O arquitecto Hugo Cunha defendeu num seminário realizado em S. Vicente que é imperioso a Cidade do Mindelo ser dotada de um Palácio da Cultura, obra que, na sua percepção, deveria ficar na emblemática Praça Estrela. Para o efeito, este emigrante advoga a relocalização do actual mercado de roupas e diversos para outro sítio, para dar espaço a um edifício com 3.000 metros quadrados, adjacente a nordeste pelo Museu do Carnaval do Mindelo.
“Depois de tantos anos de independência, não faz sentido que Mindelo não tenha ainda um Palácio da Cultura. Esta é uma terra de músicos e poetas como B.Leza, Bana, Cesária, Bau, Voginha, Vasco Martins e de novos talentos, como, por exemplo, Djony do Cavaco, e fica difícil entender tamanha ausência”, considera Hugo Cunha em conversa com o Mindelinsite.
A proposta deste arquitecto residente na Austrália aponta a Praça Estrela como o local ideal para a construção do referido palácio pela sua história e localização logo à entrada do Mindelo para quem chega do aeroporto. No entanto, a sua perspectiva sobre a transformação urbanística dessa área é muito mais ampla. Na verdade, abrange a extensão que vai do Clube de Ténis até a orla marítima, ou seja, junto ao Pelourinho de Peixe. Nesta perspectiva, defende a demolição das paredes da antiga Vascónia – a compreender os edifícios da antiga Scapa, Vascónia, Esquadra e Matadouro Velho, o que daria uma vista ampla para a zona marítima – e a construção de um novo mercado de peixe paralelo a sede da Enacol.
“Este mercado ficaria junto ao mar para permitir o acesso aos botes de pesca. Seria uma estrutura à imagem das existentes noutras paragens e com elevado nível de higienização”, enfatiza o arquitecto, que incentiva a construção junto à Réplica da Torre de Belém (Pelourinho) de um oceanário, tal como foi projectado pelo arquitecto norte-americano Peter Chermayef há vários anos. Aliás, para Cunha, essa obra já deveria estar concluída, pelos benefícios que iria trazer à economia de S. Vicente.
Segundo Hugo Cunha, a ideia é fazer da Praça Estrela um local propício a realização de grandes eventos culturais e de convivência social numa área de 15.000 m2, como foi o seu propósito inicial. Para ele, este é o momento de se lançar o debate, recolher sugestões dos mindelenses e acasalar as diversas propostas urbanísticas existentes para a baixa da Cidade do Mindelo e que já foram apresentadas por outros arquitectos. “Em primeiro lugar queremos saber o que os mindelenses pensam, receber ideias, elaborar um plano abrangente e passar às fases seguintes”, realça. Este arquitecto faz questão de frisar que, na sua proposta, leva em consideração trabalhos desenvolvidos por outros colegas, como o urbanista sueco Papini, o arquitecto cabo-verdiano César Freitas e trabalhos elaborados pela Unesco (1980) e a escola M_Eia (colóquio de 2007).
A ideia foi apresentada no primeiro de sete seminários sobre a orla marítima do Mindelo, organizados pela Comissão Adhoc + São Vicente. Trata-se de um grupo de quadros cabo-verdianos residentes em Cabo Verde e na diáspora, criado para intervir nos assuntos candentes do desenvolvimento social, urbanístico e económico da chamada ilha do Monte-Cara. O mesmo se propõe apoiar as autoridades a elaborar um plano de requalificação de zonas-chave da cidade do Mindelo, começando pela sua orla marítima. Uma iniciativa justificada por alguns membros com a degradação e demolição do património histórico do município, a ocupação excessiva da orla, a poluição ambiental e o crescimento visível dos focos de pobreza, resultantes das políticas adoptadas para S. Vicente desde a independência.
“Praça Estrela nunca deveria ser transformada em mercado”
Para a professora Fátima Monteiro, doutorada em Letras pela Universidade de Harvard, a Praça Estrela nunca deveria ser transformada num mercado. Na sua perspectiva, essa intervenção acabou por destruir a essência do largo, que foi criado como espaço de convivência social, à semelhança do propósito da Praça Nova. “Quem viaja por este mundo a fora pode facilmente constatar que as praças são normalmente centenárias e foram construídas para reunirem a população nas datas marcantes. São espaços para onde as pessoas convergem independentemente das classes sociais”, frisa Monteiro, acentuando que o objectivo da comissão é resgatar a essência da Praça Estrela e devolve-la à sociedade.
O que se pretende neste momento, diz Fátima Monteiro, é traçar o estado da arte, saber das iniciativas e propostas, a opinião dos cidadãos para depois ser feita uma filtragem e a consequente elaboração de um projecto exequível e financeiramente sustentável.
O tema Praça Estrela foi discutido no primeiro seminário organizado pela Comissão Adhoc, que subdividiu a extensão da orla marítima do Mindelo em “segmentos” para serem debatidos com base nas seguintes perspectivas: Morro Branco e Lazareto (zona balnear e residencial), Cova d’Inglesa (área científica, devido a presença do IMar e do Centro Oceanográfico), Praça Estrela-Museu do Mar (espaço de convívio e do Palácio da Cultura), Avenida Marginal, troço Lajinha-Matiota (zona turística e hoteleira) e Ponta de Jôn Ribeiro.
O plano é promover uma discussão a cada dez dias, pelo que o próximo seminário será no dia 30 de maio. Todos os encontros serão realizados no Salão Nobre dos Paços do Concelho da Câmara de S. Vicente, espaço que, lembra Fátima Monteiro, pertence também aos munícipes. Segundo Monteiro, a disponibilização da sala pela edilidade mostra a adesão e engajamento da CMSV no ciclo de debates. Salienta, aliás, que a autarquia é uma das principais parceiras da Comissão Adhoc + S. Vicente nesta iniciativa.
Degradação visível da Baía do Mindelo
Pedida para opinar sobre a situação da orla marítima do Mindelo, Fátima Monteiro é directa ao considerar que a Baía tem vindo a sofrer uma degradação visível. A seu ver há excesso de ocupação da orla, prática que vem desde a Independência. Na sua perspectiva, conclui-se agora que não foi boa medida ter permitido a instalação de empresas pesadas como a Electra, Vivo Energy, Enacol, Moave praticamente na preia-mar.
Tudo isto, na sua opinião, acabou por criar uma “parede” que privou a população do acesso à beleza da baía. Esta professora lembra que se tem falado da retirada dessas indústrias de dentro da Cidade, mas até agora nada aconteceu. Este ciclo de seminários, diz Monteiro, tem também o objetivo de recolocar na ordem do dia a proposta de retirada das empresas pesadas da orla marítima do Mindelo.