Por: Arlindo Nascimento Rocha
“Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha em conjunto é realidade” (Prelúdio – Raul Seixas).
O Ensino secundário em Cabo Verde é uma etapa repleta de desafios e oportunidades. Nesta etapa, além de consolidarem as suas identidades pessoais, os alunos aprofundam os seus questionamentos sobre si, os outros, o mundo e, sobretudo, ao seu redor. A Filosofia desempenha um papel central nesse
processo, promovendo a emancipação intelectual e o desenvolvimento das competências essenciais que enriquecem o capital cultural e intelectual dos alunos.
Tradicionalmente, o ensino da filosofia sempre se limitou à transmissão de informações, sufocando a experiência do diálogo e da reflexão crítica nas salas de aulas. Contrariando essa prepositiva, o filósofo francês Jacques Rancière defende que a prática e/ou o ensino da filosofia deve ser uma experiência que
instigue os alunos a pensarem por si. Essa abordagem propõe um foco no desenvolvimento do pensamento crítico, promovendo não apenas o autoconhecimento, mas também o crescimento pessoal, uma ideia que, também, é reforçada por Michel Foucault.
Aprofundando ainda mais essa perspetiva, o professor Silvio Gallo vai além ao afirmar que (…) cada aula de filosofia deve ser uma provocação para os alunos, desafiando-os a ‘quebrar a cabeça’, a romper com as suas certezas, a questionar suas dúvidas, violando suas ‘virgindades intelectuais’ e fazendo-os
perder irrecuperavelmente suas inocências (…). A educação filosófica, como defendem os autores supracitados, deve ir além do tradicional, incentivando os alunos a questionar, a debater e a construir as
suas próprias compreensões do mundo.
Em sua obra O mestre ignorante, Rancière propõe que todos os alunos são capazes de aprender e que o papel do professor deve ser o de facilitar esse processo, reconhecendo a igualdade das inteligências. Essa abordagem democratiza o processo de aprendizagem e instiga os alunos a tornarem-se pensadores autónomos, capazes de explorar novas ideias. Assim, a Filosofia transforma-se em uma ferramenta poderosa para a emancipação intelectual e o desenvolvimento crítico dos alunos.
Para atingir este objetivo, é necessário romper com as práticas pedagógicas tradicionais, criar mediações pedagógicas eficazes e tornar os conteúdos significativos para os alunos. O ensino da filosofia deve ser diversificado e plural, utilizando métodos e metodologias ativas que engajem os alunos de forma dinâmica e interativa. A avaliação deve ser flexível, valorizando o desenvolvimento do pensamento crítico e a capacidade de argumentação individual de cada aluno.
Foi este propósito que levou à elaboração e à publicação deste Manual de Filosofia para o 11º ano do Ensino Secundário em Cabo Verde. Esta iniciativa soma-se à outra, iniciada com a elaboração e a publicação do Manual para o 10º ano e reflete a convicção sobre a importância do pensamento filosófico na formação de alunos críticos e reflexivos.
Semelhante ao primeiro, este Manual foi didaticamente estruturado, de acordo com o Programa elaborado pelo Ministério de Educação de Cabo Verde, de forma a apresentar aos alunos e aos professores os conteúdos filosóficos que estruturam o surgimento e a evolução do pensamento filosófico ao longo da história, incentivando a reflexão, a pesquisa e o debate de ideias.
O objetivo permanece o mesmo: estimular a curiosidade e fortalecer as competências e as habilidades discursivas e argumentativas dos alunos, promovendo a busca contínua por respostas através da prática filosófica.
Portanto, a meta é consolidar, progressivamente, os saberes adquiridos anteriormente e descobrir novos caminhos através de insights filosóficos, preparando os alunos para novos desafios.
A elaboração deste Manual foi uma jornada coletiva, não um esforço solitário. Ao longo do caminho, tive a sorte de contar com o apoio de muitos amigos, colegas e professores que, generosamente, dedicaram o seu tempo e seu conhecimento para moldar, consolidar e rever este trabalho. Como bem disse Raul Seixas, “sonho que se sonha só é apenas um sonho. Mas sonho que se sonha junto é realidade.” Essa colaboração transformou as nossas aspirações em algo tangível e significativo. O que sempre foi um dos maiores desafios para Cabo Verde tornou-se uma oportunidade de, juntos, ajudarmos os alunos e os
professores de filosofia no nosso país.
Em um gesto de gratidão, expresso o meu reconhecimento a todos os que contribuíram com empenho e dedicação louváveis. Um agradecimento especial vai para Hélida Lopes, professora de Filosofia da Escola Salesiana de Artes e Ofícios; Anderson Pires, da Escola Secundária Jorge Barbosa, ambos em Mindelo, São Vicente; e Olímpio Tavares, do agrupamento Olegário Tavares em Achada do Monte, no Concelho de São Miguel, na ilha de Santiago.
As minhas considerações estendem-se também ao Doutor João Branco, professor, ator, encenador e investigador, cuja colaboração foi fundamental com o texto “O teatro em Cabo Verde: crioulização – princípios gerais.” Agradeço ainda ao professor de Português do Liceu Ludgero Lima, Valódia Monteiro, pela meticulosa revisão textual. A sua atenção aos detalhes garantiu a qualidade dos conteúdos, minimizando as inconformidades textuais, aprimorando a coerência e fluidez.
Por último, mas não menos importante, sou grato à Doutora Filomena Martins, ex-Ministra da Educação de Cabo Verde, pela elaboração do Prefácio. A sua abordagem íntima e direta com os alunos confere ao Manual uma relevância excecional. É com prazer que compartilho o prefácio gentilmente escrito por ela.
“A ti, jovem estudante! Apraz-me introduzir-te na exploração deste riquíssimo manual de Filosofia, enquanto instrumento de descoberta do conhecimento de ti próprio, do teu “EU”, do “OUTRO”, do Mundo e da Vida na sua complexidade, mediante a utilização daquilo que, por excelência, define a natureza humana: o pensamento, a razão livre e crítica, o logos, em toda a sua expressão.
Cada página lida deverá conduzir-te à reflexão sobre questões éticas, existenciais e sociais, deverá permitir-te desenvolver a autonomia do teu pensamento, desafiando certezas e respostas tidas como inquestionáveis, deverá iniciar-te na busca de outras respostas e soluções, em diálogo com o outro e em
estrito respeito pela diversidade de opiniões e sistemas de saber, aliás, habilidades cada vez mais essenciais ao nosso mundo, profundamente, marcado por inquietações e desafios plurais.
Começas a entender que estás perante uma disciplina que te estimulará a libertares-te de pensamentos pré-concebidos, de amarras intelectuais, que aguçará a tua curiosidade, impulsionando o teu pensamento livre e reflexivo, que te desafiará a seres Homem em todas as dimensões.
É isso mesmo! Acertaste! Filosofar é Libertar, é Pensar, é Duvidar, é Ser!! Ao desfrutares deste manual, conseguirás apreender a pertinência do estudo da Filosofia na formação do indivíduo, na compreensão o mundo, do ser humano e da sociedade. Constatarás que, através das suas sucessivas interrogações, ela
é uma LUZ (ou talvez, “A LUZ”, tu o decidirás) no caminho do conhecimento humano. Assim foi com os primeiros filósofos da Antiguidade, assim é com os pensadores contemporâneos.
Esta disciplina mantém-se viva e relevante, ainda que a bem-vinda evolução da ciência nos faça pensar o contrário, dando-nos a ilusão que de nada serve.
Descobrirás que isso, sim, é uma ilusão, uma falácia, que esta crença errada dos últimos séculos remeteu o mundo para a rutura com a natureza, sociedades e valores éticos, estéticos, religiosos e políticos, em que se encontra.
Ao longo deste manual, através do estudo da Lógica (arte de pensar de forma coerente), da Gnosiologia(estudo do conhecimento), da Epistemologia (estudo das correntes do conhecimento e seus limites), das Dimensões Estética (apreciação da beleza e da arte) e Religiosa (crenças e valores que sustentam as tradições espirituais), passando ,igualmente, pela análise dos desafios contemporâneos, compreenderás que o caminhar conjunto da Filosofia e da Ciência resulta em pensadores e cidadãos conscientes e audazes.
Sê tu próprio um deles!
Filosofar é libertar, é pensar, é duvidar, é ser!!”
[Filomena Martins].Que este Manual sirva como um instrumento didático que atenda às necessidades educacionais, proporcionando suporte essencial para o estudo e a pesquisa, auxiliando alunos e professores na contínua missão de “aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver; aprender a ser e, finalmente, aprender a aprender”.
Rio de Janeiro – Brasil, aos 21/01/2025