Christian Lopes
Cabo Verde está a caminhar para os 50 anos de independência. Meio século de soberania é, sem dúvida, motivo de orgulho, mas também deve ser momento de reflexão séria sobre os nossos grandes desafios — e entre eles, o setor dos transportes merece um lugar central.
Falar sobre os transportes, especialmente os aéreos e marítimos, em Cabo Verde, é tocar num dos temas mais sensíveis e complexos da nossa realidade nacional. Não se trata aqui de culpar ninguém em concreto. Todos sabemos que este é um problema estrutural, que atravessa governos, legislaturas e até gerações. Mas chegou o tempo de parar de empurrar o problema com a barriga. Precisamos de encarar o tema com maturidade, responsabilidade e, sobretudo, com vontade coletiva de o resolver de uma vez por todas.
Cabo Verde é um arquipélago. Somos mar e céu antes de sermos terra. Não temos autoestradas que ligam as ilhas, nem comboios, nem autocarros intermunicipais que nos transportem de um ponto ao outro. Se não houver barco nem avião, simplesmente não há circulação.
O problema dos transportes em Cabo Verde não pode ser comparado ao de Portugal, Bélgica, Alemanha, USA ou qualquer outro país continental. O nosso caso é único e precisa de soluções à nossa medida. Quando falamos de transporte em Cabo Verde, falamos de muito mais do que turismo ou logística. Estamos a falar de vida real: um doente na Brava ou no Fogo não consegue ser evacuado para Praia ou São Vicente a tempo; um estudante universitário em Santiago não consegue regressar a casa nas férias; um pequeno empresário no Maio não consegue acompanhar o seu negócio em São Vicente; um emigrante que volta dos EUA ou da França não consegue visitar a ilha natal por falta de voos ou ligações diretas; um turista internacional só conhece Sal e Boavista, e nunca o encanto autêntico de Santo Antão, São Nicolau ou Fogo; um cidadão nacional não consegue, sequer, conhecer o seu próprio país — o turismo interno torna-se um luxo. Tudo isso depende de transportes que funcionem com previsibilidade, regularidade e dignidade.
E é por isso que está mais do que na hora de termos uma discussão séria, profunda e acima das lógicas partidárias. É verdade que os políticos são eleitos para servir a nação e garantir o bom funcionamento das instituições. E sim, sem política, reina o caos. Mas também é verdade que os políticos são funcionários do povo — pagos com os impostos do mesmo. Por isso, nada deve ser feito sem o consentimento e o envolvimento do povo. O tempo das promessas vagas e das soluções embrulhadas em discursos inspirados já passou.
Queremos saber Como, Quando e com Quem
O que temos visto ao longo das décadas são promessas repetidas. Vários foram – e ainda são – os candidatos a primeiro-ministro — de várias cores — a afirmarem que detêm “a solução” para o problema dos transportes. O resultado está à vista de todos. Esse problema continua por resolver. E, honestamente, já não nos basta ouvir “eu sei como resolver”. A pergunta certa agora é: Como, em concreto, é que isso resolve? Qual é o plano? Quais são os custos? Quais os prazos? Quais os parceiros? onde estão os estudos? Onde está o debate público?
Este problema não pode mais ser tratado de forma unilateral. É demasiado importante. É hora de chamar à mesa o governo, a oposição, as autarquias, os académicos, os especialistas do setor, concessionários, profissionais da área e até os próprios cidadãos interessados. Todos juntos, num verdadeiro “djunta mon”, precisamos de desenhar um plano nacional e duradouro para os transportes — um plano que sobreviva a ciclos eleitorais e não mude ao sabor da cor do partido no poder.
A cada mudança de governo, começamos tudo do zero. Não há continuidade, não há visão de longo prazo, e quem paga essa fatura somos todos nós. O transporte interno é o motor da coesão social, do desenvolvimento económico, da saúde, da educação, do turismo, da dignidade. A mobilidade interna é um pilar da soberania nacional. Não pode ser um brinquedo eleitoral.
Como dizia Francisco Sá Carneiro, ex-primeiro-ministro português: “Primeiro o país, depois o partido, e só depois os interesses pessoais”.
Cabo Verde precisa, com urgência, de um Plano Nacional de Estabilização dos Transportes, desenhado com base em dados, estudos técnicos, viabilidade financeira e participação cidadã. Um plano que funcione para 10, 15, 20 anos, que possa ser atualizado quando necessário (como exige a evolução do mundo), mas que não seja alterado com base em ideologias ou lutas políticas. Esse plano deve ser acompanhado de escrutínio, transparência e fiscalização cidadã, porque os verdadeiros interessados — somos nós, o povo (incluindo os políticos).
Chega de promessas vãs, de políticas improvisadas e de culpas atribuídas de um lado para o outro. A questão não é de quem é a culpa. A questão é: O que vamos fazer — todos juntos — para resolver isso de vez? Este problema não vai ser resolvido apenas com medidas avulsas, nem com anúncios em conferências de imprensa. Vai ser resolvido com seriedade, diálogo, escuta ativa e compromisso nacional. Por isso, deixemo-nos de lamentos, deixemo-nos de desculpas e de divisões. Transformemos o “djunta mon” em prática real.
Porque se não for agora, quando? E se não formos nós, quem?