As estradas do interior e arredores da cidade do Mindelo foram esta manhã tomadas por um extenso cortejo de ciclistas, motards, automobilistas e cavaleiros, todos trajados de branco e mobilizados à volta do combate à criminalidade e à impunidade. A adesão, que envolveu um elevado número de crianças acompanhadas dos pais, deixou os participantes orgulhosos e satisfeitos, até porque, como algumas vozes ouvidas pela reportagem do Mindelinsite enfatizam, essa iniciativa cívica visou também promover o Dia 1 de Junho e defender o direito de os menores viverem em segurança.
“Ficamos muito satisfeitos com esta moldura, mas isso não me surpreende porque sabíamos que as pessoas iriam aderir a esta causa social, que diz respeito a todos”, admitiu David Leite, mentor da passeata. Segundo este porta-voz, essa manifestação sobre rodas pretendeu enviar duas mensagens fundamentais: a primeira para as pessoas que andam a perturbar a paz social em S. Vicente, que criam caos e confusão com os seus actos criminosos. “Somos um país de paz e de brandos costumes e queremos ser um destino turístico. Esses actos são incompatíveis com estes objectivos e estamos atentos”, frisa.

A segunda mensagem, segundo Leite, é para o poder legislativo e os parlamentares, que, diz o ex-jornalista, precisam mudar as leis em C. Verde. “Isto para não vivermos na injúria de ver um bandido/ladrão andando descaradamente com a nossa bicicleta ou usando o nosso telemóvel porque o tribunal decretou a sua soltura, mesmo sabendo ser um ladrão”, reclama Leite, acentuando que determinadas leis em vigor poderiam ser aplicadas há 20 ou 30 anos, mas não na actual conjuntura.

David Leite apontou também a pontaria para quem anda comprando produtos roubados, cometendo o crime de receptação, e até a dar guarida a delinquentes. Apelou a essas pessoas para mudarem a sua atitude e que pensem mesmo em denunciar os criminosos às autoridades.
Segundo esse activista, o evento foi marcado para este domingo porque as crianças são as principais vítimas da insegurança. O objectivo, diz, é que possam viver num ambiente mais sereno e que haja tolerância zero para crimes como a pedofilia. “Parece-nos que o principal pilar da sociedade, que é a família, está a abdicar-se da sua obrigação de educar os filhos em casa”, aponta Leite, que apela aos pais para não permitirem que os filhos frequentem determinados ambientes, nomeadamente as chamadas bocas de fumo. Ele que elogiou, entretanto, o trabalho desenvolvido nos últimos tempos pela PN, que tem feito operações mais intensas e visíveis em S. Vicente.
O motard Kiki Soulé também reconheceu o empenho da PN, mas salientou que as operações têm de ser constantes para não haver um recuo no combate à criminalidade. Na sua ótica, o sentimento de impunidade e a demora na realização da justiça precisam ser fortemente combatidos em C. Verde. “Fala-se muito dos direitos humanos, mas e como ficam os direitos dos humanos honestos, que trabalham, assumem as famílias e educam os filhos?! Pessoas estas cujos direitos são desrespeitados por alguém que se acha no direito de invadir as suas casas ou praticar assaltos na rua”, critica.

Kiki Soulé integrou um grupo de aproximadamente 40 motards, que aceitaram o convite da organização para participarem na passeata. Afirma que aceitaram sem pestanejar porque a situação precisa ser mudada e com urgência em S. Vicente. Para ele, há vários factores que andam a estimular a criminalidade na ilha, um deles as leis que, na sua opinião, são ainda muito brandas.
A iniciativa, na perspectiva de Cau Soulé, membro da organização, atingiu a meta pretendida. Ele que ficou impressionado com o nível de adesão dos mindelenses a essa manifestação pacífica e pedagógica. “Nunca pensei que haveria tanta gente. Por isso estou grato e confiante de que a mensagem desta iniciativa vai passar e ter os efeitos esperados”, salientou.
Presidente do grupo Mandingas d’Rebera Bote, Nilton “Tau” Nascimento fez questão de apoiar essa causa porque é das pessoas que se sente cansada com a impunidade dos criminosos na sociedade cabo-verdiana. Na sua percepção, os delinquentes estão certos de que raramente vão pagar pelos seus actos, pois entram com um pé no tribunal e saem logo com o outro. “É preciso acabar com a impunidade porque os crimes estão aumentando. Por exemplo, assaltaram recentemente a minha esposa perto da nossa casa e isto é revoltante”, revela Tau, que tem ainda conhecimento de casos ocorridos durante os desfiles dos mandingas, nos domingos do Carnaval. “Aproveitam-se da multidão e nem ficam com medo de serem descobertos e denunciados aos agentes da PN que nos dão cobertura”, frisa Tau, para quem a PN tem feito um ótimo trabalho, mas sente que isso é insuficiente para acabar com a insegurança.

Acompanhado dos filhos, o professor Rui Freitas marcou presença na passeata por duas grandes razões: a defesa dos direitos das crianças de crescerem num ambiente seguro e por ser um amante do ciclismo. Para ele, essa iniciativa é uma chamada de atenção para a sociedade e as autoridades e ao mesmo tempo a promoção da bicicleta como meio de transporte. Na sua opinião, esse tipo de iniciativa deve continuar e ser realizada noutras datas.
A iniciativa, refira-se, envolveu associações cívicas e desportivas, a Cruz Vermelha, a Polícia Nacional e os Bombeiros Municipais de S. Vicente.