com coragem e esperança. O Mindelinsite contactou o médico do jovem, que prometeu explicar o seu caso e falar das possibilidades de tratamento na próxima semana.

 Mindel Insite – Totxy, tem estado com um grande incómodo na vista. O que está acontecendo contigo?

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Totxy – No mês de Fevereiro comecei a lacrimejar muito mais do que o normal, sem razões nenhumas. Passei também a sentir dor de cabeça. Pensamos que seria conjuntivite, mas não criava ramela. Depois de semanas a lutar para não ir ao médico, acabei por aceitar e descobriram que sofro de Queratocone Bilateral, uma doença que provoca uma deformação na córnea. Esta camada é transformada numa especie de cone. Para quem vê, a visão torna-se turva ou dupla. Como eu não consigo ver, sinto dor de cabeça e lacrimejar em excesso. Além disso, como tenho a sorte de ser um cego que vê luz, a sensibilidade à luz causa-me dor de cabeça.

MI – Como tem-se adaptado a essa situação?

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T – No início, o desânimo apoderou-se de mim. Depois tive a sorte de encontrar um profissional que se formou em medicina por vocação e amor e aliviou-me o sofrimento. Ele fez mito por mim, nem sei como posso agradecer-lhe. Ele diz que não pode fazer mais por falta de recursos em Cabo Verde – como banco de córnea – para fazer um transplante. O que me resta é ir vivendo com os remédios até que um dia as coisas possam mudar de figura.

MI – Os remédios que tem usado estão a diminuir o teu desconforto?

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T – Há um remédio, uma pomada, que diminui consideravelmente o desconforto, mas não posso usa-lo com frequência porque tem efeitos colaterais porque é um antibiótico. Posso usar os outros mais a vontade como um gel que é uma espécie de substituto das lágrimas que perco ao lacrimejar. O problema é que, quando uso esse gel, a sensação de “pedra” nos olhos aumenta. É tanto desconforto que prefiro ficar sem o usar e optar pela pomada até quando der.

MI – Não consegue aguentar essa sensação de “pedra” nos olhos?

T – É um sofrimento indiscritível. Ás vezes coloco as mãos no bolso para não coçar ou fazer algo que possa levar ao rompimento da córnea. Se isso acontecer perderia todas as esperanças. Teria que fazer um transplante dos olhos. 

“Estou a ver menos luz e a luz causa-me mais desconforto”

MI – Como é que esta situação está a afectar-te psicologicamente?

T – Sinceramente, é uma situação desagradável. Não posso dizer que sou totalmente cego, se vejo luz é porque vejo alguma coisa. Esta doença está a reduzir a minha capacidade de captar a luz, embora esteja também a aumentar a minha sensibilidade à luz e isso provoca-me dores de cabeça. É algo estranho, estou a ver menos luz e a luz causa-me mais desconforto.

“É um sofrimento indiscritível. Ás vezes coloco as mãos no bolso para não fazer algo que possa levar ao rompimento da córnea. Se isso acontecer perderia todas as esperanças. Teria que fazer um transplante dos olhos.” 

MI – Tem estado, então, a evitar abrir os olhos?

T – Evito o máximo possível. Se tiver que sair de casa tapo os olhos com penso e adesivo, se for à noite evito a luz dos carros. Se tiver que ficar num ambiente como estúdio tenho de estar com os olhos cobertos.

MI – Praticamente tem passado os dias em casa?

T – Exacto, quase sempre aqui dentro. Além do estado de pandemia, que me obriga a ficar em casa, sequer consigo tomar o meu banho de mar. Teria que usar óculos de mergulho, mas não tenho muita afinidade com esses óculos.

MI – Tem conseguido dormir?

T – Há duas semanas que passei a dormir melhor, mas antes dava bom guarda. Passava todo o tempo acordado. Assim que sentisse o mais ligeiro alívio nos olhos adormecia. Muito sono acumulado. Cheguei a adormecer numa grelhada. Imagine. Comecei o tratamento no início de março, fui bem acompanhado, mas tive que ficar em casa por causa do estado de emergencia. E os meus remédios têm prazo de uso, limite máximo de 28 dias. Felizmente que recebo os medicamentos de graça do INPS, o que é uma grande vantagem. Mas passei por dias difíceis.

MI – A doença tem tendência em começar num olho e depois afectar o outro…

T – Sim, mas já se alastrou para os dois. O direito, que foi o primeiro a ser atingido, está menos mal que o esquerdo. O problema é que atacou o olho esquerdo de uma forma violenta. Inflamou-se de tal forma que senti que a minha cavidade estava a ficar pequena demais para a bola.

Problema sem solução à vista

MI – Qual a solução para o teu problema? O que será preciso fazer para te ajudar?

T – Do ponto de vista médico, a solução seria um transplante da córnea. Há outros tratamentos, falei com alguns médicos, mas dizem que são extremamente caros e dão prioridade para pessoas que precisam melhorar a visão. E não para quem quer eliminar o incomodo da dor, o que é o meu caso. Deste modo, há duas hipóteses: transplante da córnea ou, num caso mais radical, substituir os olhos por prótese. Só que o meu médico nem quer ouvir falar nessa opção. Ele diz que não posso ser radical, mas só eu sei o sofrimento que tenho passado.

Se fosse possível retirar os olhos e colocar prótese aceitava?

Seria uma decisão muito difícil, teria que ser a última opção. Os remédios estão ajudando, mas não vai curar a doença. Vou fazendo tratamento paliativo ate que aconteça algo “diferente”. Aqui já não se pode fazer mais nada. 

 Sabe se há alguma possibilidade de se fazer alguma operação em Cabo Verde que pudesse resolver o teu problema?

Que eu saiba isso não é possível porque, em primeiro lugar, não dispomos de um banco de córnea; podemos ter medico capacitado, mas faltam outros meios. O meu médico ficou muito contente por saber que capto alguma luz.

 “Há duas hipóteses: transplante da córnea ou, num cenário mais radical, substituir os olhos por prótese. Só que o meu médico nem quer ouvir falar nessa opção. Ele diz que não posso ser radical, mas só eu sei o sofrimento que tenho passado.

MI – Mediante este cenário, sente-se desanimado, sem perspectiva de solução para o teu caso?

T – Há momentos que sim, mas tento ultrapassar essa sensação. Às vezes tento acreditar que a melhor solução é aquilo que tenho dentro da minha terra, seria retirar os olhos e usar próteses. 

MI – Acha que os teus olhos já não têm muita valia?

T – Têm sim, sou um cego que vê luz. Isso permita-me saber se há alguma coisa ou uma pessoa à minha frente. Alguém pode ficar à minha frente, mas não consigo discernir se é homem ou mulher, se está vestida ou não…; antes podia distinguir cor clara de escura, mas não sabia se era creme ou branca, preto ou azul…

MI – Se aparecer um grupo de pessoas disposta a ajudar-te, que tipo de solidariedade acha que precisas neste momento?

T – É uma pergunta que não sei responder directamente. Ainda o meu médico não me disse com propriedade quais são as minhas melhores possibilidades de tratamento. A minha irmã chegou a fazer uma cirurgia nos Estados Unidos em 2002, mas não porque os olhos a incomodavam. Ela acabou por perder a sensibilidade à luz. Entre os meus irmãos só eu é que tive a “sorte” de apanhar esta doença. É uma doença que ataca 1 em cada 2000 pessoas, sou mesmo muito “sortudo”. Por isso não sei responder exactamente o que preciso.

MI – Estás aberto a aceitar eventuais ajudas?

T – Claro que sim, se alguém quer nos ajudar, estamos a precisar e não aceitamos, acho que o “destino” não fica contente contigo. Até parece que és um adepto do sofrimento, o que não é o caso.

“A música é o meu mundo”

MI – É um jovem muito ligado à música. Até que ponto a música está fazendo falta neste momento na tua vida?

T – Muito, primeiro é a minha única opção de trabalho, por outro lado é o meu mundo. Gosto de ir para os ensaios, estar com os músicos, os meus amigos, aprender coisas novas, sentar a conversar depois dos espectáculos…

MI – Está neste momento completamente parado, não tem estado a tocar?

T – Nada, a última vez que toquei foi em Fevereiro com o Vlú, foi muito bom, mas desde essa altura todas as actividades foram canceladas por causa da pandemia.

MI – És um artista versátil, que se adapta a vários estilos musicais…

T – Prefiro dizer que sou um músico, um artista para mim é quem cria. Aquilo que faço é mais coro e tocar bateria, um instrumento com o qual me sinto muito confortável. Gosto é que as pessoas me oiçam e não ver-me, por isso digo que sou apenas um músico. Desde que a música seja de boa qualidade não me importo. O músico tem de estar aberto a aprender tudo, nunca sabe com quem vai tocar amanhã.

MI – Quais os géneros que costuma tocar?

T – Já toquei rock pesado e psicadélico, hip hop, música cabo-verdiana… Queria destacar a minha passagem pelo grupo Krad, com os meus amigos Eny e Marino, que me deu muita desenvoltura na bateria. Nesse grupo discutíamos, mas criávamos. Como coro já acompanhei muitos artistas, nomeadamente no festival Baía das Gatas, como Ceuzany, Batchart, Expavy, Suzana Lubrano, Vlu, Grace Évora – foi uma honra interagir com Grace porque eu sou fã dele desde criança -, Cremilda, Roy Job, enfim muitos artistas.

MI – Quando é que entrou para o mundo da música?

T – Posso dizer que desde que a entender que era gente. A minha irmã disse que eu costumava cantar desde criança as músicas do Nando da Cruz e dizia que eu ia seguir os caminhos do meu irmão Nana. O Nana leva-me cinco anos e, antes de eu nascer, já ele participava no programa radiofónico “Olá Meninos”. Aos poucos eu e o Nana fomos construindo nome e ainda continuamos ligados à música.

MI – Sente-se realizado em termos musicais ou ainda há muita coisa que gostaria de fazer?

T – Sinto-me muito bem realizado. A minha primeira aparição no festival da Baía foi com Batchart – aproveito para envia-lo um abraço – fizemos uma homenagem a um amigo falecido, Nana cantou e eu toquei bateria. Foi muito bom. Já tive a oportunidade de tocar no estrangeiro, aproveitei para comprar os meus perfumes – que adoro – e fazer uma morabeza à minha mãe; conheci também muita gente e a música permitiu-me descobrir muita coisa…

MI – O facto de ser parcialmente cego ajuda-te como músico? E como isso se reflete quando tocas bateria?

T – Cria-me alguma dificuldade para tocar bateria porque muitas vezes tenho de adivinhar o que os professores transmitem nos vídeos-aula. Mas, costumo receber dicas de colegas, que me ajudam a melhorar o som e a batida. Tento criar a minha forma de trabalhar. Por outro lado, a cegueira ajuda-me porque só me preocupo em ouvir a música. Como não posso ler uma partitura, sou obrigado a escutar a música com muita atenção e fixar. Se estou num palco, o cantor não vai poder fazer sinal para uma paragem durante o show. Tudo isso tem que ser muito bem ensaiado, mas funciona.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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