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Casal italiano denuncia “abuso de poder” da PN no aeroporto da Praia: “Fiquei fechado por 12 horas numa cela minúscula, sem saber o motivo”, diz o médico François Yves

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O médico italiano François Yves acusa agentes da Polícia de Fronteira de o terem detido de forma abusiva no aeroporto internacional Nelson Mandela, quando ele e a namorada se preparavam para embarcar num voo da TAP de regresso a Europa, no dia 23 de junho. Conforme o neurocirurgião, ficou sob custódia da Polícia Nacional por mais de 12 horas, numa cela escura, sem arejamento e com cheiro nauseabundo, sem saber o motivo, apesar das sucessivas tentativas de pedir explicação aos policiais. A própria namorada, Anna Marangon, tentou entender o que se passava, mas sem sucesso.    

Pelo comportamento dos agentes, François Yves diz desconfiar que possivelmente houve algum problema com o seu passaporte. Conta que o seu drama começou quando chegou à zona de controlo de documento. “Eu e a minha namorada fizemos o controlo normal de bagagem, efectuamos o check-in para o voo da TAP, passamos no controlo de segurança de bagagem e pelo detector de metais sem nenhum contratempo. A nossa ‘aventura’, digamos assim, começou na cabine de controlo de passaporte”, revela o neurocirurgião italiano, em entrevista ao Mindelinsite.  

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Segundo Yves, havia duas cabines de controlo livres, ele foi para uma e a namorada para a outra. A namorada passou, enquanto ele foi bloqueado. Explica que o agente que tinha o seu passaporte pediu-lhe para andar para trás e para frente e que desse voltas, o que fez. “Sem dizer-me nada, o controlador foi para uma porta ao lado, regressou e pediu-me para o acompanhar”, conta o médico, que entrou numa sala onde estavam 3 policiais, uma delas mulher. “Por aquilo que depreendi, a mulher era quem dirigia o serviço nesse momento”, acentua.

Assim que se sentou, François Yves perguntou o que se passava, mas obteve o silêncio como resposta. Os agentes, segundo o turista, começaram a fazer-lhe algumas perguntas – nacionalidade, local de nascimento… – enquanto continuavam a analisar o passaporte. “Tinham o meu passaporte na mão, sabiam a minha nacionalidade, por isso não entendia o que se passava”, continua o médico, que nasceu nos Camarões, mas tem nacionalidade italiana. Explica que no país africano não aceitam dupla nacionalidade, por isso só ostenta a italiana, estado comprovado em todos os seus documentos, incluindo a carta de condução (2012) e cartão de inscrição na Ordem dos Médicos Italianos (2015). Documentos estes que, diz, acabou por disponibilizar aos agentes para provar que eram verídicos, tal como o seu passaporte.

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“Coloquei tudo sobre a mesa e perguntei-lhes qual era a dúvida que tinham”, revela Yves, que, de novo, não obteve resposta. Em vez disto, conta, os policiais estavam numa azáfama a consultar vários computadores. A certa altura, diz, um dos agentes regressou com um passaporte da União Europeia e comparou-o com o de François Yves, página por página.

Neste instante, o turista, que decidiu passar férias em Cabo Verde com a namorada, sugeriu aos agentes do serviço fronteiriço que contactassem a Embaixada da Itália se tinham dúvidas sobre a autenticidade do seu passaporte. “Recebi como resposta da mulher para não tentar ensinar-lhes o seu trabalho”, relata.

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Por seu lado, Anna Marangon tentava saber o que se passava com o namorado. E não lhe valeu de muita coisa as tentativas de obter informação junto dos policiais presentes no aeroporto da Praia. Entretanto, diz, tomaram-lhe também os documentos, que lhe foram devolvidos em pouco tempo. “Um dos agentes deixou escapar que, no meu caso, era fácil comprovar que eu sou italiana. Já no caso do meu namorado era mais difícil”, revela esta anestesista de profissão, que estranhou esse comentário. Para ela, esse comportamento pode ter alguma motivação racial, uma vez que é de tez branca e o seu namorado de pele preta.

“Não posso afirmar isto com propriedade, mas é uma hipótese”, frisa Marangon, que chegou a ver o namorado a ser encaminhado pelo átrio do aeroporto sob a guarda de quatro agentes. Conta que Yves gritou a pedir-lhe ajuda.

Acionadas a Embaixada da Itália e a Interpol

Decidida a agir, Marangon contactou a Embaixada da Itália e acionou a própria Interpol. Instituições estas que, diz, entraram no circuito e acabaram por ajudar na libertação de François Yves, mas após 12 horas de cativeiro.

Para o casal, é inaceitável a atitude dos agentes da PN que negaram por muito tempo fazer o óbvio, que era tentar saber junto da Embaixada da Itália se o passaporte era verdadeiro. Estes dizem que estaria a aparecer no computador da Polícia de Fronteira a fotografia de outra pessoa, e não a de François Yves. A ser assim, dizem, com mais razão a PN deveria consultar os serviços italianos para saber o que se passava.

Afirmam que os policiais resistiram durante muito tempo a dar esse passo, mesmo após contactos telefónicos feitos pelo serviço diplomático italiano. Relembram que Yves saiu da Europa com esse documento, o mesmo que apresentou no aeroporto da Praia quando chegou a Cabo Verde.

Férias infernais”

Cabo Verde, segundo Yves, foi o destino que ele e a namorada escolheram para passar uma semana de férias. Assim, solicitaram os respectivos vistos e compraram bilhetes para saírem da Europa no dia 14 de junho e regresso a 23 de junho. Deste modo, pegaram um voo para Lisboa no dia 14, onde fizeram escala. No dia seguinte, rumaram para Cabo Verde, com desembarque no aeroporto internacional da Praia. À chegada, tudo decorreu normalmente nos serviços de controlo.

Logo nesse dia embarcaram numa ligação interna para a ilha de S. Vicente, onde começaram a visita ao arquipélago. Deram um salto a Santo Antão, regressaram a S. Vicente, daqui partiram para Sal e depois Boa Vista. No dia 21, pegaram o voo de regresso à ilha de Santiago, onde ficaram a aguardar a viagem de retorno a Itália.

“Até aqui tudo decorreu de forma normal. O nosso calvário começou quando fomos apanhar o voo de regresso a Europa”, comenta François Yves, que diz ter ficado preso numa cela minúscula, sem iluminação, ventilação, água e comida, tratado como se fosse um criminoso. O turista assegura que não sofreu nenhuma agressão física, mas considera ter sido submetido a uma tortura psicológica.

Para Anna Marangon, este caso configura um incidente diplomático porque colocou em causa a credibilidade de documentos emitidos pela Itália. Assegura que ele o namorado já decidiram formalizar uma denúncia contra os agentes da Polícia Nacional junto da Embaixada de Cabo Verde na Itália, o que pretendem fazer ainda hoje.

Querem, deste modo, ter acesso ao processo de detenção e averiguação aberto contra François Yves pela PN para usarem como prova dessa ocorrência. O caso, adianta Anna Marangon, está entregue a uma advogada.

O Mindelinsite tem tentado entrar em contacto com a PN para ouvir a sua versão sobre este caso, mas sem sucesso. Contamos trazer a reação da Polícia Nacional assim que possível.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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