Não sei como aconteceu, mas, pelo que vejo, cada vez mais é sensação da minha geração ter-se
perdido na acomodação, na resignação, na migração.
Por Nelson Faria
Ao longo desses quase quarenta anos lembro de ter conhecido gente da minha camada com personalidades vincadas, inteligências aguçadas, rebeldes o suficiente com traços de liderança capazes de darem novo rumo a isto. Pergunto, hoje onde estamos e o que fazemos? O país não mudou muito de lá para cá. Os rostos do poder são praticamente os mesmos, permitindo apenas a entrada dos que se alinham com o statuos quo sabendo por certo para onde vão… Nós, sim, nos perdemos.
Num mundo de desafios gigantes e mudanças aceleradas, permitimos continuar sendo conduzidos
pelos mesmos de sempre, com as soluções e modus operandi que já mostraram não resultar. Permitimos a continuidade do aumento das desigualdades com todas as suas consequências;
permitimos que a conversa sobre tecnologia ainda não tenha chegado onde deveria estar, e falo
também da inteligência artificial generativa; permitimos que não sejam realmente acauteladas
medidas para as transições climáticas, basta ver as construções nas nossas encostas e à beira-mar.
Nem quero entrar nos desafios do mundo rural; permitimos a continuidade de uma “democradura”, a democracia da ditadura das maiorias, com tendência para impérios locais; permitimos que sejamos ou continuemos ainda mais expostos às vulnerabilidades das tensões geopolíticas; permitimos que autocratas continuem a ditar as regras em várias esferas; permitimos ter medo de contrariar “o chefe” ou o poder instalado, afinal temos bocas para alimentar e precisamos aproveitar a vida; permitimos aceitar o despotismo de alguns; permitimos nos silenciar, por medo de retaliações diretas ou indiretas.
Permitimos ser viciados em mendigar pequenos nadas; permitimos ser precarizados, ser usados em estágios e contratos de prestação de serviço, não ou mal remunerados. Permitimos que as eleições continuem sendo manipuladas pelas necessidades, vaidades e superficialidades; permitimos não desafiar sonhos e inovações, não correr riscos que mal não nos deixariam ficar; permitimos não pensar pelas nossas próprias cabeças. Permitimos acomodar, resignar e migrar.
Bem sei que as razões são várias, desde a atuação dos que conhecemos e o estereótipo que criamos
que a política não é algo bom, o que é falso, a nobre atividade não pode pagar por alguns malfeitores. Bem sei que as forças políticas têm as suas barreiras para seleção dos alinhados capazes de se anularem para defenderem o partido acima de tudo; bem sei que a ausência de jovens com real poder de intervenção nas forças políticas atuais também inibe a vontade dos demais de participar; bem sei que a educação cívica que nos é dada, melhor não foi dada, não ajudou; bem sei que a desilusão com o “sistema” e o “triunfo do mal” não ajudam; bem sei que resta-nos apenas o facebook e alguns outros poucos espaços para expressarmos. Mas, que não percamos a voz de vez… Ao menos isso.
Posto isto, ainda entristece-me ver jovens na luta de guerras clubísticas partidárias que não são suas,
a resumir o seu potencial apenas na defesa do seu “chefe” do clube do partido; entristece-me ver que
continuam míopes para os desafios que são deles e da geração dos seus filhos. Jovens que são meras
caixas de ressonância, na maior parte das vezes mais fanáticos que os seus mentores, pois, esses já
sabem que o seu estatuto lhes permite levar a vida independentemente dos ventos e ventanias do poder, portanto, o poder para eles é relativo e serve mais para o ego, o narciso e outros interesses do que propriamente para o que deveria ser. Obviamente, ressalvo e enalteço as escassas e honrosas exceções que, de quando em vez, dão o ar da sua graça. Portanto, há esperança, mesmo que pouco,
vale.
Escusado será dizer que seria importante que a sociedade e os líderes políticos reconhecessem o
valor e a importância das perspectivas e contribuições dos jovens, mas, para isso os jovens deveriam
saber conquistar esse respeito. Não sei se fizemos o suficiente… Fato é que não somos realmente
valorizados como propalado nos belos discursos. É igualmente importante que os jovens saibam se
valorizar e não estejam sempre dispostos a baixar a cabeça no “sim senhor”. Importante seria que
percebessem o seu tempo presente e tenham mínima visão do que vem aí, pois, não faltam sinais.
Discordar deveria ser normal em democracia… se calhar é esse o problema, ainda não chegamos lá
realmente. Naturalmente, neste tempo, mais do nunca, é fundamental o envolvimento ativo da
juventude na política para a construção de sociedades mais justas e inclusivas, especialmente em
um mundo em constante mudança, mudanças essas cada vez mais incertas e imprevisíveis. Não nos
podemos esquecer que os nossos filhos irão viver no mundo que construímos e serão também
consequência das nossas escolhas, por ação ou por omissão.
Por agora, como resultado disto, é isto. O que vemos, o que vivemos e sentimos diariamente. Não sei
o que será da próxima geração, confesso que não alimento expectativas, mas, e a minha? Vamos a
tempo de corrigir algumas das situações que permitimos?