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S. Vicente à beira do colapso: Estado e autarquia em falha grave

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Sónia Almeida

S. Vicente está à beira do colapso. Desde 11 de Agosto, a ilha vive mergulhada em degradação: esgotos a céu aberto infestam bairros inteiros, casas e edifícios ameaçam ruir a qualquer momento, e estradas continuam a ceder, corroídas pela ausência de infraestruturas mínimas de segurança. A situação não é apenas lamentável – é um crime de omissão que coloca vidas em risco e destrói património.

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O que foi feito dos fundos internacionais destinados à reconstrução da ilha? Quem fiscaliza a sua aplicação? A transparência na gestão dos fundos e das obras é essencial. Sem informação clara sobre projetos, cronogramas e responsáveis, a população não consegue confiar que os recursos sejam aplicados de forma eficaz. Cada dia de silêncio aumenta o risco de desperdício e prolonga o abandono institucional.

A responsabilidade recai primeiro sobre a autarquia. Deixar obras de grande envergadura apenas nas mãos da Câmara Municipal é condenar a população ao sofrimento prolongado. A incapacidade técnica da autarquia vai além da falta de recursos: revela falhas sérias na priorização de obras e na gestão interna – uma incapacidade que levanta dúvidas legítimas sobre a eficiência e os critérios de aplicação de recursos. A população paga, com segurança e dignidade, pelas decisões questionáveis de uma administração que parece mais preocupada com interesses internos do que com o bem público.

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O governo central, por seu turno, também falha gravemente. A ausência de fiscalização, a lentidão e a falta de coordenação, transformam um problema de infraestrutura numa crise prolongada de dimensões humanitárias. Fundos internacionais continuam – por quanto se saiba – sem aplicação eficaz, enquanto a população vive em condições degradantes. A transparência é fundamental: a população precisa acompanhar cada passo da reconstrução e ter garantias de que os recursos cumprem seu objectivo. Evitemos um novo “Fogo Gate”.

O impacto humano é devastador. Esgotos a céu aberto expõem crianças, idosos e pessoas vulneráveis a doenças graves. Casas e edifícios ameaçam ruir a qualquer instante, e estradas corroídas comprometem a mobilidade, dificultando o acesso de, nomeadamente, ambulâncias e transporte escolar. Cada dia sem ação é um risco real para vidas humanas. A falha combinada do governo central e da autarquia não é apenas administrativa: é moral.

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A população de S. Vicente, apesar das dificuldades, tem mostrado solidariedade e cidadania exemplar. Mas a ação popular, por mais louvável que seja, não pode nem deve substituir a obrigação do Estado de proteger a saúde, a segurança e a dignidade de todos. A responsabilidade é clara, legal e ética: cabe às autoridades públicas intervir, planejar, fiscalizar e executar – e fazê-lo com total transparência, para que cada cidadão possa acompanhar os resultados e garantir que os recursos sejam utilizados de forma adequada.

A falta de transparência institucional agrava ainda mais a situação. Sem planos claros, públicos e acessíveis, sem cronogramas realistas, sem nomes de responsáveis designados, a confiança da população nas autoridades deteriora-se rapidamente. O silêncio oficial reforça a percepção de abandono, alimenta a indignação e cria um clima de injustiça que mina a coesão social e a confiança no Estado. A gestão transparente dos fundos e das obras não é opcional; é um imperativo ético e funcional para evitar o desperdício de recursos e assegurar que as obras urgentes sejam concluídas.

O abandono de S. Vicente também tem consequências económicas. A ilha depende do turismo, do comércio local e de pequenas atividades produtivas. Ruas intransitáveis, casas degradadas e problemas de saneamento afastam visitantes e investidores, provocando perdas económicas que poderiam ser evitadas com acção rápida e estruturada. Cada dia de inacção prolonga a pobreza, aumenta a degradação e fortalece a sensação de abandono.

Ignorar esta crise e deixar que o tempo a empurre para o esquecimento e o povo se cale, por desgaste, é aceitar que vidas se percam, que o património se arruíne e que a já frágil confiança no Estado se desfaça por completo. Pelo contrário, as autoridades centrais deveriam encarar esta tragédia como uma oportunidade: reconstruir S. Vicente sobre fundamentos renovados, devolvendo, enfim, alguma confiança a um Estado que, ao longo de cinco décadas, tem falhado, “nolens volens”, repetidamente com a ilha.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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