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   Por: José Manuel Araújo 

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Num artigo recente publicado sob o título – “O Futebol cabo-verdiano” – coloquei em relevo o absurdo enquadramento que enredou as duas representantes do futebol sãovicentino – “o Mindelense e a Académica” – no mesmo grupo do Campeonato Nacional, interpretando essa medida como mais uma na diversificada lista de iniciativas de índole centralizadora no nosso país.

Com factos, demonstrei e fundamentei as minhas razões e preocupações, na verdade mais alinhadas com a construção duma sociedade sadia, do que propriamente com o futebol em si.

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Não reescreverei todo o corpo do outro artigo, mas, para destacar o ponto de interesse deste, pela ordem cronológica, recupero os pilares do anterior:

(Iº) Existência de nove regiões desportivas no país (região/ilha); (IIº) Início de levianas manifestações em S. Vicente e em Santiago, cada uma ambicionando uma maior presença do que as restantes ilhas, das suas equipas nos campeonatos nacionais; (IIIº) Do impasse nesta contenda, Santiago solicita à FCF a sua divisão em duas regiões; (IVº) Por essa via, Santiago consegue assim o objetivo de exclusividade de se fazer representar por duas equipas (uma de cada região); (Vº) Como consequência, o número de regiões desportivas no país aumenta de nove para dez;

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(VIº) Inspirada na iniciativa de Santiago, de imediato e legitimamente Santo Antão manifesta o mesmo desejo; (VIIº) Com o precedente aberto, a FCF já não tem como negar o pedido a Santo Antão; (VIIIº) Com o aumento simultâneo de regiões numa e noutra ilha, o número de regiões desportivas no país acresce mais ainda, agora de dez para onze; (IXº) Para contornar o número ímpar (onze) de equipas, a FCF introduziu o conceito de defesa do título, aumentando o número de equipas para doze;

(Xº) Para os amantes do futebol, embora desconhecendo qualquer adaptação formal da redação do regulamento em vista a proteger as regiões que defendem o título de terem as suas duas representantes inseridas num mesmo grupo com o risco de uma eliminar a outra, essa medida tornou-se, entretanto, uma prática corrente que permitia que esses representantes se mantivessem em grupos distintos e assim não se eliminassem um ao outro;

(XIº) Com alguma regularidade S. Vicente se fez representar por duas equipas que inicialmente iam sendo colocadas em grupos diferentes de acordo com a prática; (XIIº) Vendo isto, as duas regiões, Santiago Norte e Santiago Sul reclamam um tratamento diferente da generalidade das regiões, para que as representantes de ambas e só de ambas não se cruzem no mesmo grupo, como se as duas, fossem uma mesma região; (XIIIº) Para expurgar esta vontade de qualquer sentido localista, por arrastamento também aceita-se colocar as duas regiões de Santo Antão na mesma condição;

(XIVº) Mesmo resultando num desnecessário e evitável agravamento dos custos, a FCF acede a essa ambição e começa a separar os representantes de Santiago Norte e Santiago Sul por grupos diferentes como se fossem equipas duma mesma região; (XVº) S. Vicente reclama; (XVIº) A FCF absorve a reclamação de S. Vicente e volta a colocar os representantes de Santiago Norte e Santiagpo Sul por via de sorteio, porém, introduz a surpresa inesperada, estendendo essa medida indiscriminadamente a todas as regiões; (XVIIº) Consequentemente, com a introdução dessa surpresa, neste quesito da representação, também S. Vicente passou a ser tratada como se fosse duas regiões desportivas, tal como Santiago Norte e Santiago Sul o são.

Fica assim exposta a insistente determinação por uma absurda sequência de medidas, cujo único móbil parece ser a vontade viciante de tratar o desigual como igual, prejudicando uns para beneficiar outros. E foi, ao observar essa sequência de estranhos eventos que não passam afinal duma gota de água no universo do que acontece neste país, que considerei a necessidade de tentar contribuir escrevendo o anterior artigo já acima mencionado.

Se é verdade que a minha tentativa foi de imediato rejeitada, talvez sequer objeto de mínima reflexão, não se pode negar, entretanto, que ela conseguiu produzir a grande revelação: “A reação das entidades desportivas que não poderia ter sido mais clara, categórica e esclarecedora”.

Assim, logo de seguida, uma outra federação, a de Andebol, decidiu determinar que as duas representantes do andebol feminino de S. Vicente (Atlético e Amarante) seriam obrigadas a ficar no mesmo grupo, tal como aconteceu com a Académica e o Mindelense no futebol. Inquieta ainda com a presença de novo de dois representantes de S. Vicente, agora na modalidade masculina (Atlético e Farense), a Federação Cabo-verdiana de Andebol repetiu a mesma receita e com mais um agravante no campeonato nacional: além de ficarem no mesmo grupo, as equipas de S. Vicente seriam obrigadas a confrontar-se nas meias-finais, caso passassem para esta fase. Ou seja, se não se eliminam à primeira, à segunda garantiremos que aconteça.

Com esta segunda vaga demolidora após o referido anterior artigo, a dúvida que se instala nos amantes do desporto é a seguinte: a interferência de condutas, iniciativas e medidas tão explicitamente tendenciosas como estas (coisa que acontece desde a independência), é resultado duma distração sem limites ou duma completa falta de visão do que é e para que serve o desporto na sociedade, ou será uma reação às críticas com o seguinte aviso aos navegantes: – “Quando decidimos alterar a verdade desportiva, fazêmo-lo sem titubeios. E se alguém ousar criticar, não discutiremos o objeto da crítica, mas sim reagiremos com medidas retaliatórias, mesmo que isso ponha em risco a sã convivência no seio da nossa população”.

Em suma, estaremos em presença duma falta de cultura do que é “desporto”, ou duma falta de “desportivismo”?

E com este cenário já plenamente instalado no país, vá-se lá saber até onde é capaz de chegar, até onde está disposto o cabo-verdiano a esticar a corda para conseguir o que quer?

Por um desporto na sua verdadeira acepção da palavra…

                                                                                  

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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