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Redes sociais e a formação de base: contra a barbárie digital

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O objetivo desta reflexão é organizar algumas ideias sobre as redes sociais baseadas em computadores e apresentar o conceito de ciência ou formação de base como saberes indispensáveis para uma vida humana concebida como vida cidadã. Nosso problema central é a crescente negligência de um repertório formativo essencial, priorizando saberes “finais” ou exclusivamente voltados às dinâmicas transacionais de consumo. Essa tendência tem contribuído para a precarização generalizada da experiência humana e para a promoção da barbárie como forma predominante de interação social. Aqui, adotamos o método dissertativo-analítico e buscamos organizar ideias que apontem para a importância de um campo formativo centrado na noção de “formação de base”.

Por: Cídio Lopes de Almeida*

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Vivemos em uma era em que as redes sociais não apenas mediam nossas interações, mas também moldam nossas formas de pensar e agir. No entanto, ao priorizarem dinâmicas centradas no consumo, essas redes reduzem as relações humanas a transações, não a interações genuínas. Essa lógica se intensifica no universo virtual, onde perfis deixam de ser espaços de convivência social para se tornarem vitrines de venda. Tal redução negligencia um aspecto fundamental para a vida cidadã: a formação de base, entendida como um repertório essencial de saberes que sustenta a dignidade humana e a convivência coletiva. A ausência desses saberes, especialmente do campo das humanidades, associado a uma prática econômica [capitalismo] tem resultado no esvaziamento do senso de comunidade e na precarização da experiência de vida.

As redes sociais, ao radicalizarem a lógica do consumo, têm priorizado um tipo de ação que reforça o desejo de adquirir, seja objetos (roupas, alimentos, produtos de beleza) ou serviços (como cursos que prometem ensinar a “ganhar dinheiro” no mundo digital). Ainda que haja exceções – como pessoas compartilhando experiências culturais ou conhecimentos científicos –, a predominância é de estímulos voltados ao consumo imediato, simbolizados por likes, compras e opiniões descartáveis. Essa dinâmica reduz a profundidade das experiências humanas e empobrece a vida cidadã. Além disso, a exposição mercantilizada da vida privada, sobretudo de “influenciadores”, transforma aspectos respeitáveis da subjetividade em produtos de entretenimento, prejudicando tanto os espectadores quanto os próprios indivíduos que vivem dessa exposição.

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Como alternativa a esse cenário, a formação de base oferece ferramentas intelectuais e éticas para sustentar uma vida humana digna. Resgatar conhecimentos essenciais, como história, ética, filosofia e ciências (física, sociologia, biologia), permite interações mais profundas e autônomas. Por exemplo, o ato de escrever manualmente em cadernos tradicionais – algo que se perde nas dinâmicas aceleradas das redes sociais – promove um aprendizado mais lento e estruturado. A prática docente mostra que a introdução de ideias novas requer tempo, revisão e paciência, elementos incompatíveis com a pressa
imposta pelo “click” e pelo universo de microtextos.

Sem essa formação de base, que valoriza o tempo mais lento, corremos o risco de transformar a convivência social em práticas de violência virtual, onde o ódio e a polarização substituem o diálogo e a construção coletiva. No ambiente virtual, a pressa para reagir elimina a reflexão, e o outro é rapidamente visto como um oponente ao meu desejo. Dialogar, porém, é uma habilidade que se aprende, e a formação de base é essencial nesse processo. A disciplina de Filosofia na educação básica, por exemplo, contribui para o desenvolvimento do pensamento crítico reflexivo, que capacita os
jovens a questionar as causas dos eventos imediatos e construir um espaço propício ao diálogo. No tempo lento do diálogo, pode-se até cometar erros, que haverá tempo para se compreender que houve um erro e se retomará novamente por uma via adequada.

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Reconstruir os alicerces da experiência humana exige um esforço coletivo para priorizar a formação de base. Não podemos confiar no mítico algoritmo das grandes empresas de tecnologia para isso. Aos que se dedicam às ciências de base, cabe disputar a atenção das novas gerações, demonstrando a importância de um tempo mais lento – o tempo do aprendizado, da amizade (filos) e do saber (sofia). Nesse tempo, podemos nos dedicar à prática do exercício: retornar a um texto, revisar um parágrafo ou resolver uma equação matemática várias vezes. Essa paciência e esse esforço, que sustentam os saberes estruturantes da condição humana, são uma resposta fundamental à aceleração superficial das redes sociais digitais.

*Doutorando em Ciências das Religiões, bolsista FAPES.

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Constanca Pina

Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). Trabalhou como jornalista no semanário A Semana de 1997 a 2016. Sócia-fundadora do Mindel Insite, desempenha as funções de Chefe de Redação e jornalista/repórter. Paralelamente, leccionou na Universidade Lusófona de Cabo Verde de 2013 a 2020, disciplinas de Jornalismo Económico, Jornalismo Investigativo e Redação Jornalística. Atualmente lecciona a disciplina de Jornalismo Comparado na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV).

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