“A consciência da complexidade leva-nos a compreender que jamais poderemos escapar da incerteza e que nunca teremos um saber total: a totalidade é a não-verdade.” – [Edgar Morin]
Arlindo Nascimento Rocha
Este artigo apoia-se inicialmente em algumas ideias e conceitos sobre a educação contemporânea desenvolvidos pelo antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, cuja reflexão sobre o tema se destaca de forma enfática nos seus escritos, oferecendo aos leitores uma visão atual e relevante sobre a verdade, os desafios e das incertezas contemporâneas, bem como uma justificativa teórica plausível para a expansão do conceito de “pedagogia da mutabilidade”, estabelecendo uma relação com as contribuições de Gardner, Fullan e com a abordagem PBL.
Entre a vasta obra de Morin, destacamos duas em que ele aborda a educação em um mundo globalizado. A primeira, Os sete saberes necessários à educação do futuro (2000), em que apresenta os conhecimentos fundamentais que a escola deve considerar para promover a formação integral dos alunos. Já a segunda, Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação (2015), enfatiza que a principal missão da escola deve ser ensinar a viver, preparar o aluno para enfrentar a incerteza da existência, cultivando liberdade, autonomia e sentido da vida.
Nas duas obras, Morin aborda a urgência de repensar a escola, defendendo uma educação que forme sujeitos autônomos, éticos e conscientes, capazes de lidar com a complexidade, a incerteza e a condição humana. Fundamentado em uma perspectiva transdisciplinar, propõe integrar razão e sensibilidade, conhecimento científico e saberes da vida cotidiana, visando à construção de uma aprendizagem significativa.
Para Morin, o ato de educar é uma forma de preparar o aluno para compreender o mundo, reconhecendo as inter-relações entre a natureza, a sociedade e a cultura. Sendo assim, educar é uma temática inesgotável, que precisa ser continuamente retomada, problematizada e questionada, a fim de abrir novos horizontes da compreensão. Segundo ele, esse ato significa “preparar para enfrentar a incerteza e a mudança, e não apenas transmitir certezas estabelecidas”. Portanto, a educação constitui um processo fundamental para preparar crianças, jovens e adultos a lidar com as transformações do mundo, indo além da simples transmissão de conteúdos.
Morin, defende ainda que a complexidade do mundo contemporâneo exige uma educação capaz de ensinar a pensar em rede e a integrar saberes, princípios que fundamentam a ideia de uma pedagogia ativa e adaptativa. É precisamente a partir desta noção que surge, no contexto educativo, o conceito de “mutabilidade”, como uma resposta às pressões contemporâneas sobre a educação e à necessidade de revisão crítica e estrutural dos modelos tradicionais.
Foi com base nessa percepção que formulei o conceito da “pedagogia da mutabilidade”, uma proposta conceitual apresentada inicialmente no artigo Mutabilidade: da governança à pedagogia, publicado recentemente. Neste novo artigo, retomo o tema com o objetivo de aprofundar algumas questões previamente levantadas, sem a pretensão de o esgotar. Considero tratar-se ainda de uma ideia embrionária, que necessita ser debatida, investigada e aprimorada para gerar novas reflexões. Importa esclarecer que esta proposta não deve ser entendida como uma metodologia rígida, mas como uma lente interpretativa para compreender e responder ao dinamismo social, cultural e tecnológico atual.
A transposição do conceito de “governança da mutabilidade”, originário das políticas públicas e dos contratos adaptativos, para o campo da educação, não é um assunto trivial, mas uma analogia válida e necessária. Relembrando que, em contextos de governança, a mutabilidade refere-se à capacidade de ajustar normas e processos em tempo real, através de feedback contínuo e revisão estruturada. Essa lógica se aplica, igualmente, à educação, onde currículos, metodologias e avaliações precisam ser dinâmicos, em vez de estáticos. Sociedade, escola, alunos e professores encontram-se em permanente transformação, o que exige modelos educativos que reconheçam a fluidez e a adaptabilidade como valores centrais, independentemente dos níveis ou contextos.
O modelo tradicional, sustentado por currículos rígidos, metodologias fechadas e avaliações padronizadas, já não responde à complexidade atual. Michael Fullan sublinha que o século XXI exige uma “nova ecologia da aprendizagem”, resultante das mudanças nas trajetórias pessoais de acesso ao conhecimento na sociedade da informação. Nessa perspectiva, o foco desloca-se do ensino à aprendizagem, do conteúdo para as competências e da uniformidade à personalização. Assim, a estabilidade absoluta revela-se ilusória, sendo imprescindível que os sistemas educativos incorporem mecanismos de resiliência, adaptação e inovação contínua.
A pedagogia da mutabilidade privilegia a flexibilidade planejada, a revisão contínua dos processos de ensino, o alinhamento com os diferentes ritmos de aprendizagem, o foco nas Inteligências Múltiplas (IM), na Aprendizagem por Competências (APC) e no Problem-Based Learning (PBL) – Método de Resolução de Problemas. Todas essas abordagens colocam o aluno no centro do processo de aprendizagem, enfatizando o desenvolvimento de habilidades e competências práticas, bem como a capacidade de adaptar-se criticamente a contextos diversos e em constante transformação.
A teoria das I.M., proposta por Howard Gardner, oferece um suporte essencial ao demonstrar que cada aluno aprende de forma singular, seja nas dimensões lógico-matemática, linguística, espacial, musical, corporal, interpessoal, intrapessoal, naturalista ou existencial, exigindo, portanto, uma educação adaptativa, inclusiva e centrada no aluno.
De igual modo, a APC e, em especial, o PBL, inicialmente desenvolvido para o ensino da Medicina por Howard Barrows, mostram-se de extrema relevância na atualidade. Ambos se revelam adequados ao contexto educativo contemporâneo, por estimularem o pensamento crítico, a colaboração e a aplicação prática do conhecimento. Portanto, são duas abordagens alinhadas com os pressupostos da pedagogia da mutabilidade, a qual valoriza a aprendizagem ativa, adaptativa e orientada para a resolução criativa de problemas.
Então, tendo como base os pressupostos supracitados, convém sublinhar que a pedagogia da mutabilidade não propõe uma sequência operacional rígida, mas sim um horizonte estratégico que possibilita: (a) ajustar trajetórias de aprendizagem ao ritmo individual; (b) articular aprendizagens com metodologias como o PBL e o ensino por competências; (c) adaptar-se de forma ágil a múltiplos contextos, sem incorrer em relativismo ou desorganização.
O equilíbrio entre flexibilidade e consistência deve ser assegurado por critérios éticos, coerentes e dinâmicos, numa lógica próxima da ética da responsabilidade de Hans Jonas, que defende a consideração das consequências futuras das nossas ações em contextos de incerteza.
Assim, a pedagogia da mutabilidade não implica ausência de critérios, mas sim a sua adaptação inteligente e contextual, em consonância com a phrónesis aristotélica, ou seja, a “sabedoria prática” necessária para agir em situações imprevisíveis, permitindo assim, deliberar corretamente sobre o que é bom e justo em cada situação concreta da vida. Tal abordagem requer uma reflexão profunda sobre valores como integridade, equidade e inclusão, bem como mudanças estruturais ao nível institucional.
Neste quadro, os professores deixam de ser meros transmissores de conhecimento para se afirmarem como mediadores críticos, em consonância com a visão de Paulo Freire, que concebia a educação como prática da liberdade, centrada no diálogo, na crítica e na transformação. Paralelamente, as instituições educativas precisam abandonar a lógica do “sempre foi assim” e adotar processos de revisão contínua, inspirados em modelos de melhoria como o ciclo PDCA – Plan (Panejar) – Do (Fazer) – Check (Checar) – Act (Agir), amplamente utilizado em gestão.
Para viabilizar esta proposta, algumas medidas práticas são necessárias: (a) revisão curricular contínua, inspirada no currículo em espiral de Jerome Bruner, que retoma conteúdos em diferentes níveis de complexidade, promovendo interdisciplinaridade e adaptação; (b) formação docente adaptativa, centrada no desenvolvimento de competências e na capacidade de adaptação; (c) uso pedagógico das tecnologias, com foco na personalização da aprendizagem e na literacia digital; (d) avaliações formativas e processuais, que promovem aprendizagem contínua através de feedback constante; (e) gestão escolar baseada em liderança democrática, com decisões partilhadas entre os professores, os gestores, os alunos e a comunidade, reforçando inclusão e adequação contextual.
Assim, a pedagogia da mutabilidade apresenta-se como um contributo conceitual relevante e inovador para a educação contemporânea. Ao assumir que “a mudança não é exceção, mas regra”, o sistema educativo posiciona-se de forma proativa e visionária. Esta proposta não visa descaracterizar a escola, mas antes renová-la, tornando-a mais ética, inclusiva e preparada para os desafios futuros, em consonância com as exigências da sociedade do conhecimento e da complexidade global.









