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Reformados das Forças Armadas injustiçados pelos Tribunais Militares

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Por: António Santos

Em Cabo Verde ainda não existe uma situação clara, em matéria penal militar, em relação aos militares em situação de reforma. Por um lado, o próprio Estatuto dos Militares, considera-os civis, excluindo-os de atualizações remuneratórias (direito exclusivos aos militares no ativo e na reserva), mas para efeitos penais já são “tratados” como se estivessem ao serviço.

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Se na sociedade a vida e a liberdade são valores jurídicos que justificam que a sua violação seja punida criminalmente com as penas mais graves, para os militares o País está primeiro e há um outro valor que se sobrepõe à própria vida e à sua liberdade: este valor é a Pátria, que não pode ser defendida sem Forças Armadas organizadas com base na hierarquia e disciplina, que são valores fundamentais daquelas, e cuja defesa pode exigir o sacrifício da própria vida. Esta realidade é tutelada por normas de direito penal e processual penal especiais, tal como por um direito administrativo especial.

Mas, curiosamente, em Cabo Verde ainda não existe uma situação clara, em matéria penal militar, em relação aos militares em situação de reforma. Por um lado, o próprio Estatuto dos Militares, considera-os civis, excluindo-os de atualizações remuneratórias (direito exclusivos aos militares no ativo e na reserva), mas para efeitos penais já são “tratados” como se estivessem ao serviço.

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Perante este aparente tratamento contraditório, o legislador tem dois caminhos: ou elimina todos os vínculos do militar em situação de reforma ou mantém esses vínculos. Não se pode ficar a meio caminho.

Em resumo , andou mal o legislador. Não decidiu. Revelou-se indeciso. E com essa indecisão discriminou negativamente o militar em situação de reforma em matéria de remuneração, sem que se vislumbre razão alguma para essa discriminação.

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Na minha perspetiva, falar de justiça militar é falar de uma organização judiciária, com tribunais e foro, com autoridades judiciárias e com agentes de polícia judiciária próprios. É falar, também, de um direito penal militar com normas substantivas e processuais especiais, que não permitem esta situação de descriminação em relação aos militares em situação de reforma.

Porém, apesar da influência da própria evolução do direito criminal comum, poucas alterações foram introduzidas na justiça militar, mantendo permanentemente uma coerência, que não admite este tipo de descriminação. Atualmente, a justiça militar não tem por objetivo proteger a organização militar, mas sim a função militar, que é a defesa militar da República.

A Constituição exige ao legislador que a tipificação dos crimes de natureza militar se mantenha no âmbito estritamente da função militar. Segundo o direito penal militar, só pode ser um direito de tutela dos bens jurídicos militares, isto é, daquele conjunto de interesses socialmente valiosos que se ligam à função militar específica: a defesa da Pátria, e sem cuja tutela as condições de livre desenvolvimento da comunidade seriam pesadamente postas em questão.

Assim, hoje, a justiça militar tutela interesses militares da defesa nacional, isto é, bens jurídicos relacionados com os objetivos constitucionalmente consagrados da defesa nacional e com valores fundamentais das Forças Armadas, para que estas consigam prosseguir a sua função de defesa militar da Pátria. Já não estamos perante um direito penal “dos militares”, mas sim “da função militar”, pelo que o crime estritamente militar só poderá violar bens jurídicos militares da defesa nacional, deixando de ser a tutela do dever militar.

Considero que o caminha a seguir passa pela reforma da justiça militar, e, porque não, pela extinção dos tribunais militares em tempo de paz, com a garantia de que os ilícitos militares sejam julgados com participação de juiz militar. Os valores ou interesses militares continuariam a ser, no entanto, tutelados por um direito penal e disciplinar especiais.

Em meu entender, a composição dos tribunais comuns de qualquer instância, quando julguem crimes de natureza estritamente militar, devem ter um ou mais juízes militares competentes, conciliando-se os interesses em causa com a integração na composição dos tribunais de qualquer instância de juízes militares para julgamento de crimes estritamente militares.

Só deveria ser permitida a constituição de tribunais militares para “a vigência do estado de guerra”, competindo-lhe somente o julgamento de crimes estritamente militares. O que implica, também, a impossibilidade de criação dos tribunais militares pelo simples facto de haver militares envolvidos em conflitos armados.

Desde praticamente a independência de Cabo Verde que a comunidade castrense e o poder legislativo reconhecem a necessidade de se adaptar e harmonizar o Direito Penal Militar com as novas realidades, submetendo-se aos princípios gerais do Direito, mas conservando as suas especificidades. Mas o tempo passa… e o poder político e legislativo nada faz e vai permitindo que se continue a cometer injustiças em relação aos reformados das nossas Forças Armadas.

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Kimze Brito

Jornalista com 30 anos de carreira profissional, fez a sua formação básica na Agência Cabopress (antecessora da Inforpress) e começou efectivamente a trabalhar em Jornalismo no quinzenário Notícias. Foi assessor de imprensa da ex-CTT e da Enapor, integrou a redação do semanário A Semana e concluiu o Curso Superior de Jornalismo na UniCV. Sócio fundador do Mindel Insite, desempenha o cargo de director deste jornal digital desde o seu lançamento. Membro da Associação dos Fotógrafos Cabo-verdianos, leciona cursos de iniciação à fotografia digital e foi professor na UniCV em Laboratório de Fotografia e Fotojornalismo.

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