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Requisição Civil e Segurança Operacional na Aviação: Um risco que não se justifica

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Américo Medina
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A requisição civil (ou administrativa) é uma ferramenta extraordinária prevista em muitos ordenamentos jurídicos que permite ao Estado obrigar trabalhadores de setores críticos como a saúde, segurança pública e transportes essenciais, a manterem a prestação de serviços durante greves. No entanto, na aviação civil, o seu uso deve ser encarado com a máxima prudência, sobretudo quando envolve tripulantes, especialmente pilotos, cujo papel é crucial para a segurança operacional.

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A aviação civil é regida por padrões internacionais rigorosos, estabelecidos, dentre outros, pela ICAO (Anexo 6 – Operation of Aircraft e Doc 9859 – Safety Management Manual) e pela EASA (Regulamento UE n.º 965/2012) que, colocam o princípio “Safety First” como valor central e inegociável. O fator humano é reconhecido como determinante para a segurança de voo em que as decisões críticas, a coordenação de cabine e a gestão de emergências dependem diretamente da aptidão física e mental do piloto – princípio que na indústria está consagrado no sacrossanto  “Fit -to-fly”!


Forçar pilotos a voar sob coação, em ambiente de alta tensão laboral ou emocional, pode (a) aumentar o stress e a fadiga mental, reduzindo a concentração e o desempenho, (b) comprometer  a tomada de decisão e a coordenação de cabine, (c) elevar o risco de erros humanos em momentos críticos, como decolagens, pousos e gestão de emergências.

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Importa realçar que o ICAO – Doc 9859 – recomenda explicitamente que, em situações de alta tensão laboral, as companhias aéreas devem reforçar o acompanhamento psicossocial, avaliar a aptidão mental dos tripulantes e garantir que a segurança de voo permaneça acima de quaisquer interesses comerciais ou políticos.

No caso particular da TACV, empresa marcada por um  histórico de instabilidade laboral crónica, insolvência, instabilidade operacional e gestão de recursos humanos deficitária, o recurso à requisição civil para obrigar pilotos a voar representa uma ameaça real à segurança operacional. Não é de se subestimar que na TACV temos  uma empresa que, além de rotatividade elevada de pessoal, enfrenta desafios graves no fortalecimento da sua cultura de safety propriamente dita, que vem registando nos últimos anos um retrocesso assinalável!

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Neste contexto, a requisição civil  pode  agravar conflitos internos, minar a moral dos tripulantes e aumentar a desconfiança entre as partes; expor a administração e o Estado a potenciais litígios judiciais e sanções de autoridades reguladoras, caso sejam identificadas falhas de segurança ou violações de normas laborais, para além de contrariar as melhores práticas internacionais e recomendações das entidades que regulam o setor aéreo, que desaconselham expressamente este tipo de medida em situações de tensão laboral, sobretudo quando a segurança operacional está em causa…

Diante deste quadro, é imperativo que a solução para conflitos laborais na TACV passe, antes de mais, pelo diálogo social responsável, acompanhado de medidas de reforço do Safety Management System (SMS), avaliação psicológica dos tripulantes e, necessária, limitação das operações ao mínimo indispensável.

A segurança operacional não pode, nem deve, ser sacrificada em nome de interesses económicos ou políticos. Num setor em que cada decisão de cockpit pode significar a diferença entre a vida e a morte, colocar pressão adicional sobre os pilotos não é apenas uma medida arriscada é, acima de tudo, uma irresponsabilidade incomportável!

*Consultor em Aerospace

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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