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Opinião

Sodade des nha Terra S. Nicolau (Segunda parte)

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Quem é Maria Oliveira Alves? A seguir uma transcrição de uma longa conversa que tive com Marenobs para conhecer essa mulher que deu prova de grande coragem ao denunciar, nas redes sociais, a injustiça de que foi vítima em Cabo Verde.

Por: Maria de Lourdes Jesus

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Conhecemos um bocadinho mais a Maria através do seu projecto migratório. “Nasci em S. Nicolau em 1961. Sou mais conhecida por Marenobs. Sou a primeira de cinco filhos de José Alves, conhecido por nho Flipine, e Maria de Conceição Oliveira Alves, conhecida por Maria de nha Txela de Fajã de Baixo. A nossa casa era de pobreza daquele tempo, dois quartos, cozinha, dispensa e quinta, construído na nossa horta. Minha mãe cuidava da casa e dos filhos, meu pai da horta e de algumas cabeças de cabras. Ainda não se falava da galaria de Fajã que abastece hoje muita água para regadio, e que transformou a zona numa das mais verdes e bonita da nossa ilha, com uma rica produção agrícola, até para exportar para outras ilhas. Em relação ao tempo que nasci, Fajã hoje tem fartura, graças a galaria.”

Quando tudo começou

“Comecei a trabalhar quando meu pai decidiu que não valia a pena continuar na escola. Depois da primeira classe, sendo filha maior, ajudava a minha mãe nas tarefas da casa e cuidava dos meus irmãos. Trabalhava também para outras pessoas: ia apanhar lenha, carregar água, levar a comida na hora e lavar roupas. Vendi peixe também. Era a companheira de nha Maré Tuda. Saíamos de casa de madrugada para ir comprar peixe no Tarrafal. Íamos e voltávamos a pé, com o balaio de peixe na cabeça para vender em Fajã. Esse era mesmo uma grande ‘massada’. Trabalhei também no Estado. Tinha 13 anos, mas como só aceitava crianças de 14 anos para cima, tive que aumentar a minha idade um ano. Mas não estava sozinha. Havia mais jovens, da mesma idade que a minha, que falsificação a idade para poderem tirar um dia de trabalho no Estado. Quando o pite do capataz tocava, às 16 horas, era o tempo de voltar para a casa. Mas não íamos sem levar lenha. Não era como hoje que todos têm fogão a gás e camping. Tudo era cozinhado na lenha. Era uma vida de sacrifício.”

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A viagem de Marenobs

“Vim para Itália em 1981, graças as minhas duas amigas: Maria Cristina e Tanha: arranjaram-me um trabalho num casal que fazia parte da família onde elas trabalhavam. A minha história é igual a das muitas outras cabo-verdianas, mulheres muito corajosas que desafiaram e venceram a pobreza através da emigração. Todas elas encontraram emprego para irmãs, primas e amigas. Eu também percorri o mesmo caminho traçado por elas, graças às minhas duas amigas que conseguiram-me um emprego através de sua senhora em Milão. Logo recebi a famosa ‘Carta de Chamada’. Fui para Vila ter com nho Jack Bibi que tratava toda a documentação, até obter o visto do consulado italiano em Dacar. Quando o passaporte chegou, já tinha nas mãos o bilhete de viagem S.Nicolau/Sal/Lisboa/Milão. Estava pronta para viajar. Só faltava marcar a data. A partir desse dia, comecei a sentir uma profunda tristeza dentro de mim, uma mágoa, insegurança e medo de partir. Parecia que ia acontecer uma tragédia.”

A partida de Marenobs para Itália

“A situação mais triste e difícil que tive de enfrentar na minha vida foi a despedida dos meus familiares e amigos, no dia da minha viagem para Milão. Nunca tinha saído da minha ilha. Mesmo estando em S. Nicolau, só conhecia poucas localidades: Tarrafal, Vila e as zonas próximas de Fajã. Não era como agora que as pessoas decidem ir tomar banho em qualquer praia ou almoçar em uma outra cidade como Tarrafal ou Juncalinho; pega no carro e, após meia hora, chega ao destino. Tive que emigrar para que hoje pudesse conhecer a minha ilha sempre que quiser e almoçar fora quando me apetecer. Quando chegou o dia da minha viagem para o Sal, os meus pais e irmãos acompanharam-me até ao aeroporto. Viajei chorando até aterrar na ilha do Sal. O avião era o ‘Djo Canela’. Fazia muito barulho, mas se ficasse passageiros no Sal ou em outra ilha, voltava sempre a fazer mais voos. Como se diz em Itália, estávamos melhor quando estávamos pior. Voltando a minha viagem, estava tudo muito bem organizado. No aeroporto do Sal encontrei o meu irmão, que me levou para a sua casa. E, no dia seguinte, acompanhou-me ao aeroporto rumo a Lisboa. O mesmo aconteceu em Lisboa com a minha irmã, que estava à minha espera.

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Primeiro impacto com Itália

“Foi muito interessante a minha chegada em Itália. Antes para se identificar a pessoa no aeroporto era através de fotos. A patroa enviava uma foto e a jovem cabo-verdiana uma sua também. No meu caso não foi assim. Na última carta que tinha recebido da senhora, estava o meu bilhete de viagem para Milão, juntamente com uma mensagem escrita num papel em italiano, que a minha amiga traduziu por telefone quando ainda estava em Lisboa. Na mensagem estava escrito tudo o que deveria fazer até chegar à casa da senhora. Dizia mais ou menos assim: logo que chegar ao aeroporto deveria dirigir a polícia para entregar a nota escrita. A polícia deveria chamar um táxi, registar o seu número, entregar a morada, para me acompanhar até o meu destino. Assim foi e tudo correu muito bem, embora eu não estava tranquila. O meu coração batia forte de susto. Quando cheguei em casa, o motorista tocou companhia e a senhora veio-me receber. Pagou o táxi e quando entramos em casa, depois das boas vindas, ligou para a polícia para informar da minha chegada e agradecer. 

Foi um desespero a minha chegada, sobretudo quando entrei no meu quarto, num ambiente estranho. Chorava, chorava sempre, e o pior é que não gostava da comida. Todas as vezes que tentava comer vomitava e, por fim, doía-me a barriga. Na zona onde morava, passava muitos aviões e rezava todas as vezes para este baixar para me levar para São Nicolau. Todas as vezes a minha senhora ligava para a minha amiga me consolar. Podia sair duas vezes por semana: quinta-feira e domingo. Foi a minha salvação e um grande alívio quando encontrei-me com a minha amiga e outras cabo-verdianas nos dias livres. Íamos passear na cidade, mas sempre em grupo. Também íamos à casa das freiras onde estavam muitas outras patrícias. Comecei a ficar animada, a comer comida de Cabo Verde, como arroz com atum e gemada, pão, ovos, até me habituar com a comida italiana. Nessa altura não havia ainda negócios e supermercados como hoje, onde podemos comprar produtos da nossa Terra.”

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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