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“São Vicente de Cabo Verde: Território de riscos”

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Nelson Faria

“… do estudo, de um e-book, resultado de um trabalho científico dos investigadores Bruno Martins, Luciano Lourenço, Adélia Nunes e Fátima Velez de Castro, feito em 2021, Intitulado ‘São Vicente de Cabo Verde: Território de riscos’, é possível depreender uma abordagem sobre os principais riscos naturais que ocorrem na ilha de São Vicente, com evidências sobre a desertificação, limitações de exploração e gestão de recursos hídricos e perceção de suscetibilidade e vulnerabilidade a inundações, o fenómeno que registamos nos dias de hoje.

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Depois das chuvas de 11 de agosto de 2025 é inevitável não nos debruçarmos sobre os riscos e as possíveis soluções da grande tragédia que se abateu sobre São Vicente a nível material, mas, sobretudo a nível humano. Preferencialmente, esta abordagem carece de cientificidade de modo que as soluções a serem aplicadas sejam suficientemente estruturantes para a garantia da sustentabilidade da vida nesta ilha em circunstâncias parecidas, quanto não seja, por imposição das alterações climáticas que nos mostram cada vez mais um conjunto de fenómenos naturais raros com maior regularidade.

No referente a cientificidade do estudo, de um e-book, resultado de um trabalho científico dos investigadores Bruno Martins, Luciano Lourenço, Adélia Nunes e Fátima Velez de Castro, feito em 2021, Intitulado “São Vicente de Cabo Verde: Território de riscos”, é possível depreender uma abordagem sobre os principais riscos naturais que ocorrem na ilha de São Vicente, com evidências sobre a desertificação, limitações de exploração e gestão de recursos hídricos e perceção de suscetibilidade e vulnerabilidade a inundações, o fenómeno que registamos nos dias de hoje.

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São Vicente é uma ilha pequena (≈227 km²) com forte concentração urbana, pois, cerca de 90% da população vive em Mindelo, sendo a população da ilha definida pelas fontes do estudo de cerca de ≈76.000 habitantes. O estudo mostra que o crescimento urbano acelerado aumenta, de facto, exposição e vulnerabilidade.

No documento, no âmbito da investigação, são identificados como principais riscos de São Vicente: a Desertificação por conta do processo acelerado pela perda de solo, da escassez de chuvas e práticas agrícolas inadequadas, da salinização de poços e abandono de terras; a gestão de recursos hídricos pela escassez crónica de água, agravada pelo crescimento populacional e urbano, pela dependência de dessalinização, com custos energéticos elevados e intrusão salina em aquíferos costeiros, afetando a agricultura e o consumo; a erosão hídrica e ravinamento devido a períodos de chuvas intensas que causam erosão acelerada e formação de ravinas, devido a ação antrópica (desflorestação,  e construção em encostas) que agrava o processo; por fim as  cheias e inundações rápidas sendo o principal risco em meio urbano (Mindelo) por conta do crescimento desordenado da cidade onde se permitiu ocupação dos leitos de cheia e canais de drenagem e a eventos extremos causam danos materiais e interrupção de vias.

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Na mesma linha, o estudo identifica como principais causas e condicionantes desses riscos o clima semiárido com precipitação muito irregular e concentrada em poucos dias (maior parte do ano seco); o crescimento urbano desordenado (habitação em vertentes e leitos de ribeiras, ligações/infraestrutura deficitária) e as fragilidades das infraestruturas hídricas (perdas na rede, ligações ilegais) e elevadas despesas energéticas associadas à dessalinização.

Assim, como vulnerabilidades, são evidentes a concentração de mais de 90% da população à volta da cidade do Mindelo, a expansão urbana descontrolada, com ocupação de áreas de risco e habitações precárias e infraestruturas insuficientes que aumentam a exposição a riscos.

Interessante que do estudo muitas soluções são apontadas e aplicáveis nesta realidade, bastando, acima de tudo, decisores com vontade em fazer o que o momento exige, nomeadamente:

  • Reforço do planeamento urbano e ordenamento do território.
  • Investimento em sistemas de drenagem e alerta precoce.
  • Educação ambiental e envolvimento comunitário na gestão de risco.
  • Uso sustentável de recursos hídricos (ex.: recarga de aquíferos, reaproveitamento de águas residuais).
  • Medidas de gestão hídrica: retenção de águas pluviais (bacias), coletores paralelos junto ao mar para infiltração (recarga artificial de aquíferos), melhor monitorização de furos/poços, redistribuição de captações mais afastadas da costa.
  • Melhorar infraestruturas urbanas (drenagem, saneamento, redes de água) e reduzir perdas não faturadas para diminuir pressão sobre fontes.
  • Educação e comunicação do risco: estratégias que integrem perceções sociais, culturais e religiosas, pois, a população tem perceção baixa/heterogénea do risco (medo, explicações religiosas ou culpa de planeamento deficitário) e percebe o apoio institucional como insuficiente. A gestão do risco deve incorporar essas variáveis para ser eficaz.

Portanto, do documento pode-se concluir que São Vicente é um território de altíssima vulnerabilidade a riscos naturais, agravada pelas condições climáticas, geomorfológicas e socioeconómicas.  Por isso, a gestão integrada do território, aliada a políticas de adaptação e participação comunitária, é essencial para reduzir a exposição e aumentar a resiliência da ilha.

Visto que a ciência é um aliado favorável na correção das vulnerabilidades identificadas na tragédia que se abateu sobre São Vicente, por que não aproveitar a informação contida neste documento, assim como em outros trabalhos científicos, para ações políticas consequentes?

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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