Odair Ramos*
“Em Cabo Verde, a rápida evolução do setor da mobilidade elétrica não tem sido acompanhada com igual velocidade pela capacitação técnica dos serviços de emergência, nomeadamente os bombeiros. A ausência de formação especializada sobre como atuar em incêndios envolvendo veículos elétricos e postos de carregamento coloca em risco não só os profissionais da linha da frente, mas também os cidadãos e bens patrimoniais.“
Nas últimas décadas, o mundo tem caminhado para uma transição energética orientada por princípios de sustentabilidade e mitigação das alterações climáticas. Neste contexto, a mobilidade elétrica surge como um símbolo do progresso verde e é cada vez mais notória a presença dos veículos elétricos e híbridos e, no caso particular, em Cabo Verde.
Num desses dias, tive que me encontrar com um amigo nas imediações da praia da Laginha e, enquanto aguardava a sua chegada – “pois lá está a tal hora do crioulo” – a minha atenção foi arrebatada pela estética dos veículos eléctricos que ali passavam e, para me entreter, decidi contá-los. Em pouco mais de 15 minutos já tinha ultrapassado uma dezena e, sem me aperceber, acabei por parar a contagem, pois o pensamento fugiu ao encontro de uma questão que, ao que parece, não se tem dado a devida atenção. Queira Deus que não venha a ser tarde, o dia que resolvermos ver o outro lado desta forma de mobilidade.
Com o aumento gradual do parque automóvel elétrico e a instalação de postos de carregamento, é essencial olhar além das vantagens ambientais e refletir sobre os desafios silenciosos que esta revolução tecnológica impõe, especialmente no campo da segurança e proteção civil.
A principal promessa dos veículos elétricos está no seu contributo para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, poluição sonora e dependência de combustíveis fósseis. Estes automóveis, alimentados por energia limpa, são peças-chave para um futuro mais verde e representam uma aposta coerente com os compromissos ambientais internacionais de Cabo Verde. Além disso, os veículos híbridos funcionam como uma solução de transição, mantendo a autonomia dos motores de combustão, enquanto introduzem práticas mais sustentáveis.
Toda a inovação traz consigo novas exigências e responsabilidades!
Em Cabo Verde, a rápida evolução do setor da mobilidade elétrica não tem sido acompanhada com igual velocidade pela capacitação técnica dos serviços de emergência, nomeadamente os bombeiros. A ausência de formação especializada sobre como atuar em incêndios envolvendo veículos elétricos e postos de carregamento coloca em risco não só os profissionais da linha da frente, mas também os cidadãos e bens patrimoniais.
As baterias de lítio, utilizadas nesses veículos, têm características químicas altamente voláteis. Um incêndio num carro elétrico pode alcançar temperaturas elevadas, com risco de explosão e libertação de gases tóxicos, situações que exigem equipamentos e procedimentos distintos dos utilizados nos incêndios convencionais.
Perante tais desafios recomenda-se o investimento em meios adequados como mantas anti chamas, kits de isolamento elétrico, espumas especiais, sistemas de contenção de lítio ou mesmo o “Emergency plug”, que é um dispositivo que permite inibir o sistema eléctrico destes veículos em caso de emergência, como, por exemplo, num acidente. Só investindo a esse nível é possível efetivamente garantir a segurança dos socorristas, dos possíveis ocupantes e de todos quantos estiverem ao redor durante os trabalhos de salvamento, pois, a qualquer momento, o veículo pode mover-se acidentalmente.
Esta lacuna torna-se ainda mais preocupante quando se considera o aumento do número de postos de carregamento instalados em locais urbanos densamente povoados e sem planos de emergência eficazes, ou, se existem, não são socializados nem testados.
Se queremos uma transição energética que seja verdadeiramente sustentável, ela precisa ser segura. É urgente que as autoridades nacionais e locais, em articulação com empresas do setor automóvel e entidades internacionais, invistam na formação técnica dos bombeiros e na aquisição de equipamentos apropriados. Paralelamente, é fundamental criar campanhas de sensibilização pública que instruam os condutores sobre boas práticas no uso dos veículos e carregadores elétricos, prevenindo incidentes.
Adotar a mobilidade elétrica é, sem dúvida, uma escolha acertada para o futuro ambiental de Cabo Verde. Mas esse futuro não pode ser construído com base em lacunas operacionais. O desenvolvimento sustentável exige visão a longo prazo, planeamento integrado e um forte compromisso com a segurança pública. Só assim será possível garantir que o progresso tecnológico se traduza em bem-estar coletivo, e não em novos riscos.
* Bombeiro Municipal – Licenciado em Gestão de Segurança – Pós graduado em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local.